Autor: Michael Hayes
Tradução: David Ribeiro

Extraído do Livro “Revisiting Aquinas Proofs for the Existence of God” Editado por Robert Arp – Capítulo 17

1. Introdução

São Tomás de Aquino argumenta em sua “Quinta Via” que a ordem natural do cosmos serve como evidência da existência de Deus. Hoje, reconhecemos que nossa compreensão da ordem do cosmos mudou drasticamente desde o século XIII, quando Aquino estava escrevendo. Por essa razão, tornou-se comum descartar o argumento de Aquino como um argumento do “deus das lacunas” ou apenas outro “argumento do design” baseado em ciência ultrapassada. Nenhuma dessas são caracterizações precisas da “Quinta Via”, quando devidamente compreendida. Na verdade, a própria possibilidade de conhecimento científico que é frequentemente usada em tentativas de desacreditar o argumento de Aquino e outros semelhantes é precisamente o que fundamenta a “Quinta Via” de Aquino em primeiro lugar. Ao contrário da crença popular, o sucesso do método científico nos últimos séculos é evidência a favor, não contra, a existência de Deus. É argumentado neste capítulo que a ordem dentro do universo, que é o que torna o conhecimento científico possível, é causada ou não causada; se não for causada, então o universo é ininteligível e, portanto, o conhecimento não é possível; e se for causada, a causa deve ser Deus.

Há, sem dúvida, ordem no universo. Chamas sobem, corpos caem, massa e energia são conservadas — o mundo em que vivemos é governado por leis naturais, regularidades causais e ordem inteligível. Podemos fornecer um relato científico de muitos dos fenômenos que encontramos. Essas explicações que nos escapam, nós, como filósofos e cientistas naturais, sustentamos, são pelo menos conhecíveis em princípio, mesmo que estejam praticamente fora do nosso alcance coletivo. Esse fato — que o universo é ordenado e inteligível, que pode ser conhecido por meio do raciocínio filosófico e da investigação científica — é a pedra angular da Quinta Via de São Tomás de Aquino para demonstrar a existência de Deus.

Isso não é, é claro, assumir a posição de que a causa de todo evento é sobrenatural; que é Deus, e não a gravidade, o responsável pela queda de objetos. O fato de que objetos caem na Terra com tanta regularidade é facilmente explicável usando a física newtoniana. Poucas pessoas desejam afirmar que é a vontade ativa de Deus que faz os objetos caírem, em oposição a quaisquer forças naturais existentes neste mundo. Mas são justamente essas forças, essas leis físicas, essa ordem causal, das quais São Tomás de Aquino deriva sua “Prova da Governança do Mundo”. Esta Quinta Via é talvez o mais sucinto e defensável “Argumento do Design” que foi apresentado na história da filosofia ocidental. Filósofos posteriores tentaram fornecer argumentos mais detalhados do design, a analogia do relojoeiro de William Paley está entre as mais conhecidas. Apesar dessas tentativas de esclarecimento por filósofos menores (ou talvez por causa deles), interpretações errôneas e espantalhos abundam tanto no diálogo filosófico quanto no discurso popular. Este capítulo é uma tentativa de fornecer uma interpretação forte, justa e honesta da Quinta Via de São Tomás, para que possamos ver melhor o argumento do design como ele realmente é — evidência sólida da existência de Deus.

Se quiséssemos resumir o argumento de São Tomás ainda mais do que sua forma já maravilhosamente sucinta, poderíamos dizer simplesmente isto: a ordem existe no universo. O universo (e/ou suas partes constitutivas) em si não pode ser um princípio de ordenação, pois não é inteligente. Portanto, deve haver alguma outra causa da ordem do universo. É isso que chamamos de Deus. É importante notar que esta é uma questão metafísica, não científica. A ordem do universo não pode ser explicada por campos eletromagnéticos, bósons, teoria das cordas ou alguma característica fundamental e mais básica da realidade ainda não descoberta; em vez disso, é, em última análise, a ordem dessas características fundamentais da realidade que requer uma explicação. Um breve esclarecimento: ao longo deste capítulo, usarei as palavras ciência e científico no sentido moderno geral, referindo-me à nossa compreensão da ciência como um método de investigação baseado na observação empírica. Na época de São Tomás, a palavra ciência não se referiria a um método de investigação baseado em fatos contingentes.

