Extraído do
Livro “Logic and Theism: Arguments for and Against Belief in God” de Jordan
Howard Sobel – Chapter 2 – Classical Ontological Arguments – Part Three: St.
Anselm’s argument of Proslogion II
Resumo
[1] Pois bem,
Senhor, Tu que dás entendimento à fé, concede-me que eu possa entender, tanto
quanto achares adequado, que Tu existes como cremos que existes, e que Tu és o
que cremos que és. [2] Agora cremos que Tu és algo do qual nada maior pode ser
pensado. [3] Ou pode ser que algo de tal natureza não exista, visto que “o
Louco (Ou Tolo em algumas traduções) disse em seu coração: Não há Deus?”
[Salmos 14, l. 1, e 53, l. 1.] [4] Mas certamente, quando este mesmo Louco ouve
o que estou falando, a saber, “algo-do-qual-nada-maior-pode-ser-pensado”, ele
entende o que ouve, e o que ele entende está em sua mente [intelecto,
entendimento], mesmo que ele não entenda que realmente existe. [5] Pois uma
coisa é um objeto existir na mente, e outra coisa é entender que um objeto
realmente existe. [6] Assim, quando um pintor planeja de antemão o que vai
executar, ele o tem em sua mente, mas ainda não pensa que realmente existe
porque ainda não o executou. [7] No entanto, quando ele realmente pintou, então
ele o tem em sua mente e entende que existe porque ele agora o fez. [8] Até
mesmo o Louco, então, é forçado a concordar que
algo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado existe na mente, uma vez que ele
entende isso quando ouve, e tudo o que é compreendido está na mente. [9] E
certamente aquilo-do-que-nada-maior-não-pode-ser-pensado não pode existir
somente na mente. [10] Pois se existe somente na mente, pode-se pensar que
existe também na realidade, o que é maior. [11] Se então
aquilo-do-que-nada-maior-não-pode-ser-pensado existe somente na mente, esse
mesmo aquilo-do-que-nada-maior-não-pode-ser-pensado é
aquilo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado. [12] Mas isso é obviamente
impossível. [13] Portanto, não há absolutamente nenhuma dúvida de que
algo-do-que-nada-maior-não-pode-ser-pensado existe tanto na mente quanto na
realidade. (Anselm 1965, tradução de M. J. Charlesworth.)
4.1. Os
termos gramaticalmente definidos de Anselmo,
"algo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado" e
"aquilo-do-que-nada-maior-não-pode-ser-pensado", podem lembrar a
prática comum em provas de dedução natural de instanciação existencial, por
meio das quais, quando se dá a ideia de que existe algo de um tipo, para fins
de cálculos lógicos, "chega-se a um particular desse tipo". Anselmo
oferece uma prova de que algo do qual nada maior pode ser pensado existe (veja
suas três primeiras frases), com o que, olhando para o futuro, ele quer dizer
"existe na realidade". Mas ele não chega a essa conclusão na última
frase do Proslogion II, que não é uma generalização existencial, mas uma
declaração sobre aquele "algo-do-que-nada-pode-ser-pensado"
específico introduzido na frase (4). Isso permite que Anselmo continue, no
Proslogion III, falando desse indivíduo. Para estudar o argumento do Proslogion
II, apresento a conclusão existencial geral de que algo maior do que o qual
nada pode ser pensado existe tanto na mente quanto na realidade.
O argumento
do Proslogion II consiste, direi, em um argumento preliminar, sentenças (4) a
(8) e o argumento principal, sentenças (8) a (13). A função do argumento
preliminar é fornecer uma premissa para o argumento principal. Agora, em linhas
gerais, o argumento preliminar: Há algo maior do que o qual nada pode ser
concebido na mente do Louco, pois ele compreende essas palavras quando ouve
Anselmo dizer o que está prestes a provar. Disto, Anselmo deduz que um
algo-maior-do-que-nada-pode-ser-pensado está na mente do Louco. E agora o
argumento principal: Mas mesmo o Louco que diz que Deus não existe pode ver que
não é possível que essa coisa exista apenas na mente, e não também na realidade.
Pois, se existisse, não existiria tanto na mente quanto na realidade, e
existiria tanto na mente quanto na realidade, o que é obviamente impossível.
