Autor: Ernesto von Rückert
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Considero que a existência de Deus não seja um problema de fé, pois, de fato, a fé não pode ser critério de verdade para qualquer proposição, uma vez que crer não garante a verdade objetiva de nada, mesmo que a pessoa, subjetivamente, esteja convicta disto. No caso de Deus, especialmente, há crentes fiéis e sinceros em diferentes versões de divindades. Certamente que não podem estar todos certos porque creem, pois, creem em conceitos distintos e a verdade, por definição, é única. Como saber quem a detém? O critério precisa ser extrínseco à fé.
É preciso entender que a verdade é a adequação entre a realidade e o que se diz a respeito dela. Existem dois critérios para estabelecê-la. O primeiro é o da evidência sensorial, mesmo que apoiada por instrumentos. No caso de não haver tais evidências (como se dá com Deus) pode-se apelar para uma comprovação por raciocínio. Até o momento todas as pretendidas provas da existência de Deus se revelaram falhas. Assim, não há prova cabal e inconteste de que Deus exista. Nem o há de que não exista. Como essa existência não é evidente e a fé não a garante, a posição apriorística a tomar é supor que não exista, até que se tenha uma prova de que exista. Ou seja, não se requer prova de inexistência de Deus e sim da existência. A inexistência é a suposição preliminar.
Pessoalmente, fui criado como católico e, na juventude, assumi minha religião integralmente, imbuindo-se do propósito de me tornar santo. Nesse sentido aprofundei meus estudos teológicos (sem, contudo, pretender seguir o sacerdócio), ao mesmo tempo que, por índole pessoal, também me dediquei profundamente aos estudos científicos. E nisso eu tenho grande capacidade de mergulhar completamente e de extrair o máximo de conhecimento. Tais estudos me levaram a concluir pelo completo despropósito da fé e pela absoluta improcedência da noção da existência de Deus, bem como de qualquer tipo de espírito, como a alma humana. A respeito da existência de Deus, há um espectro de posições que podem ser sumarizadas em cinco:
- O crente convicto, que está certo de que Deus existe;
- O que não tem certeza, mas acha que existe;
- O que não sabe dizer se existe ou não (agnóstico);
- O que acha que não existe, mas não garante (ateu cético);
- O que está certo de que não existe (ateu dogmático).
Também preciso esclarecer que o Deus a que me refiro pode abranger conceitos variados, tendo em comum o fato de ser uma entidade com poder para agir sobre o Universo à revelia de suas leis naturais (um mágico, na acepção verdadeira), não precisando ser justo nem bom, nem único. Mas, além de onipotente, deve ser onisciente, autossuficiente (incausado) e eterno. Sem esses predicados não seria denominado “Deus”. Não precisa também ser uma “pessoa” (ou três). Dito isso, declaro-me partidário da quarta opção (ateísmo cético). Isso significa que não posso provar que Deus não exista e nem que exista, mas considero que os indícios de sua não existência são mais fortes que os porventura favoráveis a ela.
O ateísmo cético não se configura, de forma alguma, em uma religião, e sim, na ausência de qualquer religião, conforme o que normalmente se entende por religião, isto é, um complexo envolvendo uma crença, um corpo doutrinário, uma assembleia de seguidores, uma organização administrativa e hierárquica, um conjunto de edificações para sediar suas atividades, um ritual de procedimentos laudatórios e propiciatórios e mais outros aspectos de menor importância. Nem o ateísmo dogmático e, certamente, o agnosticismo, são religiões, mesmo que se constate alguma atividade de proselitismo por parte de seus seguidores.
Concordo em que não se pode zombar da sinceridade da fé de quem a possua e nem afirmar que tal fato seja sinal de ignorância ou burrice. Jamais me posicionei dessa forma. No máximo posso dizer que seja por falta de esclarecimento, o que procuro levar, como o faço agora, na tentativa de convencer da impropriedade da fé e da insustentabilidade das propaladas provas da existência de Deus.
Antes de cogitar da implausibilidade de sua existência, vejamos estas:
O argumento ontológico de Anselmo de Cantuária garante existir Deus por ser este um conceito necessário, uma vez que seria o de um ser perfeitíssimo, cuja inexistência seria uma imperfeição. Primeiro que perfeição não é uma característica essencial do conceito de Deus, segundo que a existência não é atributo de ser nenhum, mas sim um estado de ocorrência, pelo qual o ente conceituado se dá, de fato, na realidade. Logo, o argumento é falacioso.
O argumento cosmológico do motor primo afirma que, como todo evento tem uma causa e o encadeamento de causas no Universo não pode ser infinito, por ser este contingente, há que haver uma causa primeira, extrínseca ao Universo, identificada com Deus.
A premissa maior, de que todo evento tenha uma causa, é falsa (ou pelo menos não garantida), uma vez que provém de um raciocínio indutivo, com base na constatação desse fato em eventos que se dão na escala de dimensões e tempos acessíveis diretamente à observação humana. Ora, toda conclusão induzida não é garantida e pode ser derrubada por um único contraexemplo. Existem miríades de eventos que não são efeitos de causa alguma no domínio microscópico, como o decaimento radioativo e a emissão de fótons por átomos excitados (a excitação é condição e não causa). Logo, não sendo verdadeira a premissa maior, não é verdadeira a conclusão. A premissa menor também não é verdadeira, pois o fato de ser contingente (poder não existir), não impede o Universo de ser eterno para o passado, contrariando o argumento Kalam, que diz que isso seria impossível, pois não teria havido tempo para se vir do início da eternidade até hoje, e hoje está aqui. Ora, um tempo infinito para o passado não significa um início infinitamente afastado e sim a ausência de um início.
Pode ser que exista um ser acima das leis naturais que não consigamos detectar. Então, como saber que existe e porque tal entidade seria identificado com o Deus que as religiões concebem? O importante, contudo, é que não é necessário supor a existência ou não de tal tipo de entidade para explicar nada. Tudo pode ser entendido sem a interveniência de nada extrínseco à natureza. E se não se consegue verificar a existência de uma coisa desse tipo, por que supor que exista?
É impossível que Deus seja energia pura, pois nada pode ser energia pura, já que energia é um atributo de alguma coisa. Ela não é algo substancial, que exista sozinha. Ela só existe em alguma coisa. Então Deus, mesmo que possua energia, teria que ser feito de alguma substância que contivesse essa energia.
Voltemos ao conceito de nada. Inexistência de tudo: matéria, campos, radiação, espaço, tempo, espíritos, leis, possibilidades e proibições. Portanto, não é possível que algo seja formado a partir de nada, nem por ordem de Deus (que, aliás, também não poderia existir, senão haveria alguma coisa). Então, o Universo tem que ter sempre existido. As observações, contudo, indicam que ele teve um começo. Ou então nunca houve “o nada”, mas Deus, e ele criou o Universo tirando seu conteúdo de si mesmo. Logo o Universo é feito de Deus, sendo parte dele. Ou então tudo surgiu sem ter procedência, não veio de coisa alguma, nem do nada. Como decidir?
Note que “O Nada”, não é algo. Antes de existir o Universo (se ele não existe desde sempre), não existia “O Nada”. Simplesmente não existia nada. “O Nada” seria algo, um tipo de entidade sem conteúdo. Mas não existir nada significa não haver entidade nenhuma. Não apenas nenhum conteúdo substancial, como também nem espaço vazio que poderia conter algo, mas não continha, nem passagem de tempo. A concepção cosmológica do surgimento do Universo é, justamente, de que seu conteúdo e o espaço para o conter surgiram sem ter de que provir. Isto é, surgiram de nada, e não “dO Nada”. O que surgiu foi um campo indiferenciado preenchendo um espaço, que, pelo que se sabe, já surgiu infinito e em expansão. Essa expansão não é um movimento do conteúdo pelo espaço, com suas partes se afastando umas das outras. É um inchamento do próprio espaço, sem que nada saia do lugar. Isso acarretou uma alteração no estado do Universo que implicou no surgimento de uma sucessão de momentos, caracterizados pelos diferentes estados do Universo, que constitui, exatamente, o tempo. Com essa expansão o campo foi se condensando aqui e acolá, bem como diferenciando-se, dando azo ao surgimento das partículas elementares constituintes da matéria e das partículas elementares portadoras das interações entre as primeiras. Isso foi o que ficou conhecido como o “Big Bang”.
O agnosticismo não é uma atitude de dúvida sobre a existência de Deus e de uma razão e um propósito para o Universo e sim uma consideração da impossibilidade de comprovação quer da existência quer da inexistência de tais fatos. Então o agnóstico não se preocupa com o assunto: não crê, não descrê nem duvida. Quem duvida dessas coisas é o ateu cético, como eu. O ateu dogmático está certo de que não há Deus, nem razão, nem propósito. O crente está certo do oposto, ainda havendo o que acha que existe, sem ter certeza.
É certo, porém, que, pelo que vejo, a posição ateísta não decorre de nenhuma desilusão ou infelicidade, mas de estudos e reflexões. E, também, não é arrogante nem depreciadora das opiniões divergentes. Mas, certamente, ateísmo não é garantia de virtude, honestidade, sabedoria e bondade, do mesmo modo que não o é de devassidão, venalidade, improbidade, malvadeza ou qualquer demérito.
Da mesma forma a fé religiosa não significa ignorância nem desonestidade, mas também não garante santidade e nenhuma virtude.
Pelo que me consta, os casos ditos de manifestação demoníaca são problemas psicóticos, que, em última análise, são neurológicos. Ainda não tenho conhecimento de experimentos controlados em que se possa fazer uma verificação objetiva de presença de algum espírito demoníaco no fenômeno em questão. Da mesma forma as curas ditas milagrosas, ao que me consta, são naturais, uma vez que a influência de boas disposições mentais no comportamento somático do sistema imunológico é fortíssima. Ainda não tive conhecimento de curas que não pudessem ser explicadas fisiologicamente, como, por exemplo, a reversão de alguma fratura. Parto do paradigma de que só posso atribuir uma causa sobrenatural a um fenômeno se todas as possibilidades de explicações naturais forem descartadas. De fato, sou mais cético do que São Tomé, pois, mesmo vendo, para crer eu preciso descartar qualquer possibilidade de alguma ilusão. Acho que esta deve ser a postura, inclusive do crente, para que sua fé seja alicerçada em bases extremamente sólidas. O ceticismo é um método de abordagem da realidade valiosíssimo para a aferição da verdade.
Não sou um ateu dogmático, e sim cético. Nem disse que o que não possa ser comprovado cientificamente não possa existir. O que eu disse é que aquilo cuja existência não seja evidente, requer comprovação (não necessariamente científica) para que se possa admiti-la. Tal é o caso de Deus. Certamente que os crentes consideram a existência de Deus como um ato de fé, como está consignado no “Símbolo dos Apóstolos” (Credo). Quanto ao Universo, o fato de não se ter uma explicação para o seu surgimento não implica que ele não exista, pois, sua existência é uma evidência sensorial. Há que se distinguir fé de crença. Crença é a aceitação de proposições não evidentes nem comprovadas como verdadeiras face aos indícios de que o sejam. Fé é essa aceitação, sem indícios.
Sobre a existência do Universo, pode-se conceber que ele sempre existiu ou que surgiu em um momento. Ambas as possibilidades são científica e filosoficamente aceitáveis. Os dados observacionais é que poderão levar a decidir por qual delas. Pelo que se conhece o conteúdo do Universo apresenta uma expansão com velocidade tanto maior quanto mais afastado se encontra o objeto, expansão essa, inclusive, acelerada. Donde se conclui que, no passado, todo esse conteúdo esteve altamente concentrado. Os cálculos mostram que o momento em que tal expansão começou situa-se a 13,8 bilhões de anos atrás. O problema que se põe é se o conteúdo primevo que começou a expandir-se surgiu então ou já havia. Não se tem ainda como saber. O fato é que, naquele momento, iniciou-se o tempo, pois este decorre do fato de haver alteração no estado do Universo, o que não se dava antes do início da expansão. O nome “Big Bang”, dado a esse início não é apropriado, pois não se tratou de uma explosão, mas sim de um súbito inchamento do próprio espaço, que sempre abrange todo o Universo, isto é, não há espaço vazio “fora” do Universo.
Outra questão é se tal expansão teve uma causa ou foi fortuita. Não há razão necessária para que tenha tido causa (como, aliás, qualquer evento), mas pode ter tido. Caso tenha tido, ela teria que ser oriunda de algo extrínseco ao Universo (Deus?). Tal possibilidade, contudo, tem sérias dificuldades, como o modo com que se teria dado a relação causal de algo não físico sobre algo físico. Tal mecanismo (inclusive responsável por algum milagre) ainda não é conhecido, o que não significa que não possa vir a sê-lo. O importante é que a possibilidade de que o surgimento daquele conteúdo tenha se dado sem que fosse proveniente de nada pré-existente (como aliás o seria se tivesse sido dado por um ato criativo de Deus), e de forma espontânea (incausada), não pode ser descartada. Isto é, não existe um princípio de causalidade necessária para todo evento, que pode não ser efeito de nada.
O surgimento da vida em toda a sua diversidade pode ser explicado pela Evolucionismo ou pelo Criacionismo. Este possui uma versão forte que considera que tudo se deu literalmente como consignado na Bíblia, por uma ação direta do Criador. A versão criacionista fraca considera que a vida evoluiu como diz o evolucionismo, mas de uma forma planejada e dirigida pelo Criador. Eu considero que tudo se deu por meio da evolução, tal como é modernamente entendida (e não exatamente como o propôs Charles Darwin), sem planejamento e interveniência de nenhum Criador, isto é, espontaneamente pela própria natureza. Isso é perfeitamente plausível, dentro da competência do acaso de engendrar qualquer coisa. Nos cálculos probabilísticos que são muitas vezes feitos para mostrar a impossibilidade de o acaso ser o responsável pela evolução, erra-se ao considerar a probabilidade da formação das estruturas complexas do organismo biológico a partir dos átomos isolados. Não é assim que se calcula. Primeiro se calcula a probabilidade de átomos formarem aminoácidos e bases do RNA e DNA, depois deles formarem proteínas e proto RNA e DNA. A cada passo, o elemento do espaço amostral é o resultado do passo anterior. Esse cálculo aumenta enormemente a probabilidade, que, mesmo assim, ainda é menor que a de ganhar na loteria. Mas, do mesmo modo que alguém ganha na loteria, contra a remota probabilidade, se estamos aqui, é porque, mesmo improvavelmente, a sucessão de eventos que trouxe a nós ocorreu.
A aceitação dos fatos históricos (inclusive a existência de Jesus) não se dá por crença. Mesmo não os tendo presenciado, pode-se aceitá-los como verdades (provisoriamente, até que sejam contestados) em virtude dos testemunhos documentais. O mesmo não se dá, por exemplo, com a divindade de Jesus, que precisa ser aceita como um ato de fé. A Bíblia, em parte, é um documento histórico, e isto pode ser visto (como, de resto todos os demais documentos históricos), por cotejo entre diferentes documentos, de variadas procedências. Mas a Bíblia também é uma obra literária, como nos Salmos e no Cântico dos Cânticos e, principalmente, uma obra de ficção, que relata mitos ancestrais do povo judaico, absorvidos de seus predecessores sumérios e outros, como é o caso do Gênesis. Ou mesmo ficção científica, como o Apocalipse de João.
O mais importante é que a Bíblia é, principalmente, um código de ética. Esse aspecto, na minha opinião o mais valioso dela, muitas vezes é deixado de lado pelos próprios judeus e cristãos (que, além dos muçulmanos são “os povos do livro”), que não se empenham devidamente em santificar sua vida em atendimento ao livro em que creem. Quem, por acaso, segue à risca o preceito de Jesus de dar tudo o que possui aos pobres e segui-lo? Quem oferece a outra face ao que esbofeteou uma delas? Quem serão os bem-aventurados seguidores dos conselhos do Sermão da Montanha? Não que o valor da mensagem de Jesus seja menor pela falta de testemunho de muitos que dizem segui-lo, mas que só se pode dar crédito ao testemunho daquele que, de fato, cumpre a palavra.
Não me consta que haja alguma menção bíblica sobre a esfericidade da Terra, mas apenas sobre sua redondeza, que pode ser entendida como circularidade plana (Is-40:22). A esfericidade da Terra não era estranha a alguns povos antigos. Egípcios cultos já o sabiam mil anos antes de Moisés e gregos, desde Pitágoras, dois séculos depois de Isaías. De qualquer modo, alguma menção à esfericidade da Terra que conste da Bíblia não testemunha que tal conhecimento tenha sido uma revelação divina ao povo judeu, pois esta concepção, mesmo rara, não era estranha a muitos.
Ser ateu significa apenas que se considera que Deus não exista. Nada mais. Um ateu pode crer ou descrer em qualquer outro tipo de coisa. Pode ser cético ou não. Pode ter qualquer concepção filosófica, política e pode, mesmo, ser filiado a alguma religião, como o Budismo, que não exige a crença em Deus.
No meu caso particular, sou um ateu cético que não é filiado a religião nenhuma. Mas também tenho minhas crenças e aceito muitas propostas das religiões como válidas, especialmente no tocante ao comportamento ético e à solidariedade e compaixão. Isto é, considero que a virtude, especialmente as ligadas ao amor e à verdade, devam ser metas a perseguir para se levar a vida de modo significativo e edificante.