2. Argumento de Tomás explicado

O argumento de São Tomás é comumente traduzido como a "Prova da Governança das Coisas". Parece evidente que o universo é governado de tal forma que ele — ou pelo menos aquilo que constitui o universo — trabalha para certos fins. O tipo de linguagem que São Tomás usa neste argumento é amplamente estranho aos pensadores modernos — ele fala de corpos naturais (ou seja, objetos inanimados, seres sem vida e plantas) agindo em prol de fins. É claro para quase todos que os humanos e outros seres sencientes certamente agem em prol de algum fim — agimos para realizar algum bem que desejamos. No entanto, raramente falamos de corpos naturais agindo para obter algum bem. Corpos naturais não são conscientes; como pode ser que eles se esforcem para atingir certos fins? Aqui, muitos tentam descartar a prova de São Tomás como ingênua e talvez confusa devido às teorias científicas medievais. É preciso resistir a essa tentação — o argumento de São Tomás, quando devidamente compreendido, não é refutável pela "ciência", desde que o conhecimento científico seja possível.

Antes de examinarmos a relação entre a Quinta Via e a investigação científica, precisamos primeiro examinar mais de perto essa linguagem teleológica que São Tomás usa. São Tomás afirma, talvez de forma muito prática para leitores modernos, que os corpos naturais se esforçam para certos fins, "a fim de alcançar o que é melhor". Há uma tentação, tanto entre os proponentes dos argumentos do design quanto entre seus críticos, de interpretar isso como uma inclinação antropocêntrica. Ou seja, pode-se assumir a posição de que os corpos naturais do universo, e talvez o próprio universo, funcionam de uma certa maneira para alcançar o que é melhor para os humanos. Se os humanos são as criaturas materiais mais elevadas para as quais o universo físico foi criado, esperaríamos que um designer inteligente criasse um mundo no qual seus componentes atendessem à vida humana. Os corpos naturais são atraídos uns pelos outros pela gravidade; tais corpos tendem a formar planetas e estrelas (o que, até onde sabemos, é necessário para a vida). O lodo primordial de alguma forma (só podemos especular) agiu em direção ao fim (ou seja, objetivo) da vida; em última análise, a vida humana. O mundo em que vivemos tem todos os recursos necessários para a vida, até mesmo para o florescimento humano (embora seja verdade que nós, como humanos, historicamente falhamos em distribuir esses recursos para atingir tal fim). Essa tese antropocêntrica parece intuitiva para muitas pessoas, e seria uma suposição segura que muitos teístas endossariam tal visão.

No entanto, embora a tese antropocêntrica possa certamente ser verdadeira, dificilmente é científica. Parece-me que não pode ser conhecida ou inferida a menos que já se acredite em um criador providente. Caso contrário, a visão antropocêntrica do mundo pode ser criticada pela história sobre a poça no buraco da estrada. "Veja como me encaixo perfeitamente neste buraco", a poça diz a si mesma com admiração e espanto, "eu me encaixo neste buraco tão perfeitamente, este buraco deve ter sido criado especificamente para mim!" A piada, é claro, é que o buraco não é do jeito que é por causa da poça, mas a poça é do jeito que é simplesmente por causa do formato do buraco já existente. Vemos que, sem recorrer à religião revelada, essa posição se reduz à do ingênuo amante de carne que diz: "Se os humanos não foram feitos para comer animais, por que eles são feitos de comida?"

Mas essa visão, independentemente de sua verdade ou falsidade, é irrelevante para a Quinta Via. São Tomás não está argumentando que os corpos naturais sempre agem de uma maneira que seja melhor para os humanos. Em vez disso, ele está argumentando de uma perspectiva mais cientificamente sustentável — uma que não coloca nenhum status especial nos humanos ou qualquer propósito revelado da criação. Na verdade, seu argumento depende da precisão e confiabilidade da própria ciência; como veremos, seria difícil negar a conclusão de São Tomás sem também negar que a investigação científica é um método confiável para obter conhecimento.

A primeira premissa do argumento é que há causalidade final imanente dentro dos corpos naturais. Esta não é uma premissa que São Tomás sentiu necessidade de argumentar; era amplamente aceito que a causalidade final era uma característica necessária do universo. Como muitos filósofos ao longo dos últimos séculos entenderam mal a natureza da causalidade final e por esta razão tentaram desacreditá-la, cabe a mim apresentar um argumento para a existência de finalidade dentro da natureza. O argumento para finalidade é bastante simples. Pode ser colocado no seguinte silogismo:

1. Se a causalidade final não existe, então o universo é ininteligível.

2. O universo é inteligível.

3. Portanto, a causalidade final existe.

O argumento é válido. Como ninguém que se importa em descobrir a verdade, ganhar conhecimento ou adquirir uma compreensão do universo negaria a segunda premissa (e, além disso, como aqueles que negassem a segunda premissa não teriam motivo para ler este livro), é a primeira premissa que defenderei aqui.