Portanto, existe tanto na mente quanto na realidade e, assim, como seria
provado, algo do qual nada maior pode ser pensado existe tanto na mente quanto
na realidade.
4.2 ‘Algo’
ou, em outras palavras, ‘um’. Este argumento de Anselmo pretende estabelecer
que,
Algo do qual
nada maior pode ser pensado existe tanto na mente quanto na realidade
Ou, em outras
palavras, que,
Um ser do
qual nada maior pode ser concebido existe tanto na mente quanto na realidade.
Como se deve
entender a conclusão pretendida? Sejam ‘Gx’, ‘Mx’ e ‘Rx’ abreviações,
respectivamente, de ‘x é tal que nada maior pode ser pensado’, ‘x existe na
mente’ e ‘x existe na realidade’. Sabemos que possíveis simbolizações da
conclusão de Anselmo são
(x)[Gx ⊃ (Mx & Rx)]
e
(∃x) [Gx & (Mx & Rx)],
Com
quantificadores abrangendo coisas que existem na mente ou na realidade.46 Peter
van Inwagen observa que, embora “o latim... não tenha nenhuma palavra
correspondente a ‘um’ ou ‘uma’... há [uma] ambiguidade no latim”, há no latim
uma ambiguidade correspondente àquela “enraizada em duas funções diferentes
desempenhadas por [estes] artigo(s) indefinido(s) [em inglês]” (van Inwagen
1994, p. 80). M. J. Charlesworth parece se esforçar em sua tradução de 1965
para manter essa ambiguidade.
Conjecturo,
ignorando o latim dos dias de Descartes e Anselmo, que as indeterminações em
seus escritos que correspondem à ambiguidade do artigo indefinido eram mais
elusivas e sedutoras do que esta do inglês moderno. Também conjecturo que eles
ou não dispunham de recursos perspicazes para resolver essas indeterminações ou
dispunham de recursos muito inferiores aos da lógica moderna. O problema,
suspeito eu, não estava tanto em suas teorias lógicas, mas em sua linguagem
para definição lógica e cálculo. Eles elaboravam sua lógica de uma forma um
tanto estilizada para os propósitos do latim, e não, como podemos fazer, em
linguagens simbólicas completamente regimentadas que são, por um projeto
cuidadoso, livres de ambiguidades e anfibolias. Certamente, Anselmo pretende,
em Proslogion II, estabelecer a existencialidade de que há pelo menos uma coisa
além da qual nada maior pode ser pensado, que existe não apenas na mente, mas
na realidade. Ainda assim, a ambiguidade universal/existencial poderia exercer
persuasão ilícita. Pois uma prova da generalização universal poderia ser
confundida com uma prova de sua generalização existencial similar. E uma prova
dessa generalização universal a partir do material em Proslogion II é possível.
Essa prova – à qual Anselmo não teria objeção, embora não seja a prova que ele
pretendia – vem em seguida. Ela é seguida por uma prova – desta vez
essencialmente a prova que Anselmo pretendia – para essa própria generalização
existencial.
4.2.1 Que
qualquer coisa maior do que a qual nada pode ser pensado existe tanto na mente
quanto na realidade. A ser provado: (1) Qualquer coisa maior do que a qual nada
pode ser pensado existe tanto na mente quanto na realidade:
(x)[Gx ⊃ (Mx & Rx)]
ou
equivalentemente
∼(∃x) [Gx & ∼(Mx & Rx)].
Para fins de
uma prova indireta de (1), supomos: (2) Não é o caso de que toda coisa maior do
que a qual nada pode ser pensado exista tanto na mente quanto na realidade:
∼(x) [Gx ⊃ (Mx & Rx)]
Ou,
equivalentemente, (3) Existe uma coisa maior do que a qual nada pode ser
pensado que não existe tanto na mente quanto na realidade:
(∃x) [Gx & ∼ (Mx & Rx)]
Seja j uma
coisa tal que (3) afirma que existe pelo menos uma, isto é, seja ‘j’ abreviação
do termo descritivo indefinido
‘algo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado-que-não-existe-tanto-na-mente-quanto-na-realidade’.
(4) j é uma
coisa maior do que a qual nada pode ser pensado, e j não existe tanto na mente
quanto na realidade:
Gj &∼ (Mj & Rj).
(5) j existe
na mente:
Mj.