A concepção de teoria como uma proposta de explicação não confirmada não é correta. Teoria não é algo que não seja provado, mas, pelo contrário, um sistema de hipóteses explicativas de algum aspecto da realidade que venceu muitos testes de validade.
As teorias da Evolução e do Big-Bang são assim denominadas, justamente, por terem alto grau de validade, alicerçadas em muitos fatos que as comprovam.
Quanto ao que acredita um ateu, isso varia de ateu para ateu. No meu caso, minhas crenças podem ser vistas no credo que deixei publicado em meu blog:
Creio na realidade do mundo exterior, independente de uma mente perceptiva.
Creio na natureza física da realidade objetiva, isto é, na inexistência de espíritos e deuses.
Creio no caráter puramente físico-biológico da mente e da consciência, que não sobrevivem à morte do organismo.
Creio no surgimento espontâneo do mundo e da vida.
Creio na evolução natural das espécies vivas.
Creio no indeterminismo e na incausalidade como possibilidades no encadeamento de eventos.
Creio no acaso e em nenhuma predeterminação como o fator condicionante do rumo da evolução.
Creio na impessoalidade do bem e do mal e na superioridade do primeiro.
Creio que a felicidade é o supremo bem, mas que ela não é gozo desenfreado de prazeres, mas sim a satisfação interior de se fazer o bem.
Creio que a verdade seja o maior valor a ser perseguido.
Creio no ceticismo metodológico como a melhor ferramenta para a busca da verdade.
Creio que a conduta humana pode ser balizada por princípios éticos decorrentes de concepções puramente naturalistas.
Creio na capacidade humana de disseminar o bem e erradicar o mal.
Creio na capacidade humana de atingir a verdade por seus próprios recursos intelectuais.
Creio na ciência como o único caminho para se atingir a verdade.
Creio que o amor incondicional, ilimitado e irrestrito seja a atitude a ser tomada e o conselheiro a ser ouvido em tudo o que se faça.
Creio na possibilidade de se construir uma sociedade justa, fraterna, pacífica, harmoniosa e feliz.
Creio na tolerância, na solidariedade, na operosidade e na honestidade como condutas exemplares para a construção dessa sociedade.
Creio na virtude e não na vantagem, como a regra exemplar de vida a ser perseguida por toda pessoa.
Creio na bondade como a maior de todas as virtudes.
Creio na educação e na cultura artística, científica e filosófica e não na religião ou na violência, como meios para se atingir essas condições.
Creio no sonho de se realizar tudo isto como a grande motivação para se viver.
Creio na luta pela concretização desse sonho como o maior significado que se possa dar à vida.
Em muitos lugares vemos, por exemplo, a inscrição “Cristo Vive!”. Alguns afirmam que há vida após a morte. Será que um robô funcionando está vivo? Para saber ao certo há que se definir, inicialmente, o que se entende por “vida”. Existem várias concepções. A mais básica é a biológica. Nesse sentido vida é um fenômeno biológico. Assim, um espírito não possui este tipo de vida, nem um robô. No caso de Cristo, que teria ascendido aos céus inclusive com o seu corpo biológico, a coisa fica complicada. Ele se alimenta? Excreta? Mas vamos deixar isso para depois. O próprio conceito de vida biológica não é tranquilo. Um vírus é um ser vivo? E quando está inerte, cristalizado? E um príon?
O que seria a vida de um espírito, caso exista? Ou se se pode entender como vida o funcionamento de um robô (ainda não existente) que fosse inteiramente auto controlável?
O conceito de “alma” nem precisava existir. Bastaria o de “mente”. Muitas vezes, contudo, distingue-se a alma da mente, sendo a mente uma ocorrência, uma situação, um estado de funcionamento do cérebro (mesmo inconsciente) e a alma um princípio que mantém a mente funcionando. A alma seria algo como a “vida”, mas diferindo pelo fato de que a vida pode ser puramente vegetativa ou, mesmo que seja animal, apenas senciente, mas inconsciente. No ser consciente (que também é senciente), mesmo quando está inconsciente (dormindo ou anestesiado, por exemplo) ele é potencialmente consciente, então seu nível de vida tem um certo grau de elevação que, molecularmente falando, está associado à complexidade. A partir de certo nível de complexidade do organismo ele passa a ter consciência, o que ocorre nos primatas superiores e em alguns outros mamíferos e possivelmente, mesmo outros animais (papagaio, quem sabe?). Mas a noção de alma é perfeitamente dispensável. Espírito, então, nem se fala. É uma coisa que, simplesmente, não existe. O que se sabe é que a vida, exceto em seu surgimento, por enquanto, só pode ser obtida de outra vida. Mas não é impossível que, algum dia, venha a ser fabricada a posta a funcionar artificialmente. Ou em um organismo biológico artificial ou em um artefato eletromecânico que, neste caso, teria “alma”.
Quero comentar sobre a implausibilidade da existência de espíritos, na acepção que as religiões dão ao termo. Isto é, por “espírito”, entende-se um tipo de entidade etérea, não física, incorpórea, imaterial, que não tem massa nem volume, nem cor e nenhuma propriedade física, como posição, velocidade, não emite som nem luz. Mas essa entidade possui individualidade, autoconsciência, raciocínio, emoção, vontade, personalidade, temperamento, caráter e é capaz de ter uma percepção do mundo físico, além de poder agir sobre ele, provocando efeitos físicos oriundos de uma causa não física, e ainda ser capaz de captar pensamentos e, possivelmente, comunicar-se diretamente com as mentes dos seres vivos. Considera-se que este espírito é a substância da “alma”, isto é, da componente do homem que lhe vivifica o corpo e é a sede de seu psiquismo, segundo as concepções dualistas da natureza do homem (e, possivelmente, de todo ser vivo).
Vejo grandes dificuldades em admitir a existência de tal tipo de coisa. A primeira está na questão da ligação entre o espírito e o mundo físico. Se uma emoção reside na alma, mas se expressa, por exemplo, pelo rubor da face, como se faz essa comunicação? O rubor da face é um fenômeno físico. Há uma cadeia de causalidade ligando a captação da informação desse rubor por uma máquina fotográfica e a alteração psíquica que o provocou. Mas, na origem da mensagem nervosa que levou à dilatação dos vasos sanguíneos estaria uma causa não física: a emoção vivida pela alma. Como pode um efeito físico ser proveniente de uma causa não física? Como poderia um espírito “ver” alguma coisa se a visão consiste na captação de fótons emitidos pelo objeto a ser visto na direção do observador que possui um sensor (a retina). Se o espírito não tem olho, como pode ver? Ou ouvir? Se não tem extensão como pode estar em algum lugar?
A percepção de pensamentos (uma oração, por exemplo) é outro problema. Para isso seria preciso que o pensamento se irradiasse do cérebro, por meio de algum tipo de onda, que iria requerer energia para fazê-lo. As energias associadas ao ato de pensar são extremamente baixas, incapazes de sensibilizar algo que não esteja fincado no couro cabeludo, como um eletroencefalograma. E o que captaria essas ondas? Bom, pode-se argumentar que existe toda uma realidade não física, um Universo sobrenatural paralelo ao físico e que o permeia, no qual os espíritos vivem e se comunicam através de processos específicos desse mundo. Pode ser... Não estou dizendo que não seja, mas, só vou dizer que isso existe quando vir uma comprovação cabal da sua existência. Todo o psiquismo pode perfeitamente ser explicado em termos puramente naturais, de modo perfeitamente verificável por provas e evidências. Não há necessidade alguma em se admitir a existência de espíritos para explicar nada. Então, por simplicidade (a navalha de Ockham), considero-os excluídos da realidade.
Vida após a morte? O que é isto? O que é vida? No meu entendimento vida é um conceito biológico bem caracterizado. Após a morte de um organismo, ele não está vivo, em absoluto. Se for um ser consciente, como os humanos (mas não apenas), sua consciência acabará em definitivo. Como seria esse negócio de “vida após a morte”? Não consigo conceber tal coisa. Antes que eu possa, até mesmo, estudar que tipo de evidência deveria ser procurada, tenho que entender que tipo de coisa está sendo buscada. Se se trata da sobrevivência da “alma” fora do corpo, então ela não pode ser concebida como uma ocorrência fisiológica do cérebro (a “mente”), mas uma ocorrência que se dê em uma entidade supra corpórea, que seria o “espírito”, capaz de persistir existindo, de corrida que fosse a morte do organismo a que esteja vinculado. Vejo uma série de problemas. Como se daria essa vinculação? Se esse espírito fosse manter a memória do ser biológico correspondente, como seria a transferência? Como esse espírito existiria sem o organismo? Que tipo de interação ele teria com o mundo físico (teria que ter, senão seria inteiramente incomunicável)? Se ele tiver interação, então absorverá e gastará energia. Como? Que tipo de sensores teria para captar a luz e os sons (nem falo dos odores, sabores e das sensações táteis e térmicas). Em que ele armazenaria sua energia? Se teria funções psíquicas, sua complexidade seria tão grande quanto a de um organismo humano. Que tipo de estrutura teria? E por que não é observado por todo mundo normalmente? Sinceramente não vejo evidências e nem consigo conceber a existência de tal tipo de coisa.
Considero que o entendimento de “alma” como uma entidade substancial de natureza não física é difícil de ser aceita. Essa alma seria a sede da consciência, da memória, dos pensamentos, dos sentimentos, da vontade, enfim, de toda a vida psíquica, especialmente do “eu”. Ora, para sediar tudo isto, tal entidade precisaria ter uma elevada complexidade. Além do mais, precisaria interagir com o organismo biológico que lhe corresponde, de modo a perceber as informações do ambiente e a comandar as ações corpóreas. Não vejo por que tal tipo de coisa não possa ser executada pelo próprio organismo biológico, sem apelo a nada de outra ordem. Além do que, não vejo indícios nenhum de que tal tipo de coisa exista e nem como se poderia proceder a uma inspeção de sua composição, estrutura e funcionamento (itens que caracterizam qualquer entidade). Minha concepção é de que tais atributos sejam função do sistema neurológico e de seu funcionamento, constituindo uma “ocorrência” que vem a ser a “mente”, capaz de assumir todas as funções psíquicas, inclusive a consciência e o “eu”. Note que não estou me referindo a um “epifenômeno” do cérebro, mas a uma outra categoria que depende do cérebro, mas possui uma natureza não substancial (como seria a alma, cuja substância não é física). Sua natureza é de ordem estrutural e dinâmica, isto é, trata-se de uma “ocorrência” advinda da complexa estrutura cerebral e de seu funcionamento. Fazendo uma comparação pobre é como uma “música”. A música não é a partitura, nem os instrumentos, mas o “acontecimento” dos instrumentos estarem executando a partitura. Só que este acontecimento só pode se dar se existirem os instrumentos e a partitura (mesmo que memorizada pelos músicos). Só que a mente é algo extremamente mais complexo.
Dessa forma, não há como a mente subsistir sem o substrato físico-biológico que a suporta, a não ser que, antes que ele se perca, seu conteúdo seja transferido para outro substrato, de mesma natureza (um transplante de consciência entre cérebros) ou de outra natureza (um artefato robótico) que fosse capaz de assimilar tal conteúdo. Isso, em tese, é possível, mas ainda não há competência tecnológica para tal. De modo que, fora isto, a morte do organismo biológico significa também a cessação completa da consciência, de todas as memórias e do “eu”. Tal constatação leva atribuir à vida biológica e psíquica uma importância muito maior do que lhe atribuem as concepções espiritualistas que admitem a sobrevivência do “eu” ao organismo, seja na forma de um “espírito” ou outra qualquer, seja ou não transferido para novo organismo. A unicidade e finitude do “eu” lhe dá uma significância ímpar, pois cada um de nós só tem mesmo esta vida e acabou. Há, pois, que aproveitá-la em plenitude, cuidando do vaso que a contêm com o máximo carinho (a saúde) e zelando para que a vida seja algo que dê a seu vivenciador o máximo proveito em termos de felicidade, realização, alegria e tudo que permita ao “eu” ser recompensado pela própria existência. No entanto é preciso entender que isto não significa um hedonismo desenfreado, pois que a busca exclusiva da fruição dos prazeres não leva a uma recompensa serena e permanente.
As pesquisas neurológicas sobre a consciência estão avançando. O fato de ainda não se ter a explicação cabal de como o organismo gera a consciência não significa que ela não exista, da mesma forma que o fato de não se ter uma explicação de como a alma interaja com o organismo não significa que esta interação não exista. No entanto a suposição de que a consciência seja devido à alma é muito menos plausível do que de que seja um fato fisiológico, pois requer a consideração da existência de uma entidade adicional inteiramente desnecessária. Pode ser até que se venha a descobrir que, de fato, existe alma, mas supor isto, a priori, é um despropósito. O correto é se fazer uma investigação da natureza da consciência, da mente e do eu, supondo que ela possa ser natural, somente inserindo uma entidade supranatural se isto se mostrar evidente, o que não é o caso. Quanto ao epifenomenalismo, ele entende que os processos mentais “emergem” do funcionamento do cérebro, mas não podem ser a eles reduzidos, pairando “acima” do comportamento físico, constituindo, pois, um “dualismo de propriedades”. Minha concepção do psiquismo como “ocorrência” é inteiramente redutível aos fenômenos físicos, constituindo-se, pois, em um “monismo fisicalista”, desde que
entendamos o mundo físico (natural) como constituído não apenas de matéria, mas também de campos, estruturas, interações e comportamentos dinâmicos e que o reducionismo não seja concebido na forma de uma função linear mas que admita não linearidades e retroalimentações (isto é, o todo e uma função das partes, mas não a “soma” das partes). Em outras palavras, uma expansão multiplexa do tipo:
F(x,y)=Ax+By+Cxy2+Dx2y+Exy3+Fx2y2+Gx3y+..., incluindo, até, termos de expoentes negativos (série de Laurent). A linearidade consiste em que todos os coeficientes sejam nulos, exceto A e B.
Ao considerar a não existência da alma e de espíritos (inclusive de Deus) não estou dizendo que tenho garantias de tal fato e nem de que isto seja a minha “fé”. Mas é mais do que uma mera opinião, consistindo em uma convicção embasada em indícios muito fortes. No entanto não é uma questão fechada e eu estou aberto a rever esta convicção desde que plenamente convencido do erro. O fato é que, não sendo evidente a existência de tais entidades, a suposição apriorística é a de que não existam, sendo preciso uma comprovação de sua existência para que seja aceita. Até o momento não tenho conhecimento de nenhuma comprovação de que exista. Como também de que não exista, mas, como não há evidências, o razoável e supor que não exista. Por outro lado, a aceitação da existência dessas entidades como um ato de “fé” é inteiramente despropositada, pois não traz garantia alguma de sua veracidade. Não é prudente se ter “fé” em coisa alguma. Sabe-se ou não se sabe. Isso não significa que não se possa “crer” em proposições não comprovadas, desde que sejam altamente plausíveis. A “fé”, contudo, é uma crença inteiramente infundada. Eu, por exemplo, creio na existência objetiva do mundo exterior à minha mente, sem que possa provar que, de fato, assim o seja. Mas os indícios são muito fortes. Gostaria de saber que fortes indícios existem para que se aceite a existência de alguma “alma”, sobrevivente ao organismo biológico.
Cada ser não é principalmente aquilo de que é feito, mas sim como se organiza. É como um guarda-chuva, que um dia trocou o pano, depois as varetas, depois a haste, depois o cabo e, ao fim, não tinha mais nada do que fora no início, mas era o mesmo guarda-chuva, pois manteve sua estrutura e continuidade histórica. Assim somos nós e qualquer coisa. No caso especial de um ser vivo, além da estrutura há que se considerar o funcionamento. Eu sou o conjunto de minhas moléculas (que se renovam), estruturado de certa forma e funcionando de certo modo. Cessado meu funcionamento, mesmo que eu ainda mantenha minha estrutura (cadáver fresco), eu não sou mais eu. Isso inclui minha autoconsciência. Não vejo por que esses três aspectos (composição, estrutura e funcionamento) não sejam capazes de prover ao sistema em questão todas as funções psíquicas, desde que se tenha a complexidade suficiente para tal. Inclusive em artefatos artificialmente construídos, como os robôs ou os organismos biológicos que venham a ser projetados e construídos. Isso só não é feito, ainda, por falta de conhecimento, habilidade e competência. Se entendermos a vida como uma ocorrência em certos sistemas, a aniquilação da consciência não significa a cessação da vida, pois o conteúdo do organismo e, mesmo, certo grau de organização e funcionamento, poderá subsistir nos outros organismos que dele venham a se alimentar. Mas a identidade fica perdida. Isto é, o “eu” desaparece.
Dentro da evolução, nós, humanos, continuamos a ser animais, apenas que com um grau de inteligência mais desenvolvido. Isto é, não apenas somos descendentes de macacos (não os atuais), mas somos macacos, mesmo. Qualitativamente não somos outro tipo de seres. E, certamente, evoluiremos para novas espécies transumanas mais inteligentes ainda. Enquanto isto, possivelmente, outras espécies animais poderão evoluir, como estão fazendo, para espécies inteligentes não humanas que coabitarão o planeta conosco, como já ocorreu no tempo do homem de Neandertal.