O argumento para a primeira premissa repousa principalmente na afirmação de que, para entender o que algo é e por que existe, devemos entender suas causas. Em outras palavras, a inteligibilidade de algo implica que ele tenha uma explicação causal. A maioria dos filósofos contemporâneos concederá esse ponto, embora afirmem que a explicação causal precisa ser dada apenas em termos de causalidade eficiente; que a causalidade final não é essencial para uma explicação adequada. Afinal, se a causa eficiente pode explicar como algo foi causado, exigir uma causa final também parece "multiplicar entidades (por exemplo, causas) além da necessidade", como diz a frase. Mas isso é um mal-entendido da natureza da finalidade. A causalidade final é simplesmente o outro lado da equação da causalidade eficiente. Na medida em que a causalidade eficiente existe, e as causas são sempre direcionadas para seus efeitos, a finalidade é evidente na natureza. Tome, por exemplo, a relação causa/efeito entre uma chama e o calor. A chama é a causa eficiente do calor; isso entendemos sem questionamentos. Isso não quer dizer que todas as causas ordenadas para certos efeitos realmente obtêm seus fins; em vez disso, todas as causas são direcionadas para certos efeitos, desde que não sejam impedidas. Por exemplo: um animal pode ter a causa final da reprodução, mas alguma outra cadeia causal pode ter tornado o animal estéril e incapaz de atingir esse fim.

Mas, alguém pode perguntar, o que faz com que a chama produza calor, em vez de frio, ou a aniquilação do universo? Alguém poderia, é claro, fornecer uma descrição física de nível micro da chama, mas isso apenas empurra a questão um passo para trás. A resposta é que os corpos naturais, na medida em que podem ser agentes causais, são inerentemente direcionados para seus fins naturais. A única maneira de se estabelecer uma relação causal entre a chama e o calor é se a chama fosse inerentemente direcionada para o calor. Até mesmo David Hume pareceu concluir isso. Como o próprio São Tomás diz em ST I.2.3, “todo agente [ou seja, causa eficiente] age para um fim: caso contrário, uma coisa não seguiria mais do que outra da ação do agente, a menos que fosse por acaso”. Obviamente, Hume levou isso em uma direção muito diferente da de São Tomás. Hume usou esse fato para argumentar que o princípio da causalidade não é demonstrável por meio de métodos empíricos — mas isso é para retroceder. O princípio da causalidade é um princípio metafísico (não uma descoberta empírica), cuja verdade é necessária para a aquisição de conhecimento empírico.

Como poderíamos dizer que um fogo em particular é a causa do calor na sala, se o fogo não é direcionado para a produção de calor? Se você disser que é devido às leis da natureza, física ou termodinâmica que o fogo aquece a sala, então você afirmou a presença de finalidade, pois são essas leis que fornecem uma descrição de como uma certa causa (fogo) é direcionada para um certo fim (calor). Alguém também poderia alegar que é meramente um fato bruto sobre o fogo que ele causa calor — mas isso é o mesmo que dizer que o fogo é inerentemente direcionado para a produção de calor, e a finalidade é mais uma vez reafirmada. Edward Feser (2009), que recentemente defendeu a Quinta Via de São Tomás diante de muitos mal-entendidos contemporâneos, explica isso na seguinte passagem:

“Para Aquino, o fato de que A regularmente produz B, como causa eficiente de B, implica que produzir B é, por sua vez, a causa final de A. Pois se não supuséssemos que A inerentemente “aponta para” ou é “direcionado para” a geração de B como seu fim natural, então não teríamos como explicar o fato de que A tipicamente gera B especificamente, em vez de C, ou D, ou E, ou mesmo em vez de nenhum efeito.” (213)

A causalidade final não é, então, algum tipo de intencionalidade estranha e misteriosa possuída por objetos inanimados; sua existência é evidente pelo fato de que há regularidades causais dentro da natureza, um fato que nenhum humano com um pingo de bom senso poderia negar. Ninguém negará o fato de que há regularidades causais dentro do mundo — isto é, o mundo tem uma certa ordem; o calor é produzido pela chama, os objetos são atraídos uns aos outros pela gravitação, o pão nutre os corpos humanos e assim por diante. Dependendo se você aborda isso de um ponto de vista metafísico ou epistemológico, a inteligibilidade do universo é implicada pelo princípio da causalidade, ou a causalidade final é implicada pela inteligibilidade do universo.