Argumento
subsidiário informal. Entendemos ‘j’, isto é,
‘algo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado-que-não-existe-tanto-na-mente-quanto-na-realidade’,
e o que entendemos está na mente. Não há contradição nesta descrição, pois, se
houvesse, então, ao contrário de (3), não haveria algo com esta descrição. (Cf.
nota anterior.)
(6) j é algo
do qual nada maior pode ser pensado: Gj. de (4)
(7) j não
existe tanto na mente quanto na realidade: ∼(Mj & Rj). de (4)
(8) j não
existe na realidade: ∼Rj.
de (5) e (7)
(9) j não é
algo do qual nada maior pode ser pensado, ∼Gj.
Argumento
subsidiário para (9) a partir de (5) e (8). Podemos pensar em algo j’ que é
exatamente como j, exceto que, embora j por (5) e (8) exista na mente, mas não
na realidade, j’ existe na realidade, bem como na mente. Mesmo que existisse
apenas na mente, poderia ser pensado que existe também na realidade.47 Esta
coisa j’ na qual podemos pensar é maior do que j, pois existir tanto na mente
quanto na realidade é maior do que existir apenas na mente. Portanto, (9), j
não é uma coisa do que a qual nada maior pode ser pensado. Fim do argumento
subsidiário.
4.2.2 Que
pelo menos uma coisa, além da qual nada maior pode ser pensado, existe tanto na
mente quanto na realidade. No entanto, Anselmo não legou o que meramente pode
ser confundido com uma prova da generalização existencial. Seria difamatório
sugerir que ele próprio foi "jogado" pela anfibolia de "uma
coisa, além da qual nada maior pode ser pensado, existe tanto na mente quanto
na realidade". Pois há claramente uma prova, uma prova impressionante,
mesmo que não perfeitamente sólida, no Proslogion II dessa generalização existencial,
e não há evidência de que Anselmo supôs ter provado, ao mesmo tempo, a
generalização universal.
O
"cerne" da prova, a partir do material do Proslogion II, para a
generalização universal é o argumento subsidiário informal que procede de Mj e ∼Rj para ∼Gj. Usando os termos deste argumento
informal, pode-se construir uma prova a partir da generalização existencial de
que uma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado existe em uma mente, (∃x) (Gx & Mx), para a conclusão da
generalização existencial, (∃x)
[Gx & (Mx & Rx)]. Isso é muito relevante para o texto de Anselmo, que
primeiro estabelece que uma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado
existe pelo menos em uma mente: "Até o Louco... é forçado a concordar que
algo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado existe na mente, uma vez que ele
entende isso quando ouve, e tudo o que é entendido está na mente." Isso,
que algo-do-que-nada-maior-pode-ser-pensado existe na mente, foi para Anselmo
uma premissa para sua prova da existência de tal coisa tanto na mente quanto na
realidade. Era uma premissa estabelecida por um argumento preliminar a priori
encapsulado nas palavras "visto que ele compreende isto quando ouve, e
tudo o que é compreendido está na mente". A prova em 4.3.1, que poderia
ser de alguém, mas, digamos, não foi de Anselmo, confundida com uma prova da
existência na realidade também, não usa esta premissa. Agora chegamos a uma
prova dessa existência que a usa. Ela parte desta premissa, apresentada por um
argumento preliminar, através de um argumento subsidiário indireto que, após
sua suposição, zomba do argumento subsidiário da prova anterior, para a
conclusão de que aquela coisa na mente do tolo existe também na realidade, e
além. A ser provado: (1) Pelo menos uma coisa maior do que a qual nada pode ser
pensado existe tanto na mente quanto na realidade:
(∃x) [Gx & (Mx &Rx)]
(2) Pelo
menos uma coisa maior do que a qual nada pode ser pensado existe na mente:
premissa
(∃x) (Gx & Mx)
Argumento
preliminar. Mesmo um tolo que dissesse em seu coração: Não existe Deus, poderia
entender do que se trata (1), e entender as palavras "uma coisa maior do
que a qual nada pode ser pensado", e o que ele entendeu estaria em sua
mente. Fim do argumento preliminar.
Seja j tal
coisa.
(3) j é uma
coisa maior do que a qual nada pode ser pensado, e j existe na mente:
Gj & Mj.
(4) j é uma
coisa maior do que a qual nada pode ser pensado:
Gj.
(5) j existe
na mente: de 3
Mj.