A especifição cladística de nossa espécie biológica é:
Homo Sapiens
Domínio: Eukaryota
Reino: Animalia
Filo: Chordata
Subfilo: Vertebrata
Classe: Mammalia
Ordem: Primates
Subordem: Haplorrhini
Infra ordem: Simiiformes
Parvordem: Catarrhini
Super-família: Hominoidea
Família: Hominidae
Gênero: Homo
Espécie: Homo Sapiens
Todos os pertencentes à infra ordem “Simiiformes”, de forma genérica, são símios, denominados popularmente de “macacos”, inclusive nós. As noções de bem e de mal absolutamente não possuem nenhuma relação com a existência ou não de Deus. O bem é o que seja capaz de propiciar paz, tranquilidade, alegria, felicidade, bem-estar, satisfação e coisas do tipo, enquanto o mal propicia dor, tristeza, mal-estar, infelicidade, intranquilidade, insatisfação, contrariedade etc. O bem e o mal não estão nos seres e nas coisas, mas nas ações. Como toda ação tem um agente e um paciente, para este, tal caráter está no que sente, independentemente do que ou quem tenha feito a ação e com qual intenção. Todavia a imputação de uma qualidade ética é feita ao agente da ação, desde que a tenha feito sem coação. Assim a natureza pode provocar, em suas ações, um bem ou um mal, mas a ela não se pode imputar a qualidade de ser boa ou má. Ela é indiferente. Da mesma forma, alguém que age sem liberdade, obrigado por alguma coação física ou mental, não pode, por isto, ser taxado de bom ou mal. A qualidade ética de uma ação só se aplica a um agente consciente e livre. Quem deliberadamente agir com a intenção de prejudicar ou causar dor, sofrimento, prejuízo, mal- estar ou qualquer dano a quem quer que seja, mesmo à natureza, está agindo de forma maldosa, portando fazendo um mal. Se agir de forma a propiciar satisfação, alegria, bem estar, felicidade e coisas assim, está fazendo um bem. Mas pode agir de forma indiferente ou neutra e não estar fazendo nem bem nem mal. A noção de que o mal é a ausência do bem é falsa. Ausência de bem e de mal é uma atitude neutra. Bem e mal são deliberada e positivamente intentados.
Supor que Deus seja a fonte do bem enquanto o demônio seja do mal é uma atribuição feita “a posteriori”. Tais conceitos existem aprioristicamente. A noção de Deus das crenças abrahãmicas é a de um ser bondoso. Mas nem todas as crenças atribuem bondade a Deus, apenas poder. A Teoria M, de fato, ainda não possui o estatuto de teoria, mas, por enquanto, apenas de hipótese, ainda por ser confirmada. Mesmo ela não dá conta de explicar a origem do Universo. Tal ocorrência, atualmente, só pode ser explicada por conjecturas. Isso não significa que não possa vir a ser e não o venha, de uma forma natural, sem apelo a uma interveniência extrínseca (Deus). Pode ser que isto não seja possível. Todavia a consideração de que tenha sido obra de Deus, para ser aceita sem o recurso da fé, requer que se comprove que assim o fora, o que também ainda não se tem. Quanto a universos paralelos, várias hipóteses os levam em consideração. Contudo, como seriam entidades disjuntas de nosso Universo, não há como constatar sua existência ou não. A não ser que tais hipóteses venham a ser cabalmente confirmadas por seu poder de explicação dos fatos em nosso Universo, com exclusão de todas as que supõem que só haja este Universo, não se pode considerar que os universos paralelos de fato existam. Considero que não, mas isto não é algo indubitável.
A onipotência de Deus poderia propiciar a transmissão de pensamentos ou qualquer fenômeno. Mesmo assim eles seriam passíveis de exame e explicação. Não me consta que haja alguma constatação indubitável de comunicação das mentes humanas com entidades incorpóreas (espíritos), especialmente com Deus ou de Deus às mentes. Em verdade, o que se tem é uma impressão interna de tais ocorrências, geradas pela própria mente de pessoa. Experimentos objetivos para detectar efeitos de orações não são conclusivos, se analisados por um prisma que considere que tais coisas ” a priori” não acontecem, a não ser que provas cabais demonstrem que sim, como devem ser feitos tais experimentos, mesmo por parte de quem ache que orações promovem comunicação com Deus. Referências a passagens bíblicas que digam qualquer coisa a respeito, obviamente, não têm valor nenhum como comprovações do que se diz. Se as sagradas escrituras fossem verdades incontestes pela fé que se tem nelas, então as versões hinduístas sobre a criação do mundo como emanação de Brahman (não confundir com Brahma) também teriam que ser aceitas como verdade, pois há quem tenha fé sincera em tais afirmativas.
Aceitar o evolucionismo como explicação para a origem das espécies vivas não requer fé alguma, mas apenas verificação e estudo. O criacionismo é que é uma explicação baseada em fé. A evolução não é uma suposição, mas uma constatação. Inclusive perceptível diretamente, na evolução das cepas de bactérias resistentes a antibióticos cada vez mais poderosos. Por outro lado, nossa espécie não é, absolutamente, o elo terminal da cadeia evolutiva. Somos uma transição como todas as outras que já existiram e existem. Dentro de certo tempo surgirá ou surgirão espécies transumanas, como houve as pré-humanas, cujos fósseis mostram os elos (não perdidos, mas achados) entre as antecedentes e as subsequentes, como também as variantes paralelas, como a de Neandertal, que poderia ainda estar viva hoje em dia, compartilhando conosco o planeta. Isso ainda não se deu porque nossa espécie é muito recente (menos de 300 mil anos) e a evolução se processa na escala de milhões de anos, pelo menos para organismo mais complexos como o nosso (mas não para bactérias).
O melhoramento genético artificial e a engenharia genética têm produzido variedades de vegetais e animais que, brevemente, se constituirão em espécies distintas das que lhes deram origem (por enquanto são apenas variedades ou raças de uma mesma espécie). Isso já acontece com bactérias produzidas artificialmente para dar conta de vários processos, como a produção de insulina, por exemplo. O enxerto de trechos de DNA de uma espécie em outra (coisa já corriqueira em laboratórios) produz novas espécies com as características que se desejam. Possivelmente a primeira espécie transumana poderá ser produzida artificialmente em laboratório. Se isso é ético ou não é outra conversa. Mas tecnicamente será viável. Para começar, a lei da não-contradição aplica-se a ocorrências passíveis de uma descrição dicotômica, que é a lógica usada, por exemplo, em computadores digitais. Mas esta não é a única lógica possível. Existem ocorrências que se enquadram em lógicas policotômicas, difusas e, mesmo, multidimensionais, nas quais não se pode atribuir a qualificação de falso ou verdadeiro, mas graus variados de falsidade e verdade (e esses graus podem variar não só ao longo de um eixo, mas ao longo de vários eixos). Isso é mais comum do que a dicotomia. Por exemplo, você não pode dizer que algo está quente ou frio, seco ou úmido, claro ou escuro e muitas outras coisas, de uma forma taxativa com sim e não, mas por meio de gradações de temperatura, umidade ou claridade. No caso de cores, a gradação se dá ao longo de três eixos, os sabores ao longo de, pelo menos, cinco eixos, os sons ao longo de infinitos eixos, fornecidos pela transformada de Fourier. É o que é mais comum. A dicotomia é uma exceção, que também ocorre. Por isso é que os computadores digitais ainda não são capazes de reproduzir a inteligência humana, pois esta raciocina em gradações de “talvez” e o computador não.
De fato, as leis da lógica e da matemática são abstrações, mas são inferidas a partir do comportamento da natureza. A extrema aderência que as descrições matemáticas dos fenômenos físicos são capazes de prover não constituem uma coincidência estranha, mas um testemunho de que a matemática (que, no fundo, é lógica) traduz o modo como a natureza opera. Isto é, a lógica não é apriorística, como o supunha Descartes e Kant, mas uma decorrência do comportamento da natureza. Se esse comportamento é nela inculcado por Deus ou se é algo intrínseco a ela é uma questão de verificação. No segundo caso, mesmo que Deus exista, ele não pode agir a seu bel prazer, mas apenas em conformidade com as leis da física, da lógica e da ética, inerentes à natureza. Mas isso é assunto para outra discussão.
Abstrações, como a lógica, a ética, a metafísica, a estética, os números, as figuras geométricas, a matemática, as leis e tantas outras são conceitos e relações entre conceitos produzidos pela mente sem correspondência direta na realidade concreta do mundo (concreto entendido como tendo existência independente de mentes perceptivas). Mas, uma vez que existe possibilidade de comunicação entre as mentes existentes (mediada por meios físicos como o som e a luz), é possível se conceber tais abstrações como constituindo uma realidade extramental, que seja propriedade comum de uma coletividade de mentes. Isso não significa que elas precedam as mentes. São produtos delas e deixam de existir se não houver mente alguma que as conceba. Não se tratam, pois, de padrões absolutos, mas concepções urdidas pela inteligência. Poderiam ser de outra forma. Se outras espécies atingirem o nível de inteligência que possuímos (ou outras que possivelmente já o tenham em outros planetas), poderiam desenvolver uma lógica, uma matemática, uma física, uma estética ou uma ética completamente distinta da que desenvolvemos. E mesmo as nossas poderiam ser outras. São o que são devido à evolução histórica que vivenciaram. E, como disse, emergem do comportamento da natureza. Mas esse comportamento poderia ser descrito por outros modelos descritivos, que também possuíssem uma boa aderência. Todos os conceitos da Física, por exemplo, como velocidade, força, energia, carga elétrica, temperatura e outros são construtos humanos. A natureza poderia ser descrita por outras noções diferentes dessas. O chamado “mundo das ideias” de Platão, simplesmente, não existe. Como os espíritos, se bem que sejam coisas completamente distintas.
As leis da Física não “regem” o comportamento do Universo. Elas o “descrevem” o que é inteiramente diferente. A natureza age por si mesma, não obedecendo a nada. A ciência procura descrever como isso ocorre e, muitas vezes (mas nem sempre) acerta.
O pensamento consiste em uma ocorrência que se dá na mente, como um sentimento, uma emoção, uma percepção, uma volição, uma evocação, uma memorização, um raciocínio etc. E mente nada mais é do que a entidade que consiste em um cérebro em funcionamento atual ou potencial. A mente não é o cérebro, mas não existe sem ele. É uma ocorrência do cérebro, isto é, um acontecimento que se estabelece devido a seu funcionamento, que depende de sua constituição, estrutura e dinâmica. O pensamento é como uma música. Ela não existe sem que um instrumento (ou a voz) a produza, mas ela não é apenas o som, mas tudo o que a maneira com que esse som é gerado sequencialmente no tempo seja capaz de produzir, devido à variação da altura, da intensidade, do timbre, do ritmo, da melodia, da harmonia e de todas as demais características. Assim o pensamento é uma sequência de evocações de percepções, de associações, de sentimentos, e de tudo o que o funcionamento do cérebro pode produzir. Note-se que o pensamento pode mesmo ser inconsciente. Certamente para pensar a mente requer que o cérebro funcione e, portanto, consuma energia. Mas o pensamento não é energia, nem tampouco reações químicas. Não é matéria e nem espírito (que, aliás, não existe). Pensamento pertence à categoria de realidades que se denominam “ocorrências”. Isto é: pensamento é um processo que se dá na mente, um acontecimento, um evento. Para que tal evento ocorra é requerido o fornecimento de energia como, de resto, em todo processo orgânico. Mas essa energia é a fornecida pela metabolização do alimento que se ingere. Ela não provém de fonte externa ao organismo. Energia não é uma entidade e sim um atributo. Não existe energia em si mesma, mas apenas como propriedade de alguma coisa. Como uma cor, por exemplo.
Tal ocorrência consiste em transmissões de sinais entre neurônios. Esses sinais caminham pelos dendritos e axônios como uma onda de inversão de polarização de suas membranas, em função da variação da concentração de íons de sódio, potássio e cálcio. A comunicação entre os dendritos e os axônios é feita pelos neurotransmissores, que estão disponíveis no meio glial, tratando-se, pois, de um transporte químico de moléculas. Tais assuntos podem ser vistos em qualquer tratado de anatomia e fisiologia neural. Não há nenhuma evidência experimentalmente testificada de que o pensamento possa, naturalmente, emanar da mente que o experimenta, propagar-se pelo espaço e ser captado por outra mente.
Uma questão, contudo, é inteiramente pertinente: de onde vem o pensamento? Isto é, o que desencadeia a ocorrência de um pensamento na mente? Várias coisas. Em sua origem, todo processamento mental provém das sensações que os órgãos dos sentidos levam ao cérebro. São os estímulos visuais, sonoros, térmicos, táteis, olfativos, gustativos bem como dos sentidos que percebem o equilíbrio, o posicionamento do corpo e o funcionamento dos órgãos internos que provocam as primeiras cadeias de transmissões de sinais neurais que se transformam em percepções, assim que interpretados. Em segundo lugar, o próprio cérebro, em seu funcionamento, evoca, por associação ou mesmo aleatoriamente, a percepção de imagens já registradas na memória. E as processa, produzindo novos resultados que passam a ser registrados. Esse fluxo de processamento neural é que é o pensamento. Ele pode se dar de modo consciente ou inconsciente, voluntário ou involuntário. Quando consciente, o “eu” toma ciência da ocorrência. Nos sonhos e alucinações há uma emulação inconsciente da consciência, que, inclusive, pode acarretar respostas motoras (sudorese, micção e mesmo, locomoção, além do movimento dos olhos, característico do estágio REM do sono). Dependendo de seu modo de ser, o pensamento pode ser um raciocínio, uma emoção, um sentimento, uma decisão. Em todos estes casos, o processamento mental desencadeia alterações somáticas (hormonais, vago-simpáticas ou outras), como excitação, taquicardia, sudorese, rubor, palidez, secura na boca, vaso constrição ou dilatação. Todas essas alterações são percebidas pela varredura dos sentidos e registradas na memória com parte da ocorrência, de modo que o processamento mental não é apenas cerebral, mas envolve todo o organismo.
Estudar a consciência é justamente, estudar como o cérebro é capaz de gerá-la, e ele o faz. Todos os atributos do psiquismo, como o intelecto, o pensamento, o raciocínio, a intuição, as emoções, os sentimentos, a consciência e o “eu”, são produtos da atividade neurológica, conjugada com a hormonal, bem como com o funcionamento de todo o organismo. Isto é objeto de um imenso trabalho de pesquisa que vem sendo desenvolvido pela neurociência e, a cada dia, novos conhecimentos são obtidos, de modo que se pode prever para pouco tempo (menos de 200 ou 300 anos) uma explicação cabal da mente em termos neurológicos, ou seja, orgânicos, isto é, biológicos, e, portanto, físicos. Nada de espírito ou alma. Mas isso não significa que pensamento e sentimento são matéria. São “ocorrências” não substanciais. Essa é a chave da compreensão da mente. Ocorrência é uma complexidade de eventos em dada estrutura. Conteúdo, estrutura e dinâmica é o que fazem algo ser o que é. Sobre os bebês, não há o que defina qual deles vai ser eu, porque o “eu” só começa a existir quando o sistema nervoso daquele bebê começa a se formar, ainda no útero. “Eu” é algo que vai se construindo à medida que o bebê vive e continua ao longo de toda a vida. Não existe um “Eu” pronto que adere a um corpo. O que eu e você somos depende do que vivemos, além de nossa genética. E, quando morrermos, desaparece inteiramente. Nunca se repetirá. Cada bebê vai ser algum “eu”, mas isto não é pré-determinado. Eu sou esse eu que sou porque já vivi minha vida até agora assim, passando pelos eventos que passei. Qualquer coisa que tivesse sido diferente, eu seria outro eu. Um ser não é algo que “É”, como dizem os escolásticos, mas algo que “vai sendo”, ao longo do tempo.
Em primeiro lugar temos um organismo biológico que possui um sistema nervoso em que há um órgão, o cérebro que centraliza o controle do funcionamento desse organismo. Mas não só ele. Parte do controle é exercido pela própria medula e pelo cerebelo. Para exercer este controle ele se vale dos nervos que levam informações sensoriais sobre o estado do ambiente interno e externo ao organismo. Tais sensações, devidamente classificadas pelo cérebro e armazenadas nos locais previstos, vão formar os registros de memória de que o organismo se vale para não ter que começar sempre do zero. Dentre os processos que ocorrem no cérebro temos os pensamentos, que são operações de troca de informação entre registros com a elaboração e saída para registro de conclusões. Isso pode ocorrer inconscientemente, como também as reações emocionais de medo, raiva, desejo e outras. Ter consciência é ficar sabendo que isso está ocorrendo bem como ter notícia das sensações. E quem fica sabendo disto é o “eu”. O “eu” é resultante da autoconsciência que é a informação sobre o próprio organismo. Isto é, o organismo, a todo momento, está informando, pelos nervos, do seu estado posicional da musculatura e do esqueleto e do funcionamento dos órgãos internos, dos sentidos externos (muitos, não só cinco) e do próprio cérebro. Essa constante atividade é que dá a noção do eu à consciência. A consciência pode ser interrompida, como ocorre no sono, no desmaio e na anestesia. Isto é, há uma parte do cérebro que não recebe informação sobre o funcionamento do organismo. Na consciência há uma constante percepção com formação de imagens visuais, táteis, sonoras, olfativas, térmicas, cinestésicas etc. Esse complexo de coisas em funcionamento é o que se denomina “mente”, mesmo sem estar consciente, pois há muito processamento inconsciente, aliás maior que o consciente. Isso é uma ocorrência que se dá no organismo, especialmente no cérebro (mas, repito, não só). Não é material, mas não é espiritual, porque não requer algo substancial. Apenas ocorrências.