A. O Argumento do Atalho

Uma vez que a finalidade dentro da natureza é estabelecida, há duas maneiras de prosseguir. A primeira delas eu chamarei de Argumento do Atalho, pois elimina algumas das demonstrações metafísicas mais tediosas que seriam necessárias para uma explicação completa do argumento de São Tomás. No Argumento do Atalho, argumentarei a partir da premissa de que o universo, como um todo, é inteligível, com o que quero dizer que o princípio da causalidade permeia toda a criação. Tudo dentro do universo que se move da potência para o ato deve ter causa suficiente para esse movimento — e, como mostrado acima, a causa suficiente inclui a causa final. Se algo pode se mover da potência para o ato sem causa suficiente, então esse movimento — assim como o universo como um todo — é tornado ininteligível. Para ser franco, toda esperança de conhecimento filosófico ou científico repousa na premissa de que o universo é inteligível; dado isso, suspeito que poucos negariam que o mundo é inteligível. Além disso, não é simplesmente que nossa compreensão do universo como um todo esteja em perigo se negarmos o princípio da causalidade — em vez disso, nossa compreensão de qualquer coisa está em perigo se o princípio da causalidade for negado. Isto porque não teríamos então como discernir (porque se tornaria então uma questão empírica) se uma substância ou evento em particular teve ou não uma causa. Portanto, é claro que devemos admitir que o universo é inteligível; afinal, a palavra “cosmos” denota um universo ordenado.

Se alguém aceita que há uma ordem no universo que é discernível ao intelecto humano (ou seja, inteligível), então o Argumento do Atalho pode ser suficiente como uma explicação da Quarta Via de São Tomás. Considere as três proposições a seguir:

1. A ordem do universo é um fato bruto (ou seja, não tem causa/explicação).

2. A ordem do universo é um acidente cosmológico.

3. A ordem do universo é o produto de alguma inteligência ordenadora.

O Argumento do Atalho sustenta que, se alguém está comprometido com a tese de que o universo é inteligível — que podemos obter conhecimento científico do mundo natural, que os humanos podem obter uma compreensão do mundo ao seu redor, que a filosofia e a ciência rastreiam verdades importantes — então a primeira dessas duas proposições deve ser negada. A primeira possibilidade deve ser negada porque, se a ordem do universo é em si mesma não causada e, portanto, não tem explicação, o universo é ininteligível. A razão é simples: se há algo no mundo natural (por exemplo, suas regularidades causais) que viola o princípio da causalidade, e o princípio da causalidade é a característica essencial de um universo inteligível, então o universo é de fato ininteligível. Além disso, uma vez que o que viola o princípio da causalidade é a própria base para nossa crença inicial no princípio da causalidade, não temos razão para endossar o princípio da causalidade em primeiro lugar e, portanto, toda possibilidade de compreensão é frustrada. Certamente a primeira proposição deve ser negada.

A segunda proposição não é melhor. A ordem que é acidental não é ordem de forma alguma, mas é de fato aleatória, embora percebida como ordenada por nós. Pode ser "como se" o universo fosse ordenado, mas essa ordem percebida é uma ilusão, uma vez que tudo o que parece ordenado para nós é o produto da desordem. Um universo sem ordem — por mais ordenado que pareça — também é ininteligível. Isso ocorre porque não há explicação para o porquê de o universo ser “ordenado” do jeito que é — e se houver uma explicação (digamos, leis mais fundamentais da física, cadeias causais que simplesmente “funcionaram dessa maneira”, etc.), então é precisamente essa ordem que requer uma explicação para a inteligibilidade do universo, e voltamos à estaca zero. Desde que se pretenda endossar a premissa de que o universo é inteligível, a terceira proposição é a única opção. Claro, alguém pode objetar e argumentar que a ordem do universo pode ter sido provocada por outra coisa — talvez as leis da natureza de um universo anterior, ou outra coisa que deixei de enumerar nas proposições acima. Mas isso apenas empurra a questão um passo para trás; pois aquilo que provocou a ordem do universo ou está sujeito à ordem causal ou não está, e retornamos ao trilema acima. Portanto, pode-se concluir que a ordem do universo é o produto de alguma inteligência ordenadora. Não vou prosseguir com a questão de “como sabemos que há apenas uma inteligência ordenadora aqui, em vez de muitas, ou como sabemos seu caráter?” porque acredito que, dada nossa conclusão, os outros argumentos de São Tomás podem nos levar a uma única inteligência.

