Resumo
Extraído do
Livro “Logic and Theism: Arguments for and Against Belief in God” de Jordan
Howard Sobel – Chapter 3 – Modern Modal Ontological Arguments – Part eight: But
that–that conceivability entails possibility–is simply not true!
“‘Autoconsistência
a priori’ não implica possibilidade lógica”, respondem os adversários, que veem
essa negação como o cerne da questão. Pode parecer que as possibilidades são
mais fáceis de alcançar do que as necessidades, porque há acesso a priori às possibilidades.
Mas não é assim. Pois não existem possibilidades a priori!! É um erro pensar
que ‘autoconsistência a priori’ – ou seja, ‘liberdade de contradição detectável
a priori’ – seja suficiente para as possibilidades afirmadas em premissas de
argumentos ontológicos modais. Este é o erro dos melhores argumentos Anselmianos.
(Não é relevante para o argumento de Kurt Gödel do próximo capítulo.)
8.1 ‘Mágicos’
direto ao ponto
8.1.1. Rowe
usa, para expor o erro, “a ideia de um magicano(Ou magião em algumas traduções)
[sic], um mágico existente” e nos faz “[s]upormos... que nenhum mágico jamais
existiu” (pp. 39-40; grifo nosso). Em relação a um mágico ou ‘mágico existente’,
entenda que algo é um magicano em um mundo possível se, e somente se, for um
mágico no mundo real (cf., p. 42n13), isto é, este mundo em que vivemos e
respiramos. Nesta descrição ou definição, tanto ‘magicano’ quanto ‘mágico’ são
predicados que implicam existência no sentido da Seção 4.2. A descrição, para
maior explicitude, é, portanto, que algo x é um magicano ‘em’ um mundo possível
se e somente se (i) x existe em w e (ii) x existe e é um mágico no mundo real.
O predicado ‘é um magicano’, de certa forma, vai além do predicado ‘é um
mágico’: ser um magicano em um mundo implica existir não apenas naquele mundo,
mas também no mundo real, se esse mundo não for ele próprio o mundo real. De
outra forma, o predicado “é um mágico” vai além de “é um magicano”: ser um
magicano “em” um mundo w não implica ser um mágico em w.11
8.1.2. A
frase “o mundo real” é potencialmente ambígua. Considerando os usos desta frase
por você e por mim, “o mundo real” pode servir como um “designador rígido” em
todos os mundos possíveis para este nosso mundo em que vivemos e respiramos ou
como um “designador não rígido” que, em um mundo possível, designa aquele
mundo. No parágrafo anterior, usei “o mundo real” como às vezes, seguindo
(Lewis 1983), usarei “@” e como Plantinga às vezes usa “Cronos” (Plantinga
1974a, p. 43). Esses símbolos são usados como nomes próprios deste nosso
mundo. Se eu tivesse usado "o mundo real" como um designador não
rígido, eu teria, com as palavras "algo é um magicano em um possível w se
e somente se for um mágico existente no mundo real", dito que algo é um
magicano em um mundo se e somente se for um mágico existente naquele mundo, o
que, dado que "magicano" implica existência, teria tornado "magicano"
um sinônimo de "mágico". (A ambiguidade rígida/não rígida de "o
mundo real" é algo como uma ambiguidade de "hoje". Hoje é 18 de
janeiro de 2002. Era verdade em 17 de janeiro de 2002 que hoje é 18 de janeiro
de 2002? Uma resposta pode começar com "Sim e não" ou
"Depende".)
8.1.3. As
respostas a duas perguntas sobre mágicos demonstram que "autoconsistência
a priori" não implica possibilidade. Pontos semelhantes são levantados
quando a primeira questão é alterada para uma sobre imaginabilidade,
concebibilidade ou compreensibilidade.
Questão 1: A
ideia de um magicano é "a priori autoconsistente" ou isenta de
inconsistência a priori? Resposta: Sim, certamente. Nenhuma contradição decorre
simplesmente em virtude de ideias ou significados de palavras da suposição de
que existe um magicano. Afinal, existe um magicano se, e somente se, existe um
mágico, e "existe um mágico" não é a priori inconsistente. Não é
cognoscível a priori que não existam mágicos.