Assim, não vejo que seja a consciência que possibilita a mente, mas que a consciência é um dos fenômenos mentais (ou psíquicos), como a memória, o pensamento, o raciocínio, o desejo, a decisão, as percepções, os sentimentos, as emoções, a intuição. A mente é possibilitada pela vida orgânica do cérebro saudável. Pode haver cérebro vivo sem mente, apenas com vida vegetativa, como no estado de coma, ao que parece, mas, inclusive, tem-se registros de que comatosos possuem algumas percepções e pensamentos, sem comando motor voluntário. Em suma, todo o psiquismo é fisiológico, biológico, sendo possível sua explicação inteiramente em termos naturais, sem apelo para entidades extranaturais como uma possível alma espiritual. A existência de uma alma, pelo contrário, traria uma série de problemas de várias naturezas. Por exemplo, se ela não é natural, como interage com a mente, que é uma ocorrência natural. E se sobrevive à morte do organismo, carrega a memória que ele tinha? Como poderia ter algum tipo de sensação, por exemplo, visual? Se não é natural, não está no espaço e nem no tempo, não tendo massa, volume, substância. O que seria, então? Acho isto muito complicado de aceitar.
Certamente, a maior parte da vida existente não possui mente (é só pensar que as bactérias do subsolo consistem na maior parte da massa protoplasmática viva do planeta e que nosso corpo possui mais bactérias do que células dele mesmo). A mente não existe nos vegetais, nem fungos, nem protozoários. Nos animais é uma questão difícil saber a partir de que nível existe mente. É fácil ver que os cordados têm mente, mas nos outros filos, talvez só a ordem octopoda da classe cephalopoda do filo molusca, isto é, os polvos. Note que possuir mente não significa exibir comportamento proativo. Existe mente mesmo havendo apenas comportamento reativo. Já a consciência, pelo que tenho conhecimento, considera-se que ela possivelmente exista entre chimpanzés, gorilas, orangotangos, golfinhos, elefantes, cachorros, gatos, porcos, corvos, gralhas, papagaios e ratos em um certo grau. Certamente que só há consciência em seres que possuam mente. Mas a mente e a consciência também poderiam ser desenvolvidas em um artefato elaborado, como um robô.
A complexidade dos seres vivos superiores não significa perfeição, pois se assim o fosse, não haveria doenças nem deformidades. Não só os seres humanos são imperfeitos, mas toda a natureza possui muita imperfeição, muita coisa que dá errado. A evolução não tem propósito nem busca perfeição. Ela se dá ao acaso e evoluir não significa melhorar, mas apenas mudar. O sexo foi um modo que surgiu para a reprodução e, apesar de mais complicado do que a simples partenogênese, pela qual apenas o sexo feminino seria necessário, a existência do sexo masculino, que é acessório, firmou-se na seleção natural por propiciar uma maior variabilidade genética. A homossexualidade é um comportamento secundário que tem origem nos mecanismos de atração sexual que surgiram para garantir a perpetuidade da espécie.
Nada, não sendo coisa alguma, não é capaz de gerar nada. Dizer que o Universo surgiu de nada não significa que havia algo, “o Nada”, que o gerou, mas sim que ele surgiu sem que tivesse sido gerado ou criado e sim de forma espontânea, sem que fosse proveniente de algo que o precedesse. O fato de isso ter se dado em certo momento também não implica que tenha que continuar a se dar, pois, uma vez tendo surgido o Universo, também surgiu um comportamento de seu conteúdo que se dá de acordo com leis de conservação. No entanto, ainda se dá o surgimento de matéria e antimatéria a partir do vácuo (que, em verdade, não é “Nada”). É claro que “o Nada” não planejou o que iria surgir. Não há plano algum. Outra coisa é que não é verdade que as coisas estão como sempre foram. De modo nenhum. Tudo está sempre mudando. O que existe hoje não existia na Era Mesozoica e o que existia então não existia na Paleozoica. Trilobitas e Dinossauros não existem mais. Há apenas meio milhão de anos atrás não havia homens. Além disso o homem não é o objetivo da evolução, que não termina nele, mas prosseguirá além.
Cada espécie de ser vivo gera outro da mesma espécie, mas podendo ter pequenas diferenças. O acúmulo de diferenças ao longo de centenas de milhares de gerações pode produzir um ser que não seja mais da mesma espécie do seu ancestral, centenas de milhares de gerações atrás. Esporadicamente, uma mutação de grande monta pode ocorrer, fazendo com que se gere um descendente suficientemente modificado para ser de outra espécie. Isso ocorre, por exemplo, com bactérias e vírus a todo momento, como se observa ao microscópio e pelo comportamento resistivo a antibióticos. Ou mesmo provocado por engenharia genética.
A origem das diferenças está nas mutações cromossômicas que ocorrem em razão de radiação ionizante, mutagênicos químicos ou simplesmente por falha de replicação, durante a divisão celular. Se isso se der nas células reprodutoras (mas não nas somáticas), o ser gerado incorporará a mutação. Células cancerosas são mutantes, isto é, não são células da espécie do organismo que as abriga. Aliás não são de espécie alguma. Tumores benignos têm células com a mesma assinatura genética do organismo, mas os cancerosos não.
Pelo que me consta, o Carbono 14 não é usado para datação paleológica, mas apenas para arqueológica e antropológica (até 60 mil anos). Para eras geológicas usam-se os métodos urânio-chumbo, samário-neodímio e potássio-argônio, dentre outros. Além de métodos radioativos, também são usadas as taxas de deposição e velocidades de soerguimento das placas tectônicas, especialmente nos Andes e no Himalaia, o que confirmam os períodos de milhões, ao invés de milhares de anos.
Mesmo que se considere que tudo tenha sido criado por algum Deus, é preciso entender que as descrições bíblicas são mitológicas, isto é, resumem lendas ancestrais já correntes nos povos do Oriente Próximo e Médio, dos quais emergiu a civilização hebraica que redigiu a Torá ou Pentateuco, base do Antigo Testamento. Elas não possuem nenhuma confiabilidade em termos de uma descrição real dos eventos decorridos. A Bíblia não é um compêndio de história e nem de ciência.
A Bíblia, para mim, é a reunião de vários escritos que se propõem ser a revelação do Deus único aos homens. Como essa entidade não existe, o que se pode inferir é que os autores da Bíblia escreveram o que vinha na cabeça deles, dizendo estarem inspirados por Deus. É possível que acreditassem mesmo assim o estar. Certamente que pretendiam instruir o povo judeu (no antigo testamento) ou a humanidade (no novo testamento) sobre o comportamento que deveriam ter para conseguirem obter a salvação da condenação ao inferno, por transgredirem as leis que eles atribuíam ao Deus e obterem a bem-aventurança de uma vida eterna para sua pretensa alma espiritual, junto ao Deus. Além disso, a Bíblia também relata a história do povo judeu, não de um ponto de vista propriamente histórico e isento, mas para efeito de proselitismo religioso. Por isso não é confiável como documento histórico. Em resumo, é uma obra de ficção, mesmo que tenha ensinamentos bem úteis e proveitosos para uma conduta ética e decente. Mas todo o aparato da Teologia que se erigiu sobre a interpretação de seu texto em termos de realidades sobrenaturais, é algo inteiramente vazio de significado.
O fato de dizer que a Bíblia é uma obra de ficção absolutamente não a nivela à literatura comercial tipo “Harry Potter” nem diz que ela seja uma obra desimportante. Jamais disse isto. O que significa ser uma obra de ficção é que o que é dito nela não se trata de fatos comprovados por nenhum critério de aferição de sua veracidade histórica ou científica. Trata-se de compilações de lendas mitológicas que foram passadas de geração a geração, mescladas com relatos de fatos verdadeiros, tudo isso inculcado de mensagens moralizantes e prescrições de comportamentos propiciatórios ao favorecimento da pretensa divindade aos reclames do povo dito “eleito”, no antigo testamento (fora as páginas eróticas do “Cântico dos Cânticos” e a poesia laudatória dos Salmos). No novo testamento, trata-se de relatos pretensamente fidedignos da vida de Jesus nos evangelhos e de admoestações e recomendações nas epístolas, além de uma notável página de genuína ficção científica, que é o apocalipse.
A Bíblia teve a imensa influência que granjeou, mesmo sendo uma ficção, porque o cristianismo foi adotado como religião oficial do Império Romano por Constantino e daí passou para o Império Bizantino, para o Sacro Império Romano Germânico e para os demais países da Europa e, dela, para as Américas e o resto das colônias europeias. Tal disseminação, contudo, não dá à Bíblia um valor superior, em termos de veritabilidade, do que o Corão, os Vedas ou qualquer outro denominado “livro sagrado”.
Pode ser que os ensinamentos morais da Bíblia sejam superiores aos de outros livros sagrados, o que não sei dizer, pois não os conheço em extensão e profundidade para emitir juízo a respeito. Mas sei que, na Bíblia, existe muita contradição entre o que é pregado e o que é narrado como fato histórico.
Religiões podem ser boas no sentido de proverem a pessoa que delas participa de um apoio social e psicológico para enfrentar os reveses da vida e preencher a necessidade interna de encontrar um sentido e um propósito para a existência. Mas apresentam grandes problemas. O primeiro deles, no meu entendimento, está em sua fundamentação doutrinária na fé em alguma revelação, que é algo inteiramente sem cabimento.
Não se pode aceitar como verdadeiro algo só porque alguém disse que o seja, por mais digno de respeito e veneração esse alguém seja. Não porque se suponha que ele esteja deliberadamente mentindo (o que também pode ocorrer), mas que ele esteja considerando como verdade algo que não o seja. A verdade tem que ser buscada pelos testes das evidências e das comprovações lógicas. Nada disso é propriedade da fé. Segundo, muitas religiões acabam criando uma atitude de intolerância em relação às demais (ou à sua simples ausência) que pode ser um perigoso estopim de conflitos. Terceiro, religião envolve também todo um aparato de pessoas e instituições nos quais, muitas vezes, se inserem oportunistas que se aproveitam da credulidade do povo para tirar vantagens pecuniárias e lesar os fiéis, enganando-os com pretensas benesses.
Em minha opinião, uma religião que se preze deve ser inteiramente filosófica e desprovida de organização, templos, sacerdotes e tudo o mais. Que seja simplesmente uma relação do fiel com a divindade em que creia, mesmo que envolva alguma atividade socializada, mas inteiramente livre de ônus financeiro. E que tenha tolerância para com as demais, além de pregar a cooperação, a solidariedade e o amor. Todavia, tudo isso pode ser muito bem cultivado sem religião alguma. A própria filosofia é a melhor religião. Creia-se ou não em deuses, basta que se tenha um projeto de vida dentro de uma cosmovisão ética e positiva, que se está vivendo de um modo a dar significado à própria vida em benefício do mundo todo. De minha parte não acho que exista Deus e nem alma imortal, não sendo filiado a qualquer religião. Todavia, pauto minha vida pela busca da verdade e a prática da virtude, encontrando um significado em minhas ações solidárias e de esclarecimento, para levantar as trevas da ignorância e tornar o mundo um lugar bom e aprazível.
Mito, de fato, não explica, mas tem a pretensão de fazê-lo. Nesse sentido, digo que as explicações da Bíblia e de todas as denominadas “Sagradas Escrituras”, sejam de que religião forem, bem como de certas ditas “Fraternidades” ou “Sociedades” esotéricas, nenhuma delas possui fundamentação em dados factuais obtidos diretamente ou em deduções lógicas baseadas nesses fatos, como é o que ocorre com a ciência. Portanto, todas as “explicações” (entendidas como propostas de explicação) que elas fornecem são mitológicas, isto é, advindas de crenças ancestrais que, na verdade, são “lendas”, isto é, invenções que alguém um dia propôs e foram sendo passadas de geração a geração até serem consignadas em algum livro, que passou a ser tido como uma “revelação” da divindade. Isso tem uma força tremenda, como bem o demonstrou Joseph Campbell, mas é uma coisa inteiramente infundada. Na atualidade, considero que seja um dever, até mesmo do estado, suprir a juventude de conhecimento esclarecido de forma que possa, por si mesma, decidir em aceitar ou rejeitar tais explicações. Certamente que a ciência também não é dona da explicação definitiva sobre coisa alguma, mas disto ela tem consciência e jamais pretende ser dona da verdade, mas apenas sua perseguidora. É nesse sentido que reafirmo que são a ciência e a filosofia que possuem a capacidade de dar significado ao mundo e à vida.
A rejeição existente entre religiosos e a filosofia é natural, pois a primeira premissa da filosofia é o livre pensamento. O filósofo não pode se ater a qualquer espécie de dogma, mas examinar a realidade e, refletindo sobre ela e cotejando suas elucubrações com os dados das evidências experimentais (isto é, os fatos concretos), extrair suas conclusões, sempre provisórias. Nisso ele necessariamente é cético, no sentido metodológico da palavra. A filosofia, por princípio, tem que rejeitar toda e qualquer postura oriunda de pretensas “revelações” e tão somente atingir a verdade sobre a descrição e explicação que se consegue fazer sobre o mundo, a vida e tudo o que se apresentar à consideração da mente apenas pela inquirição, pela reflexão, pela experimentação e pela comprovação. Nada de fé!
Isso significa que sempre que alguma conclusão filosófica ou científica estiver em contradição com o que estabelecem as escrituras sagradas de qual seja a religião, essas devem ser rejeitadas como inverdades, o que o verdadeiro crente não está disposto a fazer, só o fazendo no momento em que percebe a total insensatez de toda e qualquer fé e adere ao racionalismo.
Definitivamente “há” sim, contradição entre a fé e a razão. Não necessariamente em seu objeto, que até pode coincidir, mas em seus pressupostos. A fé pressupõe que há uma verdade inconteste na “revelação”, contida nas escrituras sagradas de cada religião. Por exemplo, a existência de Deus é um dado apriorístico para a Teologia, mas não para a Filosofia, que a tal fato pode até ser levada, a posteriori. Ou não. Essa é a grande diferença. A razão pode levar a conclusões em desacordo com as revelações e, certamente leva, pois, as diferentes revelações fazem afirmativas distintas sobre os mesmos temas. Por exemplo, a tri-pessoalidade do Deus judaico-cristão, não aceita pelo islamismo. Você pode dizer: mas a revelação islâmica (o Corão) não contém a verdade. Por que não? E porque a Bíblia, sim? Por quê? Muçulmanos têm tanta fé no Corão quanto cristãos na Bíblia. Tomás de Aquino forçou a Filosofia a se tornar serva da Teologia e nisto cometeu um grande erro, aliás denunciado por seu contemporâneo Guilherme de Ockham e, antes, por Duns Scotto, que eram homens de fé, mas que viram que não é possível racionalizar a fé e, então, deixaram a razão de lado. Platão e Aristóteles foram inteligências privilegiadas e muito deixaram de contribuição à Filosofia. Mas o excesso de respeito por sua autoridade, extensivamente incontestada, prejudicou, e muito, o avanço do conhecimento. O mesmo se deu com Descartes e, atualmente, até mesmo com Marx, Sartre, Nietzsche e outros “medalhões” da Filosofia, que seus seguidores consideram inatacáveis.
Isso é ruim para o avanço do conhecimento, tanto quanto a inatacabilidade das sagradas escrituras.
Tenho para mim que a Teologia é uma disciplina inteiramente desprovida de significado e relevância e explico. O objeto da Teologia é a análise e interpretação do conteúdo das escrituras consideradas pelas diversas religiões como uma “revelação” da divindade ao homem, como a Bíblia, o Corão, os Vedas, ou, até mesmo, os escritos de Allan Kardec. A questão, desde o princípio, se revela problemática, pois a única garantia que se tem de que, de fato, tais escrituras sejam ditadas pela divindade é a fé daqueles que creem em tal fato. Ora, a fé, absolutamente, não pode ser critério de veracidade de coisa alguma, pois, se assim o fosse, haveria inúmeras verdades que mutuamente se contradiriam, já que há pessoa que possuem fé sincera e verdadeira em coisas completamente distintas, que são os seguidores fiéis das diferentes crenças religiosas. Como a verdade, por definição, tem que ser única, surge a questão de decidir por qual das revelações se fazer a escolha como sendo a verdadeira. Mas o critério, nessa escolha, certamente que há de ser externo às próprias crenças que validam cada uma delas. E esse critério só pode ser o critério filosófico de veritação que se baseia nas evidências dos sentidos ou nas comprovações racionalmente válidas que se fazem, em última instância, com o apoio de premissas validadas por evidências.
Ao que me consta, nenhuma evidência ou comprovação existe da veracidade de nenhuma dessas “sagradas escrituras”, logo concluo que todas são meramente relatos compilados de mitos ancestrais, passados oralmente de geração a geração, cuja origem deve ter se dado nas explicações fantasiosas que os primitivos elaboravam para entender aquilo de que não possuíam noção da razão de ser. E se a Teologia se fundamenta em escritos inteiramente desprovidos de razão, que valor pode ter qualquer conclusão que deles se tire?