B. O Argumento Expandido

No Argumento do Atalho, tomei como premissa inicial que o universo é inteligível. Poucas pessoas negariam essa premissa. No entanto, há outra maneira de chegar à mesma conclusão. Para evitar objeções que possam alegar que o argumento acima se baseia em uma Falácia Parte/Todo, apresentarei o que chamarei de Argumento Expandido. Muito parecido com a Segunda Via de São Tomás, que não requer que o universo como um todo tenha um começo temporal para atingir a primeira causa, a Quinta Via não requer que o universo como um todo seja inteligível para atingir um intelecto divino. Devo acrescentar, no entanto, que o Argumento do Atalho não depende de forma alguma do Argumento Expandido. Os leitores podem achar o Argumento do Atalho mais intuitivo do que o Argumento Expandido, pois este último requer uma compreensão mais profunda da metafísica aristotélico-tomística do que muitos filósofos contemporâneos possuem. Se o Argumento do Atalho for suficientemente convincente, não é necessário prosseguir com o seguinte argumento. Acrescentarei que o Argumento do Atalho não comete uma falácia Parte/Todo. Eu só seria culpado da falácia Parte/Todo se tivesse usado as premissas do Argumento Expandido (ou seja, que certos objetos individuais têm certos fins) e concluído a partir disso que o universo como um todo tem certos fins. Outra falha seria se eu tivesse começado com a premissa de que a atualização de certas potências individuais era inteligível e concluído que o universo como um todo é inteligível. Eu não faço nenhuma das duas coisas.

Vamos pegar um único exemplo de causalidade final; um dos exemplos mais comuns usados ​​ao ensinar a teoria causal de Aristóteles é o exemplo da bolota e do carvalho (ver Feser 2013). Foi estabelecido acima que a finalidade é imanente dentro dos corpos naturais. Se a bolota não tivesse o carvalho como sua causa final, não haveria causa suficiente para que ela se tornasse um carvalho. Isso levanta a questão — se a bolota se torna um carvalho porque a causa final da bolota é o carvalho, como o carvalho, como causa final, é causalmente eficaz? Afinal, antes que a bolota realmente se torne um carvalho, o carvalho ainda não existe. Isso seria realmente um quebra-cabeça, se nós mesmos não experimentássemos a eficácia causal das causas finais diariamente. Essa questão, infelizmente, cria muitos céticos da causalidade final. Como mostramos, no entanto, a causalidade final é necessária para a inteligibilidade do universo, bem como para qualquer evento causal específico. Para usar um exemplo de Edward Feser (2013):

"Um construtor constrói uma casa, e ele é capaz de fazê-lo porque o efeito, a casa, "existe" como uma ideia em seu intelecto antes de existir na realidade. Ou melhor, a forma da casa existe no intelecto do construtor, e essa mesma forma passa a existir na matéria que compõe a casa... Dessa forma, a casa pode servir como a causa final das ações do construtor, mesmo que essas ações sejam a causa eficiente da casa... A forma já existe em seu intelecto e, por essa razão, pode ser eficaz.” (734)

Pode parecer um salto para muitos leitores aplicar esse mesmo exemplo à bolota e ao carvalho, mas para que a causalidade final seja eficaz, a causa final deve existir de alguma forma — afinal, ex nihilo nihil fit. Do nada nada vem. Como ainda não existe na realidade, o carvalho deve existir formalmente. A menos que alguém seja um platônico, a forma do carvalho deve existir em um intelecto — esta é a única maneira pela qual formas substanciais podem existir quando não instanciadas na matéria. Portanto, o princípio ordenador que guia os corpos naturais para seus respectivos fins é alguma inteligência.

Não prosseguirei, no entanto, com a tarefa adicional de estabelecer o fato de que é uma inteligência única, ou uma inteligência com propriedades divinas, ou uma inteligência que é puro ato — embora tais conclusões possam ser alcançadas com outros argumentos tomistas. A conclusão de que os corpos naturais são direcionados para suas causas finais por um intelecto não humano é suficiente para meus propósitos; para a maioria dos leitores, presumo que o Deus sobre o qual São Tomás escreve — o Deus de Aristóteles e/ou das religiões monoteístas — é a “opção viva” mais óbvia, para usar a frase de William James.