(6) j existe
na realidade:
Rj.
Argumento
subsidiário para (6) a partir de (4) e (5). Suponha, para fins de um argumento
indireto, que (7) j não existe na realidade, ∼Rj. Então, podemos pensar em algo j’
que é exatamente como j, exceto que, embora j por (5) e (7) exista na mente,
mas não na realidade, j’ existe na realidade, bem como na mente. (“[Mesmo o
que] existe somente na mente... pode ser pensado como existindo também na
realidade...” Anselm 1965, p. 117.) Essa coisa j’ na qual podemos pensar é
maior que j, pois existir tanto na mente quanto na realidade é maior do que
existir somente na mente. Portanto, j não é uma coisa do que a qual nada maior
pode ser pensado, ∼Gj.
Mas por (4) existe tal coisa, Gj. Esta contradição completa nosso argumento
subsidiário para (6) a partir de (4) e (5).49
(8) j é uma
coisa do que a qual nada maior pode ser pensado, e j existe tanto na mente
quanto na realidade:
Gj & (Mj
& Rj) a partir de (3) e (6).
(9) Pelo
menos uma coisa do que a qual nada maior pode ser pensado existe tanto na mente
quanto na realidade: Q.E.D.
(∃x) [Gx & (Mx & Rx)] a partir
de (3).
4.3. O ônus
da prova recai sobre seu argumento preliminar. A prova de Anselmo assemelha-se,
em certos aspectos, à prova modal de Charles Hartshorne, discutida no próximo
capítulo. A premissa de que pelo menos uma coisa, da qual nada maior pode ser
pensado, existe na mente, (∃x)
(Gx&Mx), assemelha-se ao Postulado Intuitivo de Hartshorne, que, adaptado à
grandeza, é que a grandeza é possível, ♦(∃x)
Gx. Essa premissa modal, argumento no próximo capítulo, é estritamente uma
petição de princípio, em um argumento que provaria que pelo menos uma coisa é
grande, (∃x) Gx,
uma vez que, dadas as estipulações assumidas a respeito da grandeza, essa
premissa é logicamente equivalente a (∃x)
Gx, que é ainda mais do que o que se supõe explicitamente que seja provado. A
premissa (∃x) (Gx &
Mx), sem argumento preliminar, seria similarmente uma petição de princípio no
argumento principal de Anselmo, que estendi para provar que existe algo do qual
nada maior pode ser pensado existe tanto na mente quanto na realidade, (∃x) [Gx & (Mx & Rx)]. Dada a
estipulação de Anselmo a respeito da grandeza, de que algo que existe tanto na
mente quanto na realidade é maior do que algo semelhante, exceto que existe
apenas na mente, é necessário que (x) [Gx ⊃
(Mx & Rx)]; veja a demonstração na seção anterior. Essa necessidade implica
que (∃x) (Gx
& Mx) é logicamente equivalente à conclusão (∃x)[Gx &(Mx & Rx)].50 Dessa
equivalência, podemos deduzir que o trabalho principal do Proslógio II é feito
no que lancei como seu argumento preliminar para (∃x) (Gx & Mx).
4.4. A
‘acusação’ contra o argumento preliminar: ‘É um non sequitur’. Os esforços de
Anselmo em Proslogion II podem ser, para alguns leitores, instigados por uma
indeterminação correspondente à ambiguidade existencial/universal de ‘um(a)’ em
‘uma coisa do que a qual nada maior pode ser pensado existe tanto na mente
quanto na realidade’. Seus esforços foram, para ele, favorecidos pela
disponibilidade do que pode parecer uma premissa inegável, que, no entanto, é
uma petição de princípio, a menos que seja bem argumentada, visto que não é
inegável. Seu oponente, Gaunilo, sustenta que não é inegável para qualquer um a
quem o argumento possa ser dirigido persuadir, isto é, qualquer um que ainda
não esteja convencido de que pelo menos uma coisa do que a qual nada maior pode
ser pensado existe tanto na mente quanto na realidade. Pois qualquer pessoa em
tal situação pode dizer que, pelo que sabe, não existe tal coisa em sua mente
no sentido necessário ao argumento. "Um ser maior do que todos os outros
que podem ser concebidos", entendo Gaunilo como dizendo, está
inegavelmente na mente de um cético quando Anselmo lhe diz essas palavras, nem
mais nem menos do que estaria "uma ilha maior do que todas as outras que
podem ser concebidas" quando algum sonhador diz essas palavras a alguém
que compreende-o inegavelmente na mente deste ouvinte. Em nenhum dos casos,
entendo Gaunilo como dizendo, pode a pessoa que ouve as palavras, mas não tem
certeza de que elas identificam algo na realidade, ter certeza de que tem em
mente um objeto, um ser insuperável ou uma ilha abençoada que deve, por sua
natureza, existir não apenas em sua mente, mas também na realidade. Ela não
pode negar que tem em mente as palavras, ou que tem em mente o que elas
significam, pois as entende. Mas pode se perguntar se tem em mente algo
descrito por elas, pois pode entender que tem algo em mente, dada a forma como
essas palavras descrevem as coisas, se e somente se tais coisas existem na
realidade.