Em meu entendimento, perdem seu tempo aqueles que se debruçam, por exemplo, sobre a Bíblia para extrair algum conhecimento a respeito da realidade. Melhor fariam se a estudassem de um ponto antropológico, como uma manifestação cultural dos povos e deixassem a realidade para ser estudada pela filosofia e pelas ciências.
De fato, coloco a Teologia no mesmo nível de conhecimento da Astrologia e de outros conhecimentos esotéricos desprovidos de qualquer fundamentação.
Que se apresentem os teólogos para justificar porque consideram a Teologia algo de valor, pois estou disposto a mudar meu ponto de vista, caso convencido.
Admitindo-se que Deus não exista, como o faço, fica patente que a Teologia é um assunto totalmente desprovido de propósito, pois estuda algo que, simplesmente, não existe. Todavia, mesmo que se considere que Deus exista, seu estudo deveria ser feito por meio de uma disciplina racional e científica que é a Filosofia. A Teologia, por basear-se nas pretensas “revelações”, que, mesmo, reafirmo, considerando a existência de Deus, não têm garantia alguma de que sejam, de fato, revelações divinas, peca por completa falta de embasamento. Além disso, mesmo, ainda, que se considerem as ditas “sagradas escrituras” como revelações, haveria um tremendo problema de conciliar as contradições que elas guardam entre si. Só para começar, como conciliar a Bíblia com o Corão? Aquela considera que Deus tenha personalidade tripla e este simples. E os Vedas, então, que admitem a existência de múltiplos deuses? Alguém diria: ora, todas essas pseudo escrituras são falsas, só a da minha religião é verdadeira, como o garante a minha fé. Bom... de quem estou falando? Como saber quem está com a verdade? Que se pronunciem os Teólogos.
Muitos religiosos congratulam-se com a fé exibida pelas pessoas, considerando ser uma grande virtude a aceitação como verdades inquestionáveis de fatos completamente impossíveis de serem verificados diretamente. Jesus, no evangelho, bendisse os que creem sem ver, dirigindo-se a seu apóstolo, Tomé. Bom... eu sou mais cético do que Tomé, pois, mesmo vendo, ainda duvido, achando que possa estar tendo ilusão de ótica. Considero que a fé é um total e completo disparate. Não consigo entender como se pode achar valor em se crer em alguma coisa sem fundamento algum. Por quê? Por que está escrito na Bíblia? E daí? Outros livros dizem outras coisas. Devo acreditar em tudo o que está escrito em qualquer lugar? Por que a Bíblia seria diferente de outros livros? Como saber que ela relata verdades e não opiniões? Isto a Teologia é capaz de garantir? Quero saber com que argumentos. Pelo que sei a Teologia judaico-cristã, baseia-se na própria Bíblia. Logo não pode ser capaz de validar a Bíblia. Isso só poderia ser feito por argumentos externos a ela. Quais são eles? A Fé? Isso não faz sentido. A fé não é capaz de servir de critério de verdade e essa assertiva é óbvia. Eu não posso garantir que algo seja verdadeiro porque acho que assim o seja. Daí a Teologia ser um estudo inteiramente desprovido de significado. Todas as extensas elucubrações teológicas dos Padres e Doutores da Igreja, Gregório, Ário, Agostinho, Abelardo, João Crisóstomo, Jerônimo, Macário, Teodoro, João Damasceno, Tomás de Aquino, Anselmo, Boaventura, Bernardo de Claraval, Alberto Magno, João da Cruz, Roberto Belarmino, Tereza de Ávila, Catarina de Siena, Lutero, Calvino, Zwinglio, Spener,
John Knox, Lewis, Boff e outros mais, que ocupam milhões de páginas escritas são tão inúteis quanto a literatura sobre Astrologia, Alquimia, Numerologia, Ufologia, Cientologia e outra “gias” que são Pseudociências inteiramente desprovidas de fundamento.
A necessidade de se filiar a uma religião, no meu entendimento, é de duas ordens. A primeira relaciona-se aos questionamentos interiores sobre a origem e o destino da vida e do mundo, e as razões para que as coisas sejam como são. A segunda é a necessidade de participar gregariamente de uma comunidade de visões, interesses, propostas e atividades convergentes. Nesse caso a religião funciona como uma espécie de “clube”, em que as pessoas se reúnem e participam de atividades sociais. Isso é parte da natureza humana, e muitas vezes, mesmo sem ter a fé na doutrina da religião professada, a pessoa a segue por razões sociais, para ser aceita no grupo em que está inserida. Inclusive pode até se destacar em sua atuação, internamente motivada pelo desejo de reconhecimento e admiração. Dizem que Madre Tereza de Calcutá tinha dúvidas a respeito da fé cristã. Esse caráter social de uma religião é muito forte, maior inclusive do que o caráter doutrinário da fé professada, muitas vezes, inclusive, nebulosamente entendida pelos praticantes de alguma delas. Daí o surgimento dos sincretismos, um dos mais esdrúxulos sendo o existente, aqui no Brasil, entre o catolicismo e o espiritismo. Qualquer um que se dedique a entender um pouco que seja das doutrinas dessas religiões verá que elas são mutuamente excludentes. O espiritismo, mesmo que o neguem alguns de seus seguidores, não é cristão, apesar de reverenciar o ensinamento de Jesus. É que o fulcro do cristianismo é a redenção realizada por Cristo em seu sacrifício na cruz. Ela só tem sentido, no contexto da doutrina cristã, se se aceitar Jesus como o homem-deus. Mas o espiritismo não atribui divindade a Jesus e nem considera a redenção como algo que tenha havido. Para ele a purificação e elevação da alma se dá com as seguidas reencarnações, ocorrência estritamente negada pela doutrina católica e cristã em geral. Socialmente, contudo, é comum encontrarmos os católicos-espíritas, que, certamente, não entendem nada nem de uma nem de outra.
O espiritismo não é religião e nem ciência. É um corpo de conhecimentos de caráter inteiramente doxático, engendrado pelo Allan Kardec, com base em crenças metempsicóticas hinduístas, mesclado com as mensagens dos evangelhos, de modo a formar uma doutrina que pretende dar uma explicação para o sentido da realidade, com base na existência de entidades supranaturais que seriam os espíritos e toda uma lista de fatos e comportamentos a eles atribuídos. Não há a menor fundamentação científica em tais doutrinas. E elas, absolutamente, não se abrigam no seio do cristianismo, pois este encara Jesus Cristo como Deus e homem simultaneamente, sendo sua paixão a realização do que se denomina “redenção”, que seria uma anistia dada por Deus ao pecado, com a chance da salvação eterna da alma, resgatada pela imolação de Deus a si mesmo na cruz. Fantástica história, mas completamente alheia ao espiritismo.
Para o benefício da verdade, acho que a Igreja Católica e as protestantes deveriam, como o islamismo, não permitir a representação pictórica de Deus. Senão as pessoas ficam pensando que Deus é antropomórfico. Além disso, acho incorreta a noção que se passa que a pessoa “Pai” de Deus, seja o criador, enquanto a pessoa “Filho” seja o redentor. Se Deus é único, mesmo tendo tripla personalidade, todas suas pessoas são o mesmo Deus, portanto o Filho é criador e o Pai e redentor também. Para falar a verdade, se eu acreditasse em Deus, estaria mais propenso a considerá-lo como o “Allah” dos muçulmanos (para não dizer o dos deístas, à moda de Voltaire). Para mim essa questão da redenção, que é o fulcro do cristianismo, é muito mais complicada do que a criação.
Outra coisa que não se passa para as pessoas é essa do céu e o inferno não serem lugares. Portanto não há chamas no inferno, pois chamas são gases superaquecidos. E almas não se queimam em chama alguma, pois não são materiais. o sofrimento do inferno, só pode ser um sofrimento puramente mental, que é a única coisa que uma alma tem. Aliás, o conceito de alma é justamente o de uma mente, só que consubstanciada em uma entidade substancial, isto é, que seja feita de “algo”, mesmo que não material. O monismo fisicalista considera a mente apenas como uma ocorrência que se dá no organismo (especialmente no cérebro, mas não só). Seria como que uma estrutura em funcionamento, algo dinâmico, e, segundo algumas opiniões, holográfico. Mas não substancial (no sentido filosófico e não químico da palavra).
Considero que a doutrina cristã, não importa o quão seja fundamentada em estudos bíblicos, encíclicas papais ou tratados dos doutores da Igreja, na súmula do seu conteúdo, é algo simplesmente horroroso. Essa é a palavra: “horroroso”. Vejamos:
O Universo teria sido criado por uma entidade a ele extrínseca, Deus.
Dentro tudo que foi criado, o ser humano reveste-se de especial significância, por ter sido criado “à imagem e semelhança de Deus”, e, portanto, dotado de mente, psiquismo, personalidade, inteligência, vontade, sensibilidade e livre arbítrio, atributos estes sediados em sua “alma”, entidade incorpórea e espiritual que se vincula a cada pessoa.
Além dos seres humanos, apenas os anjos, espíritos puros, possuem tais atributos. Em virtude deles, Lúcifer e um grupo de liderados seus rebelou-se contra Deus, sendo condenados à privação da convivência divina e ao sofrimento eterno em certo lugar (ou não lugar) denominado “inferno”.
Aos homens, Deus dedicou toda a criação para que sobre ela reinassem em harmonia e livres de todo sofrimento e da morte, usufruindo de todas as benesses da natureza.
Instados por Lúcifer, na forma de uma serpente, o primeiro casal humano desobedeceu a prescrição divina de não comerem o fruto da “árvore da ciência do bem e do mal”, nisto consistindo o “pecado original”, que foi de desobediência.
Em represália, Deus expulsou-os do paraíso e os condenou a ganhar o sustento com o suor de seu rosto, a sofrer dores de parto e a morrer, sem merecer a beatitude da contemplação eterna da face de Deus.
Debalde suplicaram os israelitas e seus profetas, em sacrifícios expiatórios de imolação de ovelhas primogênitas. Deus não se deu por satisfeito, mas prometeu a vinda de seu filho para redimir a humani-
dade.
E assim deu-se o nascimento de Jesus, por obra do Espírito Santo, do ventre de uma virgem. Jesus é o ser híbrido Deus-homem (com corpo e alma humanos, além da divindade). Trata-se da encarnação da segunda pessoa da Santíssima Trindade (uma vez que Deus, no cristianismo, é um ser tri-pessoal, seja lá o que isso for).
Com a imolação de Jesus em sacrifício propiciatório, Deus deu-se por satisfeito e permitiu que as almas humanas pudessem, após a morte, se tivessem morrido em estado de graça, ascendessem ao Céu, onde poderiam eternamente contemplar, em beatitude, a face de Deus, inclusive, após o Juízo Final, religadas a seus corpos.
Em que reside a horripilância disso tudo? Em que residem as incoerências dessa história?
A horripilância está na crueldade extrema de Deus de só se sentir aplacado de sua ira contra a humanidade com o sacrifício de um homem, que seria sua segunda pessoa encarnada, a si mesmo. Será que este ser não seria aquele a quem Deus mais amaria, pois era, em parte, ele mesmo? Como é cruel e vingativo este “Deus de bondade infinita”!
Afora isso, o que é da onipotência de Deus que permitiu a existência do mal? Ou ele não tem esse poder, ou se, tem, não deseja impedir, e, logo, não é bom.
Sem considerar que tudo isso só tem sentido se se aceitar o criacionismo estrito. A evolução do homem (e dos demais seres vivos) a partir de outras espécies, é incompatível com a existência de pecado original e, daí, da necessidade de qualquer redenção. Nenhum cristão convicto, católico ou protestante, pode aceitar a evolução como uma descrição real do surgimento das espécies sem renunciar a crer que Jesus seja algum redentor.
Não vejo bondade na redenção.
Considerando que o mal está na intenção e não na ação de fazer algo que reverta em sofrimento, dor, prejuízo ou qualquer dano a outrem (não apenas a outra pessoa, mas a qualquer ser), então, certamente que o mal só pode ser obra de seres que possuam consciência, como é o caso do ser humano. Mas, se foi um Deus que criou o Universo, então ele permitiu que isto pudesse ocorrer. Logo é conivente, pois poderia ter criado os seres conscientes (humanos ou outros que existam) sem essa capacidade. Conclusão: ou não somos obras de Deus ou ele não é bom.
Sem considerar a existência do mal não intencional, produzido pelos cataclismos da natureza e pelas doenças e acidentes, por exemplo.
Não considero como uma bondade Deus ter feito Jesus (acho muito esquisito chamar Jesus de filho de Deus, já que ele era o próprio Deus) ser sacrificado para redimir os pecados da humanidade. Bondade seria Deus perdoar os pecados simplesmente. Por que a necessidade desse sacrifício expiatório? Isto revela uma crueldade por parte de Deus.
O esclarecimento sobre o fato do céu e do inferno não serem lugares foi excelente e, de fato, eu tinha esta noção errônea. Mesmo considerando, como considero, que espíritos não existem, imagino que, se existissem (pode ser até que existam) não seriam entidades físicas, logo, não possuiriam atributos físicos, como extensão, volume, localização, massa, carga elétrica, cor, sabor, textura, estrutura etc. No entanto, possuiriam mente, memória, sensibilidade, percepção, inteligência, vontade e outros atributos psíquicos. O que não vejo é como seria uma possível interação entre algum espírito e o mundo físico. Assim eles não poderiam “ver”, nem “ouvir” ou nada que dependesse de sensores físicos para ocorrências físicas, como são a luz e o som. Só poderiam perceber pensamentos, que teriam a mesma natureza. Aliás, esta é a parte que me faz rejeitar a explicação dualista da mente.
Muitos cristãos consideram que a ressurreição do Cristo seja o evento magno de sua doutrina. Não é. A ressurreição foi uma encenação publicitária, para conceder verossimilhança a toda a história da encarnação e da redenção na pessoa do Cristo. Tendo ressuscitado ele provou ser, de fato, Deus e, portanto, capaz de redimir a humanidade por seu sacrifício na cruz. Os sacrifícios propiciatórios anteriores não teriam sido suficientes para aplacar a ira de Deus, que só se contentou com o sacrifício de si a si mesmo. É curioso como o cristianismo, concebendo a existência de três pessoas em Deus, de fato, é uma religião politeísta (no caso, triteísta), restando apenas o islã como monoteísta. Fé, esperança e caridade são as virtudes teologais da doutrina cristã. Mas que significado possuem de um ponto de vista externo às religiões, de um ateu como eu, que considera as religiões sob uma ótica apenas antropológica? Vejamos.
A fé é a aceitação, sem comprovação, de assertivas que se apresentam como verdades por terem sido reveladas pela própria divindade. No caso cristão, o ponto distintivo é a aceitação da morte de Jesus Cristo como a redenção, por seu sacrifício expiatório, de Deus a si mesmo, que liberou o acesso das almas dos que morreram em estado de graça à gloria eterna da contemplação de Deus no paraíso. Outras doutrinas religiosas fazem outras considerações e as propõem como verdades da fé. Para judeus, muçulmanos, hinduístas, budistas, espíritas e todas as demais, Jesus não foi o redentor, nem sequer Deus. Algumas consideram que Deus é unipessoal e não tripessoal, como o cristianismo. Algumas admitem vários deuses, outras nenhum. E todas elas possuem crentes sinceros, fiéis e piedosos, que levam a vida em santidade, segundo os preceitos de cada uma. Se a fé fosse alguma coisa válida como critério de verdade, teríamos várias verdades diferentes em vigor, o que é contraditório, pois a verdade tem que ser única. Como decidir qual delas é a verdade verdadeira? Certamente que não pela fé. Então a fé não é algo que possua algum valor. De fato, a crença em qualquer coisa não a valida, em absoluto. E a esperança?
A esperança está ligada à fé, no sentido que ter esperança é confiar que o que se deseja será atendido pela divindade. Se não se pode saber se há ou não alguma divindade ou se ela é sensível às súplicas dos que oram ou indiferente, então, ter esperança é algo inteiramente inócuo, no sentido se ter uma confiança de que acontecerá. O máximo que se pode é desejar que ocorra e torcer para tal.
Mas a caridade é inteiramente diferente. A caridade é uma virtude humana, que independe da existência ou não de Deus. Todas as religiões pregam a caridade e o humanismo naturista também. Porque amarmos uns aos outros é essencial.
Eu sou o caminho, a verdade e a vida.
Como se interpretaria esta frase, atribuída a Jesus? De início, supondo que ele fosse, de fato, Deus encarnado. Então, o que ele está dizendo é que ele é o caminho, mas caminho para onde? Pelo que entendo, para a salvação. Isto é, seguindo suas instruções, a pessoa seria salva. Mas o que é ser salva? Na exegese cristã é a alma não ir para o inferno, após a morte. Ao dizer que ele é a verdade ele estaria dizendo que o que ele diz é a verdade a respeito da realidade do homem e do Universo, e, especialmente, de seu próprio papel. E que papel é esse? Ser imolado em sacrifício expiatório para aplacar a ira de Deus pelo pecado original, de modo a que Deus, então, satisfeito, permitisse às almas que o contemplassem no céu. Ao dizer que é a vida, ele estaria dizendo que, só por sua intercessão, com seu sacrifício, e, logo, só crendo na sua história, a pessoa teria a vida eterna em beatitude, no céu. Caso não creia nele, estaria danada, ou seja, condenada ao sofrimento eterno no inferno. É isto o que eu entendo, e se não for, por favor, corrijam-me.