3. Antecipando Objeções: Deuses e Lacunas

Frequentemente, há uma objeção feita sempre que alguém argumenta que Deus é a causa ou explicação de algum aspecto da realidade — neste capítulo, argumentei que Deus é a causa da ordem no universo. Antes de abordar a objeção em si, primeiro um pouco de contexto — normalmente, usar Deus como uma explicação científica é um pecado filosófico. Não devemos adotar uma teoria que recorra à existência de um "deus das lacunas". Em sua forma mais crua, um deus das lacunas é um deus da mitologia, cuja existência conveniente explica vários fenômenos que a ciência atual não consegue. Não sabemos o que causa raios e trovões; deve ser a ira de Zeus ou Thor. Não temos uma explicação para as estações; deve ser a presença de Perséfone no Hades. Como humanos, somos conhecedores finitos — é simplesmente impossível saber tudo. Portanto, provavelmente sempre haverá lacunas em nosso conhecimento; é quase certo que há fenômenos dos quais simplesmente não podemos dar um relato científico completo. Quando perguntamos: "Por que A acontece?" ou "O que causou B?", podemos não ser capazes de descobrir a resposta — mas isso não justifica conectar Deus para a solução e dizer "porque Deus fez assim". O fato de não sabermos algo não é evidência da existência de Deus. Não podemos simplesmente usar Deus para preencher lacunas em nossa compreensão científica.

Além de ser um non-sequitur mortal, uma invocação do Deus das lacunas é problemática de outra forma. Ou seja, conforme o tempo avança, as lacunas ficam menores. A ciência preenche as lacunas que temos em nossa compreensão. A gravidade, não Poseidon, causa as marés. Campos elétricos causam raios, não Thor. Se colocarmos nosso Deus em uma lacuna, ele corre o risco de ser espremido para fora — ou, pelo menos, sua importância diminuirá na mesma proporção que a quantidade de nossa ignorância científica. A questão é que não podemos tratar Deus como uma explicação científica em competição com outras hipóteses. Fazer isso é perder o ponto do argumento de São Tomás do design.

A Quinta Via de São Tomás não é um argumento do deus das lacunas — pelo menos, não da maneira filosoficamente perigosa que venho descrevendo. Parece-me, no entanto, que há algumas lacunas que não podem ser preenchidas cientificamente em princípio. Em vez disso, há algumas lacunas tão grandes que somente Deus poderia preenchê-las. Mas para evitar que eu seja mal interpretado: em um certo ponto, precisamos de uma explicação metafísica, não científica. Quando estamos investigando a possibilidade da explicação científica em si, como estamos quando buscamos descobrir a causa da ordem dentro do mundo natural, uma explicação científica não pode ser suficiente em princípio. Podemos responder à pergunta: "Por que os objetos caem?" em termos da teoria da gravitação, mas não podemos responder à pergunta: "Por que a gravidade existe?" Qualquer tentativa de fornecer uma resposta por meio do método científico só pode resultar em um relato mais detalhado da gravidade em si; ela nunca pode atingir os princípios nos quais a possibilidade da ciência se baseia. Talvez a gravidade possa ser reduzida a interações entre certos campos e partículas subatômicas, ou talvez haja alguma outra explicação científica — mas isso não responde à nossa pergunta "por quê", apenas responde ao "como" ou talvez ao "o quê". Quando observamos que o que sobe frequentemente desce, estamos de fato olhando para um fenômeno que não poderia ser totalmente explicado por todos os fatos físicos do universo. Permanece uma lacuna teleológica em nossa compreensão que a ciência simplesmente não pode abordar. Neste caso, devemos buscar uma explicação metafísica, pois uma explicação científica (empírica) não é aplicável.

4. A Possibilidade da Ciência

Então, em vez de usar Deus como uma explicação científica em um argumento do deus das lacunas, deveríamos, se quisermos entender o argumento de São Tomás corretamente, levar a ciência muito a sério. Embora o método científico moderno ainda não estivesse desenvolvido na época de São Tomás, ele tinha a maior fé na capacidade humana de descobrir a verdade sobre o universo em que vivemos por meio da investigação racional. Mas esta é a principal objeção aos argumentos do design — que eles não levam a ciência a sério o suficiente. Pode ser verdade que alguns desses argumentos sejam culpados de desonestidade intelectual ou ingenuidade científica pré-moderna, mas parece impossível ler São Tomás dessa forma. Em vez disso, parece bastante claro, se alguém estiver familiarizado com o trabalho e o estilo de São Tomás, que ele espera que a melhor ciência que temos afirme suas posições filosóficas. Acredito que seja esse o caso.