Gaunilo não
diz que não há uma coisa maior do que a qual nada maior pode ser pensado.
Deduz-se que ele pessoalmente pensa que existe tal coisa. Ele certamente não
diz que não tem essas palavras em mente quando lê as inscrições de Anselmo, ou
que não as compreende e não tem em mente o que significam. Podemos deduzir,
além disso, que ele não encontra contradição nessas palavras. O que ele nega é
que, de sua compreensão dessas palavras, e podemos acrescentar, de não haver
contradição nelas, segue-se que ele tenha em mente algo que deve ser tudo o que
essas palavras implicam, incluindo, em particular, ser, ou existir, na
realidade. Ele nega essa inferência, a inferência essencial do argumento
preliminar de Anselmo, que colocaria algo maior do que o qual nada maior pode
ser pensado na mente.
Devemos
reconhecer, contudo, que ele nega essa inferência apenas com dificuldade, e não
de uma maneira que esclareça seus fundamentos ou ilumine completamente o
problema da inferência. O problema com o argumento preliminar de Anselmo para a
existência de um ser insuperável na mente é essencialmente o problema que
estraga um argumento preliminar muito semelhante no próximo capítulo para a
possibilidade lógica de um ser insuperável (ou "existência em algum mundo
possível"). "A explicação mais precisa" (adaptando palavras de
Hume 1902, p. 33n) por Charles Hartshorne do argumento de Anselmo em termos de
modalidades lógicas (Seção 2 do próximo capítulo) e a explicação mais precisa
desta objeção de Gaunilo expressa nestes termos (Seção 7 do próximo capítulo)
"darão evidências adicionais" a esta objeção. Compreensibilidade e
coerência conceitual não implicam possibilidade lógica (Seção 8 do próximo
capítulo). Gaunilo, antecipando Leibniz, disse efetivamente a Anselmo:
"Você não provou a possibilidade disso" (Seção 2.4 acima) e,
antecipando, além de Leibniz, Rowe queria dizer algo como: "Você não
provou a possibilidade disso, porque não é suficiente para a possibilidade de
um tipo de coisa que haja palavras compreensíveis para o tipo, ou mesmo que não
haja contradição em seu pensamento, e você não forneceu nada mais à
possibilidade de um ser insuperável do que isso". A compreensibilidade e a
concebibilidade de um tipo de coisa e a ausência de contradição em sua
descrição são particularmente insuficientes para sua possibilidade, se for um
tipo de coisa que, por suas naturezas definidas, realmente existiria! Aqui,
incidentalmente, está outra razão pela qual não pode haver mal algum em incluir
a existência na definição de um tipo de coisa. O argumento de Anselmo tinha
mais a seu favor do que o de Descartes. Essa objeção que afirmo que Gaunilo
levantou contra ela é mais profunda e importante do que a "objeção da ilha
perfeita", pela qual ele é famoso. Mais sobre o argumento e essa objeção
serão abordados no capítulo.