Muito bem. Por tudo o que consigo compreender, isso é um grandessíssimo engano. Ou Jesus nem existiu e atribuíram a um personagem fictício tudo o que ele diz nos evangelhos, ou, se existiu, era um lunático convencido de que era Deus, ou era um líder religioso comum que foi endeusado por seus seguidores ou, na pior das hipóteses, um charlatão, tipo Edir Macedo. Não tenho bases para optar por nenhuma dessas quatro opções, mas rejeito a quinta, de que, de fato, era Deus encarnado.
O ideal de santidade habita comigo desde a juventude e, mesmo tendo perdido a fé, continuo a persegui-lo. Vejo um sentido na vida, mesmo que não exista Deus. Ele está na doação de cada um ao próximo para que se construa um mundo bom e fraterno, justo e honesto, livre e verdadeiro, independentemente de qualquer recompensa ou punição eternas. E, sem Deus, a responsabilidade pela erradicação do mal e o prevalecimento do bem torna-se inescapável. Tenho um apreço muito especial pelos ensinamentos da vida do “poverello di Assisi”, desde que li, pela primeira vez, há quarenta anos, “I Fioretti”. Considero-o da estatura moral do próprio Cristo e da Buda. E, mesmo não sendo cristão, miro-me na pessoa de Jesus como modelo de homem a ser imitado. Todavia tenho sérias objeções a fazer aos dogmas básicos da doutrina cristã, que são a existência, unicidade e trindade de Deus, a encarnação e redenção do Cristo e, no caso do catolicismo, a presença viva na eucaristia e a mediação de Maria. Tenho discutido muito sobre isto. No entanto, não tenho encontrado quem possua argumentação suficientemente convincente para que eu possa rever minha opinião. Nutro um desejo sincero de que eu esteja errado, mas as evidências e toda a lógica me convencem de que estou certo. Gostaria de travar com alguém um debate como o fizeram Umberto Eco e o Cardeal Martini, ou Bertrand Russell e o Padre Copleston. Mas, acompanhando os franciscanos Duns Scotus e Guilherme de Ockham, de modo diferente do dominicano São Tomás, vejo que a razão não pode justificar a fé, e fico, não como os dois, mas com a razão.
No sentido de propiciar a maximização da felicidade, pode até ser que a crença em algum poder superior leve a pessoa a uma paz e tranquilidade que, como um entorpecente, lhe anestesie a razão e tire suas preocupações com o significado da vida, sua razão e seu propósito. No entanto, isso se dá às custas de viver iludido. E quando se percebe esse fato, a desilusão é uma grande fonte de infelicidade. Assim, acho preferível se encarar de frente a realidade de que não existe Deus nenhum, não temos alma eterna que vá sobreviver à morte do nosso corpo, e, logo, a morte biológica do organismo é a extinção total da consciência de modo irreversível, isto é, não mais existimos depois da morte. Também é bom se ter claro que nossa existência não tem razão de ser e nem propósito algum. Existimos por acaso e para nada.
Mas temos uma consciência, fruto da evolução biológica, devido à complexidade de nosso sistema nervoso. E ela nos pede uma razão para se viver. Que cada um procure a sua para apascentar sua consciência. Os valores morais, o bem, a bondade, a justiça, a verdade e a beleza não são valores privativos de religião nenhuma (não quero me restringir ao cristianismo), mas sim estoque comum da humanidade e não só podem como devem ser tomados como objetivos de vida, que a gratificam e concedem a quem os pratica a fortuna de gozar de uma felicidade plena, advinda da certeza de se estar agindo em conformidade com tudo o que faça aumentar o bem coletivo e a felicidade de todos. A responsabilidade do ateu em fazer prevalecer o bem e erradicar o mal é maior que a de qualquer crente, pois ele sabe que não há poder maior algum que fará alguma justiça, que só pelas próprias mãos dos homens pode ser feita. Assim, quem levar sua vida pelos parâmetros da virtude e do bem, sem confiar em poder sobrenatural algum, será uma pessoa feliz e realizada por saber que sua existência fez diferença para o bem deste mundo.
Metafísica existe e tem sentido sim. Só que não é nada a respeito de sobrenatural, isto é, de espíritos. É o estudo de natureza da realidade, de sua categorização, da conceituação das coisas que intervém no fluxo de ocorrências e, principalmente, da investigação da relação que esses conceitos guardam entre si. Nesse sentido é que digo que a Metafísica não é meramente um exercício gramatical, nem tampouco objeto puramente especulativo, mas também uma investigação fenomenológica (daí a palavra “verificativa”) sobre o comportamento relacional daquilo que ela conceitua. Assim a Metafísica (e toda a Filosofia) não se afasta metodologicamente tanto das ciências específicas, mas delas se diferencia pelo objeto de seu estudo.
Para mim está bem claro que Metafísica não trata do sobrenatural (que, aliás, não existe) mas sim dos aspectos não físicos da realidade, isto é, das abstrações, dos conceitos, das ideias e das relações que essas entidades guardam entre si e com as entidades do mundo físico (natural). Assim, são problemas metafísicos a investigação da natureza da realidade, a relação entre as ideias e o mundo sensível, a relação de causa e efeito, a razão e o propósito do mundo, a existência ou não de deuses e espíritos, a natureza da vida, o motivo e o propósito da existência. Dentro da Metafísica, um lugar central é ocupado pela Ontologia, que trata da categorização das coisas, de suas propriedades e da relação entre elas. Alguns filósofos, inclusive, consideram que a Filosofia se resume em construir conceitos. Mas há que se investigar. também, a relação entre eles, que não é uma construção mental, mas depreendida da realidade objetiva.
A analogia entre a explicação para o surgimento da vida de forma química ou pela intervenção de Deus com a da origem da bola de borracha na praia, não é apropriada. A questão não é ser mais ou menos provável, pois, como já disse antes, não importa o quão improvável seja, se não for impossível, pode acontecer. A questão é qual tem alguma plausibilidade. Digo que a criação por Deus é algo de extrema implausibilidade. Primeiro porque a própria existência de Deus não é plausível, segundo porque, mesmo que exista, a intervenção mágica de Deus na natureza para fazer algo à revelia do comportamento dela é de aceitação muito mais difícil do que a ocorrência de uma série de acasos e coincidências que tenham possibilitado o surgimento da vida. Se tudo só poderia ter ocorrido caso as condições elencadas tivessem se dado e se a vida existe, porque não considerar que, realmente, foi o que houve? Por que inventar um ser extranatural para fazer isto? E se há tal tipo de ser, achar uma explicação para o modo como ele intervém na natureza é muito mais difícil do que considerar que tudo tenha se dado naturalmente, por mais improvável que seja. A concepção ateísta do mundo é muito mais plausível que a teísta, ou mesmo a deísta e a panteísta. Não estou falando sobre a concepção cristã, nem a islâmica, a judaica, a espírita, a hinduísta, a zoroastrista, a budista ou qualquer outra. Estou falando simplesmente sobre a concepção de que exista algum Deus, quaisquer atributos que tenha, desde que seja um ser sobrenatural onipotente (nem precisa ser justo e bom). Veja-se que, pessoalmente, acho que seria ótimo se Deus existisse e tivéssemos uma alma imortal, de modo que nossos atos pudessem ser punidos ou premiados na vida que esta alma fosse ter após a morte do corpo que a suporta. Entre desejar e isso ser verdade, porém, vai uma enorme distância.
Sempre se diz que os quatro bilhões de anos de existência do planeta Terra seriam insuficientes para que o acaso pudesse construir um ser com a complexidade do humano (ou mesmo uma bactéria). Não é verdade. Se considerarmos a probabilidade de um arranjo aleatório de átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio e os outros elementos constituintes do corpo humano se agregarem na disposição específica que constitui nosso corpo é certo que sim. Mas não é este o cálculo que tem que ser feito. Primeiro é preciso calcular a probabilidade de se formar um aminoácido. Então, formados que sejam os aminoácidos, considerando-se cada um como a unidade, calcula-se a probabilidade de se formarem proteínas e moléculas replicantes (DNA e RNA). A partir desses tijolos, calcula-se a probabilidade de se formarem estruturas num grau mais elevado de complexidade, como vírus, e assim vão se agregando umas com as outras e elevando-se a complexidade gradativamente. Vê-se, então, que a probabilidade se torna muito maior do que a reunião direta dos elementos básicos. Por exemplo: Consideremos as 24 letras do alfabeto. A probabilidade de que elas se reúnam por acaso para formar um texto de 2000 letras é de (1/24)^2000 = 3,78E-2761. No entanto, para formar palavras de 10 letras é de (1/24)^10 = 1,58E-14. Se considerarmos a existência de 500.000 palavras na língua e 200 no tal texto, a probabilidade das palavras se reunirem por acaso no texto é de (1/500.000)^200 = 1,61E-1140. Multiplicando essas duas, temos: 2,53E1154, que é uma probabilidade 6,70E1606 vezes maior que a anterior. Se fizermos o cálculo passando pela etapa intermediária das sílabas então o resultado se torna maior ainda. Levando isto para a formação de organismos pode-se ver que o tempo de alguns poucos bilhões de anos é suficiente.
A ciência não precisa e nem pretende explicar “quem criou” o Universo, simplesmente porque não existe esse “quem” e nem o Universo foi “criado”. A ciência busca saber “como” o Universo surgiu. Inclusive a questão “porque” o Universo surgiu, isto é, porque existe algo ao invés de nada, não é objeto da ciência e nem é pertinente, pois não existe razão alguma para isto. Ou seja, a pergunta não tem resposta. É uma estreita visão antropocêntrica essa de atribuir a uma pessoa, isto é, a um ser dotado de inteligência, vontade e poder, a causa das ocorrências naturais. Mesmo quando existe alguma causa, ela não precisa ser atribuída à vontade de ninguém, mas apenas à própria natureza, que não é pessoa e nem tem inteligência nem vontade. No entanto, muitas vezes, o evento não tem causa nenhuma: é fortuito. Assim é o evento do surgimento do Universo, como muitos outros.
Por que ser ateu?
Porque é mais honesto, mais verdadeiro, mais coerente, mais responsável, mais racional, mais evidente, mais justo, mais simples, mais honrado, mais lúcido, mais inteligente, mais consciente, mais caridoso, mais comprometido com o prevalecimento do bem e a erradicação do mal, sem outorgar isto a nenhum hipotético preposto.
Dizer que algo é verdadeiro porque está escrito na Bíblia não tem fundamento algum. Se a Bíblia fosse a palavra de Deus não haveria discrepâncias entre as diferentes versões de copistas, pois Deus teria preservado sua palavra. Leiam o livro “O que Jesus disse? O que Jesus não disse?” de Bart Ehrman. Dizer que a fé é mais relevante do que o conhecimento filosófico ou científico também é falso. A fé é algo inteiramente descabido. Não há modo nenhum de garantir a veracidade de suas assertivas, tanto que existem muitas “fés” que pregam verdades conflitantes. Se fé for critério de verdade, como há pessoas de fé em todas essas correntes (judaísmo, hinduísmo, budismo, zoroastrismo, catolicismo, islamismo, protestantismo, espiritismo etc.), todas teriam que ser verdadeiras, o que não é coerente, pois a verdade, por definição, é única. Com qual delas está a verdade? Como decidir? É claro que não pode ser pela fé, pois assim cada um decidiria pela sua e ficaria tudo na mesma de novo. A escolha só pode ser pela razão, com os instrumentos da ciência e as elucubrações da filosofia.
As analogias e comparações, as estórias e os poemas são, de fato, belíssimos e comoventes em muitos casos. Eu também aprecio, escrevo poesias, narro histórias, pinto telas, faço músicas, toco piano e canto. Mas sei que são obras de ficção. Podem corresponder a fatos e coisas reais, mas não têm compromisso com isso. A história, a ciência e a filosofia, por outro lado, têm um compromisso com a realidade. Sua assertivas devem ser verdadeiras, isto é, consoantes com a realidade. Mas não a arte. Criar belas imagens e tocantes narrativas tem valor como realização estética e não histórica, filosófica ou científica. A Bíblia não é um livro desprezível, pois seu conteúdo retrata estórias de pessoas que, ao longo da história, buscaram a verdade de boa-fé. Mas não garante que a encontraram. Rubem Alves, assim, é um poeta, como o Rei David e o autor do “Cântico dos Cânticos”. A poesia não tem compromisso com a verdade. Isto não reduz o seu valor, mas o coloca na perspectiva correta. Já os Evangelhos, os livros dos Profetas, o Gênesis, o Livro dos Reis e os outros livros históricos da Bíblia deveriam ter e assim se propõem. Mas não indicam as fontes onde conferir sua veracidade. Veja este texto:
“Os poetas sabem que tudo começa com a Palavra. Antes da Poesia, o que havia era um abismo escuro e só se ouvia o ruído das águas do mar sem fim agitado por um vento furioso. Tudo era sem forma e vazio. Não havia beleza, não havia música e nem estórias....”
É lindo, mas inteiramente desprovido de sentido. Como poderia haver mar e vento no vazio?
Muita gente tem uma noção errada do que seja uma “Teoria”.
Não se trata de uma conjectura. Isso é chamado de “Hipótese”. As teorias são sistemas explicativos da realidade que abarcam uma abrangência de fatos correlatos sob um mesmo modelo teórico, que tenha sido aprovado em extensa bateria de testes comprobatórios. Isto é, que suas predições se confirmem em grande extensão, dentro do limite de aplicabilidade de seus pressupostos. Assim é a Teoria Atômica da Matéria, a Teoria da Relatividade, a Mecânica Quântica, a Genética, a Teoria da Evolução, a Termodinâmica, a Teoria Eletromagnética, a Cromodinâmica Quântica, a Teoria do Big Bang e muitas outras. A ciência, contudo, nunca pretende ter a explicação definitiva. Suas teorias estão sempre sujeitas a revisão, face a novas descobertas. Assim é que se aprimora o conhecimento. Algumas explicações encontram-se, ainda, em fase de elaboração, como é o caso da, impropriamente denominada, “Teoria M”, que engloba as p-branas e as super-cordas. A Teoria da Evolução, contudo, já é uma explicação solidamente estabelecida. Mas não é sobre a origem da vida e sim sobre o surgimento de espécies a partir de outras. Do mesmo modo, a teoria do Big Bang não é sobre a origem do Universo, mas sobre sua evolução, logo tenha surgido. A biogênese e a cosmogênese ainda não possuem uma teoria firmemente estabelecida. De modo que a hipótese de que tenham se dado por interveniência divina não é descartada. Todavia ela encontra sérias dificuldades em ser admitida, sem o concurso da fé, que, como disse, é algo inadmissível. O problema está em se explicar o processo de estabelecimento da relação causal entre algo de natureza não física e algo físico. Se isto não for obtido, de forma testável, então não se conseguiu, de fato, uma explicação.
Não se trata de “crer” no que diz a ciência ou a filosofia, mas sim em “saber” se tais ditos são verdades ou não. Por isto a ciência e a filosofia divulgam as fontes de suas conclusões, isto é, como se chegou a tal explicação, para que todos possam refazer os experimentos ou raciocínios e também tirar a mesma conclusão. Quando se tratar de mera opinião, isto é colocado bem claro. Não é o que se dá nas doutrinas religiosas. Suas proposições são postas como verdades reveladas, sem pistas dos métodos de verificação. Assim só podem ser aceitas com base na “fé”. É claro que todos os escritos científicos e filosóficos não são inspirados pelo Espírito Santo. Mas as ditas “Sagradas Escrituras” também não. São fruto da “opinião” de seus autores, que até poderiam crer que fossem inspirados por Deus. Sabe por quê? Porque não existe Espírito Santo nenhum. Se existisse ele teria inspirado textos inteiramente contraditórios, como o são as escrituras das diferentes religiões, que possuem milhões de crentes sinceros. Se a fé bastasse para garantir a veracidade delas, todas seriam verdadeiras, apesar de se contradizerem. Logo não podem o ser.
Quanto ao inferno, como o céu (dos bem-aventurados, não o astronômico), é claro que são meras quimeras. Quem morre acaba definitivamente. Seu “eu” desaparece. É como um sono profundo e inconsciente (ou uma anestesia) de que não se desperta nunca mais. É uma pena que assim o seja, pois, o fato de uma pessoa do mal não ser punida, se se safar de tudo, é muito frustrante. Mas é a verdade, infelizmente. A sociedade é que tem que zelar pela punição do mal. Essa responsabilidade é nossa e não de um pretenso Deus.
Não existe “Lei da Causalidade”. Causa é um evento cuja ocorrência provoque a ocorrência de outro, denominado seu “efeito”. A causa precede temporalmente o efeito. O que acontece é que nem todo evento é um efeito. Isto se chama “incausalidade” e é o mais comum, no domínio microscópico da natureza. No nível acessível diretamente à observação humana, os eventos experimentados pelos sistemas complexos exibem uma relação de causa e efeito. Daí se induz que tal fato seja uma necessidade universal, isto é, que todo evento seja efeito de alguma causa. Como toda indução, sua validade não é garantida e um único contraexemplo a derruba. Ora, isso é o que ocorre a todo momento no nível subatômico, como no decaimento radioativo e na emissão de fótons por átomos excitados (a excitação é condição e não causa da emissão). Logo tal lei não prevalece, sendo apenas um comportamento particular de alguns eventos (mesmo que fossem a maioria, mas não são).