No entanto, podemos realmente dizer que nossa melhor ciência pode ser usada como evidência para um designer final do universo? Em seu livro extremamente popular de 1986, The Blind Watchmaker (O Relojoeiro Cego), Richard Dawkins argumenta que não pode. O livro é em grande parte uma resposta a um argumento do design feito por William Paley, frequentemente chamado de Analogia do Relojoeiro. Enquanto o argumento do design de São Tomás é incrivelmente sucinto, o argumento do design de Paley é cheio de analogias coloridas e retórica para articular seu ponto da forma mais convincente possível. Como São Tomás, Paley argumenta que a grande quantidade de ordem encontrada no universo é evidência da existência de Deus. O mundo biológico (que é a principal preocupação de Paley) funciona lindamente, assim como uma máquina complexa, como um relógio. Seria tolice, argumenta Paley, supor que algo tão complexo quanto um relógio surgiria sem um relojoeiro. Não deveríamos, portanto, chegar à mesma conclusão sobre o universo e um criador do universo?

Dawkins reconhece que esta é uma posição tentadora para se tomar em uma visão de mundo pré-darwiniana, mas não pode ser sustentada por um indivíduo intelectualmente honesto, dada nossa compreensão científica moderna do mundo biológico. Sua objeção é simplesmente esta — o relato darwiniano da evolução (e modificações subsequentes de sua teoria) explica adequadamente a ordem do mundo biológico. Consequentemente, não há mais lacuna para os crentes enfiarem seu Deus, nem há razão para invocar Deus ao contabilizar tal diversidade biológica, à la Navalha de Occam. A Navalha de Occam é um princípio filosófico frequentemente atribuído a William de Occam, um filósofo do século XIV, embora aplicações desse princípio possam ser encontradas nas obras de filósofos anteriores (incluindo São Tomás). A ideia principal é que uma teoria não deve endossar explicações supérfluas. Se a seleção natural realmente explica todos os fenômenos dentro do mundo biológico, então “seleção natural mais Deus” é uma teoria inferior, pois a inclusão de Deus é supérflua. (Deve-se ter cuidado ao aplicar mal o princípio, no entanto. A maioria dos teístas acredita que a seleção natural é explicação suficiente da diversidade biológica de uma perspectiva científica e, portanto, não viola a Navalha de Occam.)

Por alguma razão, essa objeção é frequentemente aplicada a Quarta Via de São Tomás, embora Dawkins (sabiamente) não o faça em seu livro. Embora possa de fato ser uma crítica adequada ao argumento de Paley, São Tomás certamente não é culpado de violar o princípio de Occam. Uma razão para isso é óbvia — diferentemente de Paley, São Tomás não está falando sobre diversidade biológica, mas sobre corpos naturais. São Tomás afirma que há ordem natural em coisas não vivas — tal ordem não pode ser explicada pela evolução. As marés entram e saem, as chamas sobem e os corpos caem. Deveria ser claramente óbvio que as coisas se comportam de certas maneiras; além do mais, elas se comportam de maneiras previsíveis (se nossa ciência estiver à altura). Isso, na verdade, é precisamente o fundamento para a ciência em primeiro lugar — se os corpos naturais não se comportassem em padrões inteligíveis, não deveríamos esperar descobrir nada significativo sobre a realidade por meio da observação empírica. Na verdade, São Tomás levanta essa objeção como uma possível objeção à sua própria visão. A resposta de São Tomás é que não se pode argumentar coerentemente que a causa da ordem na natureza é a própria natureza, pois isso não daria uma explicação (ver ST I.2.3, ad 2).