Questão 2: É
possível que exista um magicano — isso é logicamente possível? Resposta: Não,
não dada a suposição sob a qual operamos de que "nenhum mágico jamais
existiu" (Ibid.). Embora "[n]ão haja nada contraditório na ideia de
um magicano... ao afirmar que um magicano é possível, estamos... implicando
diretamente que alguma coisa existente é um mágico" (p. 41). Portanto, se,
como se supõe, "nenhuma coisa existente é um mágico" (p. 41), não há
mágico em nenhum mundo possível. Em outras palavras, é possível que haja magicano
apenas se houver um mágico. Portanto, dado que não há mágico, não é possível
que haja um magicano.
8.2
‘Unicrons’ e ‘dragões’ para o mesmo ponto. Rowe precisava assumir que não existiram
mágicos. Para prosseguir sem suposições, ele poderia ter usado unicrons,
definidos como coisas que existem em @, este nosso mundo real, e são unicórnios
em @, pois é um dado adquirido no discurso filosófico atual que nenhum
unicórnio jamais existiu. O mesmo se aplica aos dragões. Para ensaiar seu ponto
em outros termos, digamos que ‘D’ diga que existem dragões, digamos que ‘D’ (em
itálico) diga que existem dragões, e digamos que algo seja um dragão em um
mundo possível se e somente se (i) ele existe nesse mundo possível e (ii) ele
existe e é um dragão em @. Então,
É possível
que exista um dragão se e somente se realmente houver um dragão: ♦(∃x) Dx ≡ (∃x) Dx.
De fato, isso
é resolvido pela definição de "dragão", sendo, portanto, necessário a
priori.12 E agora, para reiterar o ponto que temos diante de nós, temos que
Não é
possível que exista um dragão: ♦(∃x)
Dx
Já que
Não existe de
fato um dragão (∃x)
Dx.
Dragões não
são possíveis, embora sejam imagináveis e embora não haja contradição a
priori em nosso conceito deles, assim como não há em nosso conceito de
dragão.13
8.3
Consistência, a priori e lógica. A ideia de Rowe de um magicano é a priori
autoconsistente ou coerente. Nenhuma contradição decorre meramente em virtude
dos significados das palavras da proposição M de que existe um magicano. Não
importa para essa consistência a priori se existem de fato mágicos, M. No
entanto, se não existem mágicos, ∼M,
então M não é logicamente consistente. Pois, se não há mágicos, ∼M, então é necessário que não haja um
magicano, □∼M; de
modo que, neste caso, M implica tanto a si mesma, M (toda proposição implica a
si mesma), quanto sua negação, ∼M
(cada proposição implica cada proposição que é necessária). Implicar essa
contradição torna M logicamente inconsistente ou, em outras palavras,
logicamente impossível.¹
8.4 Sobre a
"máxima da metafísica" de Hume. "Onde quer que as ideias sejam
representações adequadas de objetos, as relações, contradições e concordâncias
das ideias são aplicáveis", escreveu Hume no Tratado (Hume 1888, p. 29, primeira
linha da Seção II, Livro I, Parte I). Uma consequência que ele extraiu foi
"que tudo o que parece impossível e contraditório na comparação de...
ideias, deve ser realmente impossível" (Ibid.). Isso é verdade se
"parece" significa "é evidentemente" e a afirmação é que o
que pode ser visto a priori como abrigando uma contradição é impossível. No
entanto, Hume também sustentou o que descreveu como "uma máxima
estabelecida na metafísica", a saber, "que tudo o que a mente concebe
claramente inclui a ideia de existência possível, ou, em outras palavras, que
nada do que imaginamos é absolutamente impossível" (p. 32, mesma seção), e
essa máxima é falsa. Temos uma concepção clara de dragões e podemos
imaginá-los. Não há contradição nessa ideia. No entanto, dragões são
impossíveis se, como todos acreditamos, não houver dragões neste nosso mundo.
8.5 Sobre a
relevância da concebibilidade para a possibilidade. Certamente, "a
capacidade de concebibilidade não é prova de possibilidade lógica" (Putnam
1975, p. 233), mas talvez seja uma evidência para ela, assim como parecer ver
algo é evidência de sua realidade. Talvez ter "concebido" uma coisa
ou situação, onde isso conta como "conjurar uma aparência de sua
possibilidade", autoriza uma presunção de que essa coisa ou situação é
possível; aqui, conjurar uma "aparência de sua possibilidade não consiste
meramente em ensaiar palavras que seriam descritivas da coisa ou situação, ou
em entreter uma ideia dela que, até onde se pode ver, não seja inconsistente a
priori. Essa concepção, mesmo que seja concepção de Yablo (Yablo 1993), é como
imaginar, embora não envolva necessariamente uma imagem na mente.15 “Tudo o que
você achar concebível [desta maneira], você tem”, segundo Stephen Yablo,
“primariamente o direito de considerar como metafisicamente possível” (p.