Note-se, contudo, que causa e efeito são eventos e não seres. Um ser não possui causa. O que poderia possuir causa seria o evento de sua passagem da inexistência para a existência. Isto não é obrigatório, mas, mesmo que o fosse, não tem significado dizer que algo menor possa ou não ser causa de algo maior. Que “tamanho” é este que algo possuiria? Pelo que entendo, não há nada que possa ser maior do que o Universo, pois ele é o conjunto de tudo. E não pode haver nada menor do que coisa alguma, que se chama de “nada”, desde que se entenda que “nada” não é algo que exista, isto é, não é ser, tampouco ente. Contudo, mesmo que o Universo tenha surgido sem que houvesse algo que o precedesse, não se pode dizer que tenha sido causado pelo “nada” e sim que seu surgimento não tenha tido causa.
Considerar, e não “crer”, que Deus não exista não é algo religioso. O ateu não professa religião alguma. É preciso entender que uma religião é um complexo constituído de uma crença, uma doutrina, uma comunidade, uma entidade, uma liturgia, uma cosmovisão, edificações, leis, organização, pessoal etc. É o que se denomina uma “representação social”, como um partido político, um clube de futebol e assim por diante. Um ateu não participa de nada disso. Nem tampouco possui uma crença a respeito de entidades sobrenaturais. De fato, ele possui uma descrença. Note que não crer que Deus exista é diferente de crer que Deus não exista. Pode haver quem creia que Deus não exista. Não é o meu caso nem dos ateístas céticos. Nós não cremos que Deus exista, isto é, não temos crença alguma a respeito. Consideramos que assim o é em face dos fortes indícios de que assim o seja e da completa falta de evidências e comprovações de que assim não o seja, isto é, de que Deus exista.
A consideração de que o Universo tenha surgido sem ter sido criado não é subjetiva. Para começar, o Big Bang não foi uma explosão, mas um inchamento do espaço, inicialmente bem rápido. Depois, não se trata de uma hipótese, mas de uma teoria, confirmada por muitas evidências, diretas e indiretas. O surgimento do conteúdo que começou a expandir, ou sua pré-existência, é que ainda não possui explicação. Isso não significa que ela não exista, mas que não foi encontrada. Também não implica que se deva tributar tal fato à interveniência de uma divindade. Pode ser que o seja, mas isso é uma questão de verificação e não de crença. Crenças podem ser admitidas desde que plausíveis e, mesmo assim, sempre provisoriamente, até que explicações comprovadas por evidência ou racionalmente as substituam. Mas a fé, que é uma crença sem indícios de plausibilidade, não tem cabimento.
Certamente que tudo o que existe é real, pois real, por definição, é aquilo que existe. O que pode é não ser natural, pois nem tudo que existe ou possa existir é natural. O que pode existir, mas não existe não é real. Espíritos (incluindo Deus) pode ser que existam. Se existirem são reais, mesmo que não naturais. Além dos hipotéticos espíritos, outras categorias podem ser reais, sem serem naturais, como os conceitos, ideias, os números, as figuras geométricas, os valores, as normas, as estruturas e fatos mentais e sociais, e, possivelmente, outras. Certas concepções, contudo, são impossíveis, até mesmo de se fazer uma ideia, como um círculo quadrado.
Nem todo conhecimento é científico, decerto, mas crença não é conhecimento, pois conhecer é saber com garantia. Crenças podem ser aceitas na estrutura do conhecimento num caráter provisório, caso sejam plausíveis. Mas devem ser rejeitadas, caso se mostrem em desacordo com fatos. Tal não se dá com a fé, que, ao ser rejeitada, coloca a pessoa fora do conjunto dos fiéis àquela fé. Note-se que ter alguma fé ou mesmo uma vivência espiritualista, não implica em ser religioso, pois, para tal, não bastam as convicções de foro íntimo, mas a adesão a uma complexa representação social.
Pode ser que existam seres e ocorrências espirituais, não passíveis de detecção física, mas alguma forma de detecção há que se ter, ou algo detectável que seja impossível explicar, exceto com a hipótese da existência de Deus ou de espíritos. Caso contrário, tal existência é meramente uma especulação gratuita, como se dá com Universos Paralelos. Em minha opinião é exatamente o que ocorre com Deus e espíritos.
Como não há nada que exija sua existência para ser explicado, como não são evidentes e nem logicamente necessários, mesmo que possam existir (e, até, para mim, que seria bom que existissem) a atitude mais correta é supor sua inexistência.
O que a ciência busca são explicações para estruturas e fenômenos, certamente daquilo que existe e evolve. A existência de algo não implica em que tenha sido criado, mas que tenha surgido ou sempre existido. Pode ter sido criado ou surgido ao acaso. Além do mais, as coisas não são imutáveis, mas estão sendo, a cada momento, de modo diferente. A essência de um ser não é o que ele é de forma perene, mas o que está sendo em cada momento. Portanto nada continua no mesmo lugar e do mesmo modo, tudo está sempre mudando. Os homens são homens por enquanto. Antes não eram e no futuro não serão mais. Há 500 mil anos atrás não havia homens e daqui a alguns milhões não haverá mais. Mas haverá os transumanos que nos sucederão. E os animais e vegetais hoje existentes serão outros, como muitos de outrora não existem mais. Alguns poderão até adquirir inteligência e consciência comparáveis à humana atual. Cosmologicamente falando, galáxias se desfarão, estrelas deixarão de existir e novas se formarão. Outras Terras poderão surgir, nas quais poderão aparecer outras humanidades ou algo similar.
Quanto à descrição bíblica da criação, mesmo que se admita que um Deus a tenha feito, certamente que é um mito, uma lenda, uma ficção ingênua, uma compilação de crenças ancestrais dos povos primitivos da Caldéia e da Suméria, que deve ter evoluído de mitos mais primitivos ainda, gestados pelo homem em seu berço africano. Claro que, àquela época, não seria de esperar nenhuma explicação com base em evidências, como são as que se tem hoje. Mesmo quem creia em Deus não pode negar tais evidências, se se debruçar sobre seu estudo em profundidade.
A cosmogênese e a biogênese, tais como são descritas pela física e a biologia modernas, não são conjecturas vazias, mas decorrem de um modelamento descritivo calcado em sólidos indícios e evidências.
O homem atual é tal qual é apenas de uns trezentos mil anos para cá. Antes não era assim e futuramente não o será. Mesmo num tempo menor, muitas variações têm aparecido, como as mudanças étnicas que deram surgimento às variedades de pele negra, branca, vermelha, parda e amarela, com outras características distintivas, como olhos puxados, cabelo liso ou crespo, nariz fino ou largo etc. Os homens primitivos eram todos negros. Isso ainda não é uma especiação, mas é uma variação evolutiva surgida há meras poucas dezenas de milhares de anos. A redução do tamanho da mandíbula, que provoca a necessidade da extração dos dentes de siso é outra variação evolutiva moderna, como se deu antes com a diminuição da proeminência superciliar, a elevação da fronte, o recuo da boca, o surgimento do queixo, o encurtamento dos braços, o deslocamento para frente do polegar do pé, possibilitando a locomoção rápida, a exacerbação das nádegas, para possibilitar o equilíbrio na postura ereta e assim por diante. Tais mudanças podem ser gradativamente observadas nos fósseis dos elos intermediários evolutivos da espécie humana.
Na descrição da criação pelo Gênesis há muitas incoerências, além de incorreções. Para começar Deus criou a Terra antes do Sol. Ora, a Terra se formou a partir da matéria do Sol.
Depois Deus criou a luz antes das estrelas. Ora toda luz que existe vem de estrelas. No caso da luz que ilumina a Terra, desta estrela bem próxima que é o Sol.
Ao criar a Terra, fê-la com águas, antes de criar a terra firme. Ora, a água existente na Terra proveio do seu material ígneo, na forma gasosa, que, esfriando na alta atmosfera provocou chuvas que, ao tocarem o solo ígneo o foram esfriando, vaporizando-se, resfriando-se e precipitando-se novamente ao longo de centenas de milhões de anos até que a crosta esfriada possibilitasse à água ficar liquida sobre ela e se acumulasse nas depressões, formando os oceanos, que são posteriores à crosta sólida.
Deus criou as plantas antes dos animais e os terrestres antes dos marinhos. Ora, os animais surgiram nos oceanos muito antes de que as terras tivessem qualquer ser vivo. E os vegetais são posteriores aos animais, mesmo os terrestres.
Além disso tudo, a cronologia está completamente equivocada. Os registros fósseis, os estratos geológicos dos sedimentos e a datação radioativa das rochas mostram cabalmente que o surgimento do homem, há uns 300 mil anos atrás, se deu alguns bilhões de anos após o surgimento da Terra e centenas de milhões depois do surgimento da vida. E o Sol surgiu, pelo menos, um bilhão e meio de anos antes da Terra. Dizer que os dias do Gênesis não são de 24 horas não convence, pois nele mesmo se diz que esses dias são os dias em que o Sol e a Lua permutam de papel como governadores dos períodos de tempo, isto é, trata-se dos dias que consideramos como tais atualmente.
Achar que o surgimento do mundo se deu “ipsis litteris” como descreve a Bíblia, mesmo que se creia em Deus, é algo totalmente fora de propósito.
Certamente que o surgimento do Universo não se deu em consonância com as leis que ora prevalecem, pois elas nem existiam. Isso também não implica, por nenhuma consideração empírica ou racional, que tenha que ter sido criado por algum agente extrínseco a ele (sobrenatural) e não que tenha surgido espontaneamente. A suposição de que tenha havido a interveniência de um poder sobrenatural que tenha feito surgir (criado) o conteúdo substancial do Universo (campo, matéria e radiação), bem como o espaço-tempo sem que houvesse coisa alguma da qual tais entidades tenham provido é extremamente mais difícil de ser aceito por qualquer consideração lógica do que a de que tudo tenha surgido sem agente provocador nenhum. Porque, neste caso, não é preciso explicar nenhum mecanismo de ação causal entre algo não natural e a natureza, já que a ausência de tudo (o “nada”) não exige e nem proíbe coisa alguma, permitindo, assim, o surgimento incausado de qualquer coisa, inclusive tudo. Já a hipótese da criação gera a dificuldade de considerar que algo pré-existente, mas não pertencente ao Universo, isto é, Deus, tenha provocado o seu surgimento, que teria tido uma causa não natural. A ação de algo extranatural sobre algo natural é extremamente mais inadmissível do que a incausalidade, já que a improcedência substancial do Universo se daria de qualquer forma (a não ser que se considere que o conteúdo do Universo seja o próprio Deus – caso do panteísmo).
Existindo, não importa como tenha surgido, um conteúdo substancial no Universo (campo, radiação e matéria), bem como uma arena para os fenômenos por eles apresentados (o espaço-tempo) observa-se que um tipo especial de organização se manifesta: a vida. As evidências empíricas mostram que a vida, naturalmente (artificialmente ainda não foi produzida, mas poderá ser), se forma a partir de outra vida que lhe precede (inclusive considerando que a evolução das espécies ocorra pela própria natureza). Um ser vivo, “vivo” é um conjunto de átomos, de certa forma organizado e “funcionando”. A partida de tal funcionamento é dada pelo ser vivo do qual este originou-se. Admitido o fato de que todo ser vivo proveio de outro numa cadeia evolutiva, surge a questão de como originou-se o primeiro deles, pois que não existem desde a formação do Universo. Duas hipóteses se apresentam: a primeira vida originou-se de alguma estrutura não viva de forma espontânea ou foi provocada por uma interveniência extrínseca ao Universo, no caso, Deus (estou descartando, por absoluta improcedência, a consideração de que cada espécie tenha sido criada independentemente pelo Deus). Novamente se apresenta a problemática de como poderia se dar uma relação causal entre algo não natural e algo natural, que considero insuperável. Mas não a possibilidade de que as primeiras moléculas replicantes tenham se formado de forma aleatória, o que não contradiz a inexistência de geração espontânea, pois esta se aplica aos seres já desenvolvidos.
Mesmo que se considere que pudesse haver uma interveniência sobrenatural no processo, nada indica que ela seria proveniente de uma entidade “pessoal”, nem “única”, além de tal possibilidade não implicar em nenhuma das propriedades atribuídas ao Deus judaico-cristão-muçulmano, como justiça e bondade.
Existem dois conceitos de consciência, que, infelizmente, em português, são designados pela mesma palavra (mas não em inglês, por exemplo). O primeiro é a consciência psíquica que é a capacidade do ser reconhecer-se a si mesmo como distinto do mundo e o segundo é a consciência ética, que é a capacidade de discernir entre o bem e o mal. O ser humano possui as duas. Certamente alguns animais superiores possuem a primeira e já se cogita que outros também possuam a segunda. Bem e mal são conceitos inteiramente independentes da existência de Deus ou de alguma lei divina que os estabeleça. Aliás, as leis naturais e sociais não são prescrições ou normas, mas descrições de comportamentos. O ser humano tem a percepção do que lhe seja benfazejo ou maléfico, pela satisfação, alegria, prazer e felicidade que propicia, ao invés de prejuízo, incômodo, dor e tristeza. Como é racional, induz que provocar as primeiras impressões seja algo bom enquanto as segundas, algo mau. Daí a noção natural da ética. A moral é um sistema de normas que procura (mas nem sempre) nortear as ações para que sejam eticamente boas. Assim o são os dez mandamentos, mas bastaria um: “Não provocarás infelicidade”. Não há nada nesse comportamento que implique em supor a existência de Deus.
Por outro lado, agir em conformidade com os preceitos morais para ser premiado pela salvação ou para evitar a danação eternas revela mesquinhez de caráter. O bem tem que ser praticado e o mal execrado por si mesmos, independentemente das consequências que suas práticas acarretem para a pessoa.
A noção de que a natureza é bela e o Universo ordenado é falsa. Singularmente há um prevalecimento da ordem e da beleza na região em que nos encontramos e na escala de dimensões espaciais e durações temporais a que temos acesso. Todavia no macro e no microcosmo, bem como na mini e na micro biosfera, domina uma situação extremamente belicosa e caótica, verdadeiramente horripilante. Germes e anticorpos permanecem numa infindável batalha, muitas vezes vencida pelos primeiros, redundando em doenças, que, por si só, mostram a imperfeição da natureza. Nos núcleos das galáxias a situação é de uma terrível predação de massas umas pelas outras, sem o estabelecimento de nenhum padrão de ordem. Isso acontece também no cinturão de asteroides. Mesmo num nível mais próximo do humano, nos oceanos e nas selvas, presas e predadores vivem em contínuo embate. Entre os insetos é o mesmo que se dá.
A poesia da natureza e a beleza que se pode ver em muitas coisas são patentes e motivo de um sentimento de enlevo e êxtase contemplativo, que também compartilho. A ternura, o carinho e o desvelo de uma mãe amamentando seu filhinho, um gesto de solidariedade, enfim, há inúmeros exemplos comoventes de beleza e bondade, não só humana, mas provindo de todos os seres da natureza. Concordo plenamente. O que estou dizendo é que tudo o que existe de belo na natureza (e é muita coisa), não a caracteriza como “bela”, pois não se trata de uma regra geral, sempre presente, mas de um aspecto acidental, mesmo que bastante ocorrente. Da mesma forma que existe a beleza, existe a feiura, mesmo horrível, o sofrimento, a maldade, a dor. A natureza, em si, é indiferente a tais aspectos. Ela não é boa nem má, nem bela nem feia. Existe beleza e existe feiura, existe bondade e existe maldade. Só que estes conceitos não estão nas coisas em si, mas no modo com que nós, humanos, as vemos. Inclusive, isso varia com o tempo, o lugar e a cultura do observador. Por isso é que digo que não há uma razão para a natureza ser bela e ordenada, simplesmente porque ela não é bela e ordenada. Ela é indiferente. Ela não possui os atributos de inteligência e nem de sentimentos.
Por isso não se pode dizer que ela seja bela e nem que seja ordenada. Tais qualificativos não se lhe aplicam. Nós é que temos uma tendência de antropomorfizar as ações da natureza, tanto que inventamos o conceito de Deus como um ser interveniente na natureza, possuidor de inteligência, sensibilidade, volição e poder, isto é, Deus foi criado à imagem e semelhança do homem.
A beleza e a bondade existem sim e são objetos de especial valor e merecedores da máxima aplicação de esforços em sua obtenção. Mas são valores humanos. Numa natureza desprovida de seres conscientes e sencientes, não existiriam tais categorias.