Esta é uma das razões pelas quais objeções como as de Dawkins não podem ser levantadas contra a Quinta Via de São Tomás. A possibilidade da ciência — como o estudo da evolução — pressupõe necessariamente a ordem inteligível do universo. Negar tal ordem é negar a possibilidade do conhecimento científico. Portanto, não podemos dizer que os argumentos do design são resultado da ignorância ingênua de certas verdades científicas. O sucesso da ciência é talvez um dos fatos mais impressionantes que apoiam o argumento de São Tomás. Einstein resumiu esse princípio afirmando simplesmente que "a coisa mais incompreensível sobre o mundo é que ele é compreensível" (Vallentin 1954, 24). A curiosidade máxima do universo é que nossa curiosidade pode ser satisfeita. Embora certamente possa haver lacunas para sempre em nossa compreensão do universo, não há lacunas dentro do próprio universo. Como seres curiosos que somos, devemos nos perguntar por que isso acontece. O que temos é ordem no universo. Qual é sua causa? Negar que haja uma é jogar fora a possibilidade de entendimento científico, pois o entendimento depende do princípio da causalidade ser verdadeiro. As coisas podem vir a existir sem uma causa? Se sim, então um entendimento científico completo do universo ou de qualquer coisa nele parece impossível.

Dos vastos mundos que poderíamos imaginar, estamos em um onde o comportamento dos objetos é regular e compreensível. Qual é a razão para isso? Não podemos olhar para a ciência para obtermos a resposta, uma vez que estamos questionando a causa da possibilidade da ciência em primeiro lugar. A suposição implícita para a visão de mundo tomista e científica é que os efeitos têm causas, muitas das quais são discerníveis pelos humanos. Ou seja, a ordem existe no universo. A causa disso não pode ser nada dentro do próprio universo ordenado; essa causa da ordem do universo é algo que “chamamos de Deus”.

5. Observações finais

Para concluir: Primeiro, a afirmação de São Tomás de que o universo é ordenado não precisa ser interpretada com uma inclinação antropocêntrica. No entanto, talvez devêssemos olhar além do fato de que o universo é inteligível para o fato ainda mais interessante de que o universo é inteligível para os humanos (certamente algo para se refletir). Além disso, também devemos ter em mente que o argumento de São Tomás não é um mero argumento do deus das lacunas. Em vez disso, Deus parece ser a única explicação para a ausência de lacunas no universo (embora seja nossa inteligência finita que explique as lacunas em nosso conhecimento). E, finalmente, devemos lembrar que São Tomás pretende que seu argumento (como faz com todos os seus argumentos) seja totalmente compatível com a melhor ciência disponível, seja ela qual for. Seu argumento gira em torno da governança da natureza — o fato de que existem certas leis da natureza, certas verdades filosóficas e científicas tornadas possíveis pela ordem do universo. Na medida em que podemos chegar a uma explicação causal verdadeira de qualquer coisa, segue-se do argumento de São Tomás que Deus existe.

Em uma nota final, devo dizer isto: não sou tão ingênuo a ponto de pensar que todos os bons argumentos são convincentes, nem todos os argumentos convincentes são bons. Relativamente poucas almas foram conquistadas e perdidas por meio da razão e do argumento, pelo que isso vale. Em todo caso, a questão da teleologia e do design é bastante curiosa. A única causa possível da ordem no universo — a possibilidade da ciência — é algo fora do próprio universo. Mas, como São Tomás frequentemente nos lembra, perseguir essa trilha de causas inevitavelmente leva a uma primeira causa de algum tipo — neste caso, a ordem no universo não pode ser explicada por algum fato ou princípio científico, já que é isso que precisamos explicar em primeiro lugar. Talvez seja por isso que a teleologia não é mais levada a sério — porque todos nós sabemos como ela termina. Para alguns, a única maneira de evitar a conclusão de que Deus existe é negar a ordem do universo. Mas se alguém fizesse isso e, assim, rejeitasse a possibilidade de chegar a qualquer verdade científica ou filosófica — qual, eu posso perguntar, é o objetivo de ler este capítulo?

 

Continuação com a resposta de Kevin S. Decker ao Hayes aqui 

 

Referências bibliográficas

Aquinas, Thomas. (1265-1274) 1948. Summa Theologica [Summation of Theology]. Translated and edited by Fathers of the English Dominican Province. New York: Benziger Brothers Publishing Co.

Dawkins, Richard. 1986. The Blind Watchmaker: Why the Evidence of Evolution Reveals a Universe Without Design. New York: W. W. Norton & Co.

Feser, Edward. 2009. Aquinas. Oxford: Oneworld.

———. 2013. “Between Aristotle and William Paley: Aquinas’s Fifth Way,” Nova et Vetera 11(3): 707–49.

Vallentin, Antonina. 1954. Einstein: A Biography. London: Weidenfeld and Nicolson.


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