34).16 Mas é muito duvidoso que mesmo isso seja verdade. Pois podemos conceber
(que existam) dragões, assim como podemos conceber que existam dragões, e não
há contradição a priori na ideia de um dragão, se, como todos supomos, não há
nenhuma na ideia de um dragão. Mas nem o fato de podermos conceber que existam
dragões, e mesmo imaginá-lo, nem que sua ideia não abrigue a priori nenhuma
contradição, nos daria prima facie o direito de considerá-los possíveis, a
menos que fizesse o mesmo para considerar dragões como reais. Em termos mais
completos: temos que a proposição de que existe um dragão é possível se e
somente se a proposição de que existe um dragão for verdadeira, em suma, [♦(D)
≡ D]. Isso – essa equivalência – é apriorística necessária. Então, algo – algum
raciocínio, alguma experiência – nos fornece evidências para a proposição de
que ♦(D) é verdadeira ou um direito de considerá-la verdadeira pro tem se e
somente se nos fornece evidências para a verdade da proposição de que D ou tal
direito em relação a ela. Que eu possa conceber que existam dragões, isto é,
que eu possa conceber um dragão realmente existindo, não é evidência para a
verdade de D, que existem dragões. Portanto, não é evidência da verdade de
♦(D), que dragões são possíveis... que eu possa imaginar um dragão na porta ao
lado, não é "evidência" que, prima facie, me autoriza a considerar D
verdadeiro, que existe um dragão.
Não é verdade
que "[t]udo o que você achar concebível, você tem prima facie o direito de
considerar como metafisicamente possível" (Ibid.; ênfase adicionada).
Talvez, no entanto, se o que alguém concebe como possível for tal que sua
possibilidade não seja a priori equivalente a uma necessidade, nem a priori
implique algo contingente, então o fato de você concebê-lo como possível
fornece evidência (o quanto depende da clareza e distinção de sua concepção) de
que é possível.17 Esse — embora haja problemas com ele18 — é um princípio
limitado em que acredito e no qual às vezes me baseio (por exemplo, na minha
crença de que não poderia haver seres conscientes relacionados das maneiras
necessárias para a comunicação). Este princípio limitado, contudo, não serve
para os argumentos ontológicos anselmianos, para que não sejam imperfeitos e
simplesmente assumam as possibilidades das quais dependem. Pois essas
possibilidades são a priori equivalentes às necessidades. Essa é a
"ideia" delas nesses argumentos. Estipulações garantem que seus seres
não sejam possíveis a menos que sejam necessários.
8.6. A possibilidade
de um magicano não pode ser decidida a priori, visto que essa possibilidade
implica a existência de mágicos, e isso não pode ser decidido a priori. Da
mesma forma, supõe-se, para a possibilidade de um ser insuperavelmente grande
ou perfeito, que essa possibilidade seja, por estipulações relativas à grandeza
e à perfeição, levada a implicar a existência real de um ser grande ou
perfeito. A coerência do conceito de tal ser presumivelmente pode ser decidida
dessa forma, mas não sua possibilidade. A possibilidade de tal ser é, ao que
parece, precisamente um caso de uma possibilidade para a qual a consistência a
priori e a concepção de Yablo (supondo que isso faça sentido aqui) não podem
fornecer evidências. Textos (ver Seção 7.2) dizem que Anselmo, Descartes,
Malcolm e Plantinga pensavam de outra forma. Eles apresentam como razões para
as possibilidades de seus seres apenas que as palavras para eles são
compreensíveis, que temos ideias coerentes sobre eles que são livres de
inconsistências a priori, e assim por diante. Mas mesmo que tudo isso, e mais
do tipo, seja verdade para as palavras e conceitos de seus seres, isso não
parece ser mais um argumento para suas possibilidades do que demonstrações
semelhantes fariam para as possibilidades de magicanos e dragões.