Notas
46. Penso
que, para Anselmo, as coisas que "existem na mente" abrangiam
absolutamente tudo e, hoje em dia, seriam consideradas coisas que existem em um
ou outro mundo possível, isto é, todas as coisas possíveis. É provável que
Anselmo sustentasse que tudo o que "existe na mente" na verdade
existe em uma mente, a saber, a de Deus. É provável que ele aderisse a um
"realismo teomodal", segundo o qual as possibilidades são reais na
mente de Deus. Mas isso é distinto da posição de que não há nada que não esteja
"na mente", o que é simplesmente uma maneira mentalista de dizer que
"os quantificadores devem abranger todas as coisas possíveis". A
provável tese adicional de Anselmo sobre o realismo teomodal pode ser comparada
ao realismo modal de David Lewis, segundo o qual toda coisa possível está na
verdade em um mundo possível que é "tão real quanto", visto que é o
mesmo tipo de coisa que este nosso mundo em que vivemos e respiramos. Meu
realismo modal, explicado no Apêndice A do próximo capítulo, é diferente disso.
A provável tese adicional de Anselmo sobre o realismo teomodal também pode ser
considerada em relação ao "argumento principal" de George Berkeley
para mostrar que nada como uma árvore pode existir "por si só,
independente e não percebido por qualquer mente" (Berkeley 1965, p. 164),
discutido em Sobel (1991b).
47. Seu
argumento não compromete Anselmo com a visão de que tudo o que existe na mente
pode ser pensado como existindo também na realidade. Ele precisa sustentar
apenas que isso é assim para algo-além-do-qual-nada-maior-pode-ser-pensado de
que ele está falando. Ele poderia, sem comprometer sua argumentação, dizer que
algo-do-que-nada-na-realidade-que-é-menor-pode-ser-pensado pode existir apenas
na mente, visto que não existe uma "coisa real menos possível". Ele
poderia dizer o mesmo de (para cunhar uma palavra) uma imagem pictórica, onde
esta é, por definição, uma imagem realizada.
48. Gellman
enfatiza que, no terceiro estágio, Anselmo argumenta que esse ser é Deus. Isso
é oferecido como evidência de que Anselmo nem sempre considerou
"Deus" e "aquilo do qual nada maior pode ser concebido"
como "semanticamente equivalentes". Gellman pensa, no entanto, que há
evidências de que Anselmo às vezes os considerou equivalentes. Gellman cita
duas passagens. Primeiro, Anselmo promete em seu prefácio uma prova da
existência de Deus. Gellman pensa que esta só pode ser a prova, no Proslogion
II, da existência de um ser do qual nada maior pode ser concebido. Em segundo
lugar, segundo Gellman, Anselmo afirma que até mesmo o Louco deve concordar que
aquilo do qual nada maior pode ser concebido existe em seu entendimento, porque
esse Louco disse que não há Deus. Essas passagens, creio eu, são consistentes
com a visão, às vezes assumida por Anselmo, de que "Deus" e
"aquilo do qual nada maior pode ser concebido" não são semanticamente
equivalentes. Primeiro, a prova prometida da existência de Deus pode ser
composta de argumentos no Proslógio II e III. Seu objetivo, expresso
metalinguísticamente, poderia ser considerado mostrar que os antigos
equivalentes referenciais do nome "Deus" não se extraviaram, no que
seriam atos iniciais de nomeação, que cadeias referenciais que remontam ao que
se supõe terem sido atos iniciais ou atos de nomeação genuína não "levam a
lugar nenhum" (Gellman 1995, p. 543n2). Segundo, Anselmo não afirma que o
Louco deve concordar que possui esse ser em seu entendimento, porque disse que
não há Deus. Anselmo afirma que “certamente, quando este mesmo Louco ouve o que
estou falando... ele entende o que ouve, e o que ele entende está em sua mente”
(Proslogion II). Anselmo está dizendo que este Louco certamente entende
‘algo-além-do-qual-nada-maior-pode-ser-pensado’.
49. Pode-se
preferir um argumento subsidiário para (6) a partir de (4) e (5) que ‘separa os
casos’ sob a disjunção, ou j existe na realidade ou j não existe na realidade.
O argumento subsidiário que apresentei está mais próximo do texto do Proslogion
II.
50. Tendo
provado que (x)[Gx ⊃
(Mx & Rx)] para Anselmo na seção anterior, havia, portanto, usando esse
resultado, um curto caminho da premissa de que (∃x)(Gx & Mx) para a conclusão (∃x)[Gx & (Mx & Rx)]. O leitor
pode desejar construir uma derivação no sistema da Seção B3 do Apêndice B do
próximo capítulo para o argumento, (x)[Gx ⊃
(Mx & Rx)] ∴
((∃x)(Gx
& Mx) ≡ (∃x)[Gx
& (Mx & Rx)]).
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