Notas
11. “Mas o
conceito de um mágico não é estranho na forma como faz a existência de um mundo
de um mágico depender de condições em outros mundos?” Talvez, mas não mais
estranho do que o conceito de um existente necessário essencialmente perfeito,
cuja existência em um mundo depende muito mais de condições em outros mundos.
12. Embora
essa equivalência seja necessária e verdadeira em todos os mundos, creio que
ela é expressável e cognoscível apenas em nosso mundo. Na explicação de nossa
ideia de um dragão, há uma referência definida a este nosso mundo em que
vivemos e respiramos. Habitantes de outros mundos poderiam, neles, referir-se a
eles de forma semelhante, mas não ao nosso. Eles não poderiam ter a ideia de um
dragão que temos agora, mas apenas a ideia de um tipo que fosse similarmente
relacionado ao seu mundo. Cf., Cartwright (1998, p. 77).
13. Aqueles
que preferem não incluir a existência em ideias de tipos podem defender o ponto
de Rowe começando com um tipo K tal que (i) K não seja instanciado e (ii) tal
que (i) não seja demonstrável a priori. Quase todos supõem que dragões,
unicórnios e fantasmas são tais tipos. Embora presumivelmente não existam tais
coisas, nenhuma contradição flui meramente em virtude de ideias e significados
da suposição de que não apenas existem tais coisas. O próximo passo é formar a
ideia de tipo K, de um K necessariamente existente: uma coisa é um K em um
mundo possível se, e somente se, ela existe em todos os mundos possíveis, e é
um K em @, este nosso mundo. E aí está, a ideia de um tipo K que é, por (ii), a
priori autoconsistente, embora, por (i), coisas deste tipo K sejam impossíveis.
Para o ponto geral de que a ‘possibilidade a priori’ de uma proposição não
implica possibilidade lógica, deixe φ expressar uma proposição contingente p
que é falsa em @, e deixe ‘[A]’ abreviar ‘é verdadeiro em @ que’. Agora
considere a proposição p expressa por [A]φ. Esta proposição é ‘a priori
possível’: Não é mais cognoscível a priori que p é falsa do que é tão
cognoscível que a proposição contingente p é falsa. No entanto, uma vez que p é
falsa em @, p é falsa em todos os mundos e não é logicamente possível.
Conectadamente, e desta vez sem dependência da suposição de que p é falsa no
mundo real, o seguinte expressa em todos os mundos argumentos válidos: ♦[A]φ∴ [A]φ, e ♦[A]φ∴[A]φ (Cf., Schellenberg 1993, p.9
n11). Que o que é ‘a priori possível’ não precisa ser possível (!) é a razão
pela qual usei aspas assustadoras. As palavras "a priori possível"
são palavras infelizes, pois "a priori impossível" são palavras
melhores. As palavras "a priori necessário", visto que o que é a
priori necessário deve ser necessário, são boas palavras.
14. Teoremas
do sistema da Seção B1 do Apêndice Bare (Q)⊃(P⊃Q) e [(P⊃Q) & (P⊃∼Q)] ≡
∼P.
15. A
"concepçao" de Yablo, essa evocação de uma aparência de
possibilidade, não é o mesmo que, e suspeito que não inclui, apreciar que algo
é "coerentemente concebível" (Yablo 1999, p. 457). Isso soa como
apreciar que não há inconsistência a priori nas ideias sobre a coisa. James van
Cleve contrasta "concepção forte" com "concepção fraca".
Assim como se pode "apenas ver" que algumas coisas são verdadeiras,
por exemplo, "que nada é redondo e quadrado", também se pode
"apenas ver" que algumas são possíveis (van Cleve 1983, p. 37, citado
em Tidman 1994). O exemplo de Van Cleve é que existem criaturas com olhos,
mas não com ouvidos. Esse "apenas ver o possível" estaria em uma
extremidade de um continuum de "concepção Yablo", na outra
extremidade do qual estaria a mais tênue aparência de possibilidade.
16. Agradeço
a Margaret Cameron por me apresentar este valioso ensaio.
17. Tidman
diria que a concepção Yablo "desencadeia disposições para acreditar em
possibilidades" e que é isso, não a qualidade intrínseca da
concepção/imagem, que "nos dá razão para pensar que algo é possível"
(Tidman 1994, p. 308).
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