Na verdade, o juízo que fazemos acerca da natureza tem o viés humanista, isto é, a natureza não possui, em si mesma, atributos do tipo inteligência, discernimento, afetos, desejo, volição ou alguma razão e propósito para fazer o que quer que seja. Apenas os seres de suficiente complexidade, como o humano (mas não só), concebem em suas mentes tais qualidades. A natureza não possui mente e, “a fortiori”, consciência. O que alguns denominam “consciência cósmica” é algo inteiramente sem fundamento, como também a noção de “Gaia”. A evolução do Universo se dá de maneira cega, à mercê das forças titânicas dos elementos, guiados pela aleatoriedade. Por acaso surgiu, neste rincão, uma espécie como a nossa, que se debruça sobre tais coisas e “filosofa”. Além disso, ela talvez seja capaz de interferir de modo consciente e com objetivo na evolução da vida e do cosmo, provido que seja tempo suficiente para que se atinja um nível de compreensão e domínio técnico de ferramentas capazes de tal proeza (se, antes disto, ela não destruir a si mesma). Enquanto isso, possivelmente, outras congêneres, em outras plagas, estejam com idênticos propósitos ou até mesmo, agindo nesse sentido. A consciência, como atributo da mente, é uma ocorrência (um epifenômeno?) do organismo (em especial do cérebro, mas não só), que advém de sua extrema complexidade estrutural e dinâmica, não tendo relação alguma com uma pretensa realidade sobrenatural, o dito “espírito”. A concepção monista fisicalista é a única consistente com todos os dados e, a cada dia, apesar das contestações, a neurociência progride em seu afã de explicar de modo puramente natural todo o psiquismo. Mas ainda é cedo para se ter um quadro definido. No entanto, isso não significa que ele não exista, pois tudo isso é muito recente. Deixemos passar umas boas centenas ou milhares de anos.
Os conceitos de belo e de feio também são humanos e inteiramente estranhos à natureza. De fato, há muito de belo na natureza. Nós consideramos belo aquilo que nos proporciona uma sensação agradável,
quando o cérebro interpreta o que os sentidos lhe comunicam, à luz de nossa vivência. Como somos seres que surgiram neste planeta tendo evoluído em adaptação a suas condições, consideramos belo o que nos propicia uma adaptação satisfatória ao meio. Mas existe muita coisa feia, horrível mesmo na natureza. A noção de que a natureza seja perfeita absolutamente não procede. Senão não existiriam doenças que causam sofrimentos atrozes e mortes em agonias insuportáveis. Não haveria pessoas más e cruéis, não haveria predadores que caçam e matam para comer suas presas, que fogem apavoradas de seu cruel destino. Não haveria cataclismos climáticos, como furacões e tsunamis, que matam justos e pecadores, como não haveria terremotos e erupções vulcânicas. No mundo dos pequenos insetos e dos micro-organismos reina um apavorante terror para a sobrevivência: os vírus destruindo as bactérias, os anticorpos lutando contra os germes. A vida, em seu nível profundo é uma constante e horrível guerra. A evolução é uma batalha de sobrevivência. E no nível cosmológico, galáxias fagocitando-se, estrelas explodindo, buracos negros descomunais engolindo milhares de estrelas nos núcleos dos quasares. Tudo isso, se analisado estatisticamente, mostra que a feiúra é mais abundante que a beleza neste Universo. Não estou dizendo que não haja beleza na natureza, mas sim que ela não é bela, o que tem outro significado. Isso não é uma questão de se acreditar e sim de se constatar.
Quanto às doenças, mesmo que se tenha o maior cuidado, delas nem sempre se escapa, pois nem todas provém de contaminação, podendo ser hereditárias ou congênitas ou, ainda, resultante de exposição à radiação cósmica, o que não se consegue evitar. Mesmo as infecciosas podem se estabelecer em uma pessoa que tenha o máximo de precauções higiênicas e em lugares em que o estado toma todos os cuidados com a saúde pública. Os danos causados por catástrofes naturais, mesmo que não saibamos quem sejam os justos ou os pecadores, certamente não selecionam as vítimas por nenhum critério, a não ser o acaso, que alguns chamam de sorte ou azar. De fato, a natureza não é bela nem feia, nem burra nem inteligente, nem fria nem calorosa para com nenhum ser existente. Ela é completamente indiferente a todos esses aspectos e suas ações não se pautam por nenhum critério ético ou estético. Tais valores são construtos humanos, que também podem ser encontrados em animais mais evoluídos ou nos que ainda estão por vir na sequência da evolução.
No entanto nós possuímos esses valores, e eles surgiram porque cultivá-los propicia, no todo do tecido social (já que somos gregários) a maximização do bem-estar, da paz, da harmonia, enfim, da felicidade, o que resulta em vantagem evolutiva, pela garantia da procriação e do sucesso adaptativo ao ambiente, condições que não se cumpririam satisfatoriamente se o homem não cultivasse um comportamento ético e de valorização do bom e do belo. Imagine como a humanidade logo se aniquilaria se, por exemplo, a gatunagem fosse erigida como norma geral de procedimento para todas as pessoas. Quem produziria os bens a serem roubados? O progresso e o bem-estar que propiciaram a explosão demográfica da espécie humana são resultantes da prática de valores relacionados à cooperação, à convivência harmônica, à solidariedade, a honestidade e a justiça. Na natureza, contudo, nada disso existe.
Primeiramente é preciso entender que o conceito de Deus é que foi concebido pelo homem à imagem e semelhança dele mesmo, para que pudesse dizer que ele, homem, fora feito à imagem e semelhança de Deus. Se considerarmos a imensidão do Universo, mesmo com a raridade das condições propícias ao desenvolvimento de vida inteligente que a Terra apresenta, ainda resta a chance de um a três planetas por galáxia. Como existem cem bilhões de galáxias, haveria uns cem bilhões de planetas com seres inteligentes. Certamente que não seriam todos como nós. E como Deus é previsto que seja um só, a semelhança com ele seria perdida.
Autoconsciência não é privilégio do ser humano. Experimentos com animais mostram que vários também a possuem, além dos outros humanos que se extinguiram e, decerto os hominídeos.
Da mesma forma há muitos experimentos animais sobre sua capacidade de abstração e do uso de linguagem. Em suma, nós humanos não somos qualitativamente distintos dos animais, apenas possuímos em grau mais elevado atributos psíquicos que animais também possuem.
No entanto, mesmo que nenhum outro animal possuísse auto-consciência (não falo de inteligência porque esta está mais que provado que animais possuem), isso não é prova cabal de que tal diferença só possa se dar por interveniência divina, de modo algum.
O homem se assemelha intelectualmente a Deus, porque ele inventou o conceito de Deus dessa forma. Deus não revelou nada ao homem, simplesmente porque Deus não existe. O homem é que colocou na boca do pretenso Deus o que ele queria que Deus dissesse.
Quanto à moral, já disse que não tem origem divina.
Ser bom não significa fazer o que Deus quer. Significa fazer o que provoca a maximização da felicidade global. Ao conceber a ideia de Deus, nem todos os povos a conceberam como a de um ser bom. Os deuses pagãos não eram bons. No Zoroastrismo, Arimã era uma divindade do mal. O Deus judaico era vingativo. Pelo que sei a respeito, a redenção, evento central do cristianismo, ocorreu devido ao pecado original. Ao criar Adão e Eva, Deus proibiu-os de provar do fruto da árvore do bem e do mal. Como eles o fizeram, Deus irou-se e expulsou-os do paraíso, condenando-os a viver com o suor de seu trabalho e a parir com dor os filhos, além de serem condenados a morrer (o corpo) e sua alma ficar impossibilitada a ascender ao paraíso. Sacrifícios propiciatórios foram feitos a Deus no decorrer do tempo (imolando inocentes cordeiros) em vão. Deus não se comoveu. Mas acordou que, se fosse feito um sacrifício infinito, então levantaria a proibição das almas ascenderem ao paraíso. Tal sacrifício só poderia ser de Deus a si mesmo. Então ele providenciou que sua segunda pessoa (já que ele é um ser de tripla personalidade) incorporasse a um homem (Jesus) completo (com corpo e alma) e esse ser híbrido fosse imolado em sacrifício propiciatório para que Deus (que também é Jesus) pudesse ser aplacado. Assim foi feito e, com sua paixão, Jesus abriu as portas do céu à humanidade para que os justos pudessem ir para o céu, a princípio somente a alma mas, após o juízo final, integralmente com o corpo e a alma.
Para que fizessem jus a isto, contudo, as pessoas precisariam crer em tal história e, além disso, de acordo com algumas vertentes do cristianismo (como o catolicismo) pautar sua vida pela prática do bem e das boas obras, estando em estado de graça, isto é, sem pecado mortal, no momento de sua morte. Pecados eventualmente cometidos poderiam ser desconsiderados se o pecador se arrependesse contritamente, confessando-os.
Mesmo considerando que Deus existisse, como ele seria cruel e vingativo ao exigir o sacrifício do próprio filho em expiação à sua ira. A redenção, que é a peça chave do cristianismo (já que a criação é comum às outras religiões monoteístas), é uma coisa absurda. Além do mais, para aceitá-la é preciso rejeitar toda a teoria da evolução e considerar a história de Adão e Eva com algo real, senão não haveria pecado original e necessidade de redenção. Não acredito em Deus, mas supor que Jesus seja Deus é pior ainda. A existir, penso que Deus ou seria o Deus de Voltaire (Deísmo), ou o de Espinoza (Panteísmo). Um Deus pessoal, isto é, que seja uma pessoa, com psiquismo, inteligência, vontade, sensibilidade, que interaja com a humanidade e lhe atenda os pedidos, ouvindo suas orações e a julgue, puna ou premie, para mim, é bem difícil de se admitir.
A verdade, pois, com relação a esta questão que é o cerne das religiões, consiste, exatamente, em saber se existe ou não Deus, caso sim, quantos e que atributos ele (na falta do gênero neutro na língua portuguesa) ou eles (e elas) teriam, se é uno ou trino, se Jesus é Deus ou não, que religião conta a história correta a respeito da criação. Se houve pecado original e redenção, ou ainda está por haver. Se há alguma alma que sobreviva ao corpo. Se há céu, inferno ou purgatório. Vê-se que são muitas questões e para elas, existem inúmeras respostas, conforme a doutrina religiosa que se considera, inclusive dentro do próprio cristianismo.
A questão da redenção, pedra angular da doutrina cristã, envolve, de fato, duas controversas. A primeira é sobre a maldade de Deus em exigir um sacrifício expiatório para os pecados, sacrifício de tal monta que só a imolação de seu próprio filho seria capaz de aplacar sua ira. É um absurdo! Se Deus é bom, porque não perdoou o pecado simplesmente, como Jesus pregava que devia ser feito? Isso de imolar cordeiros é uma coisa muito esquisita, se se considerar a religião cristã do ponto de vista interno. Antropologicamente falando, todavia, isto é, considerando que o cristianismo e todas as religiões foram invenções humanas, bem como o próprio conceito de Deus, tudo fica entendido num contexto de uma evolução de mitos pré-históricos, quando o homem, recém evoluído de seus predecessores mais simiescos, tendo adquirido inteligência, passou a buscar explicações para o desconhecido e as atribuiu a entidades personalistas e voluntariosas, porém invisíveis, já que, pelo que sabia, tudo era feito por algum ser animado.
Outro ponto é se era para haver um sacrifício, então foi tudo uma burla, pois, repito, na visão interna do cristianismo, Jesus era tanto homem quanto Deus (corpo, alma e divindade e não só corpo e divindade, como o queria a heresia apolinária). A ortodoxia católica, ortodoxa e protestante considera a “união hipostática” da humanidade com a divindade de Jesus, sendo ele, portanto (segundo esta visão) sempre Deus e sempre homem, indissoluvelmente. Logo não poderia ter morrido e, daí, não houve sacrifício algum. Outrossim é preciso considerar que a palavra da Bíblia não constitui verdade insofismável, exceto para que assim o admite por fé. Sob o prisma histórico e documental, há muitas contradições e improcedências em suas narrativas, sendo, inclusive, contestável a própria existência histórica de Jesus. Mesmo admitindo, como o faço, sua existência histórica, sua natureza dual é meramente conjectural.
Concordo em que a crença em Deus, na existência de uma alma espiritual imortal, em anjos e demônios, na divindade de Jesus Cristo, na descrição bíblica da criação e na questão do pecado original e da redenção, bem como nos dogmas principais de todas as religiões, como na revelação do Corão pelo Arcanjo Gabriel a Maomé ou dos princípios do Espiritismo pelo espírito Zéfiro (ou as obras do Chico Xavier, consideradas psicografadas pelo espírito Emmanuel), ou a iluminação atingida pelo Buda, os ensinamentos de Zaratustra ou as doutrinas ancestrais dos Vedas, na verdade, não diferem essencialmente dos conhecimentos mitológicos da Astrologia, da Numerologia, da Cabala, da Gnose ou de todas as doutrinas consideradas reveladas por entidades superiores aos homens. De fato, para mim, todas são produtos puramente humanos, mesmo que as pessoas que as divulgaram estivessem sinceramente convencidas de estar agindo sob uma inspiração sobrenatural. Assim, da mesma forma que a ampliação das informações e dos conhecimentos científicos foram desacreditando a Astrologia, a Numerologia e outros pseudoconhecimentos análogos, pela demonstração de sua absoluta falta de embasamento e confiabilidade, também as doutrinas religiosas, todas elas provenientes de um refinamento de conhecimentos de base mitológica, serão paulatinamente desacreditadas pela disseminação de métodos criteriosos e rigorosos de aferição da veritabilidade de suas assertivas, uma vez que já está cabalmente demonstrado que a fé, absolutamente, não pode servir de critério de validação da veritabilidade de qualquer assertiva ou de qualquer sistema de explicação da realidade. Assim as religiões deixarão de ter seu aspecto metafísico e passarão a ser apenas códigos morais de comportamento, podendo manter, como elementos folclóricos, num contexto de antropologia cultural, seus templos e cerimônias, como ocorre com os cultos dos indígenas civilizados. Deus teria provado o seu amor por nós de forma muito mais patente se tivesse perdoado o pecado original simplesmente, sem que fosse preciso sacrificar-se a si mesmo na figura de sua parte hibrida Jesus.
Dizer que Deus mandou Jesus fazer justiça por ele é considerar que Jesus não seja o próprio Deus e sim outro ser, o que se configura em heresia. O entendimento que se tem de Deus é justamente aquilo que as pessoas inventam a respeito dele, pois Deus é uma invenção.
Ninguém colocou Deus para governar o mundo (o Universo). O Universo simplesmente não tem governante nenhum. É totalmente anárquico.
É claro que algo deixado por conta própria não só existe, mas evolui. É assim que tudo se dá. A ciência nunca disse que isto seja impossível.
Não é preciso pessoa alguma para controlar a aplicação das leis da natureza a todo o Universo. A natureza comporta-se por conta própria. As leis da natureza não são “determinações” de comportamento nenhum, mas simplesmente “descrições” de como eles se dão.
Minha busca da verdade se dá por meio da investigação, da dúvida metódica, da constatação das evidências e da comprovação lógica, não por meio de nenhuma fé. Isto é inteiramente fora de propósito.
Assim, se as palavras de Jesus forem verdadeiras, então elas serão aprovadas pelo crivo de todos os testes de veritação. Não é preciso “crer” nelas, do mesmo modo que não se “crê” em nada do que a ciência explica, mas se é convencido pelas evidências e comprovações.
O fato de a ciência não prover explicação para tudo não significa que elas não existam dentro do contexto científico e nem que se precise apelar para explicações mitológicas para preencher tais lacunas. Inclusive porque, como saber qual dos mitos é o detentor da verdade?
O fato de que a probabilidade de que tudo o que existe tenha surgido por acaso ser muito baixa não impede que assim o tenha sido, como já comentei anteriormente. Há sempre alguém que ganha na loteria contra todas as probabilidades. Considerar a possibilidade da existência de entidades extrínsecas ao Universo, intervenientes no seu surgimento e evolução, é algo muito mais implausível do que admitir que tudo se tenha dado por acaso.
Porque seria necessário um sacrifício expiatório para Deus perdoar o homem pelo pecado original, isto é, porque ele não poderia simplesmente perdoar, como pregou Jesus? Não quero versículos bíblicos, mas argumentos.
Se a união da divindade e da humanidade de Jesus fosse indissolúvel, ele, como Deus, não morreria. Se morreu é porque sua parte humana dissociou-se da divina. Outra coisa, tendo ressuscitado e ascendido aos céus de corpo e alma, como seu corpo sobreviveria sem alimentos? E onde fica o céu? Se for no espaço sideral, sem apoio, então Jesus está em órbita? Mas o céu é só dos terráqueos? E os outros possíveis seres conscientes de outros planetas, que pode haver. Também foram redimidos por Jesus? Ou não cometeram pecado original? Ou houve outro Jesus lá? Ou o cristianismo não admite sua existência. Não estou fazendo brincadeira. Estou falando sério. Como se pode estender o cristianismo aos extraterrestres (que suponho que possa haver, mas não que possam comunicar-se conosco e nem nos visitarem)?
Uma pessoa inteligente, pode, deve e tem que questionar as informações constantes da Bíblia, senão irá abdicar de sua humanidade e se transformar em zumbi. É muito esquisito isso de Deus ter querido sacrificar-se a si mesmo para expiar nossos pecados. Acho uma parvoíce de Deus, caso exista.
Não contesto a possibilidade de poder haver um Deus incriado. O que contesto é que exista de fato. Como saber que existe? Porque, se não houver prova de que exista, há que se considerar que não exista. Isso não requer prova.
Não creio que a natureza tenha o poder de criar-se a si mesma.
O que considero (mas isto não é crença) é que nada foi criado e sim surgiu espontaneamente, sem causa e nem propósito. Não “do nada”, mas sem ter algo de que proviesse.
A ciência tem um crédito superior às crenças exatamente porque não pretende ser detentora da verdade, mas sim empenhada em buscá-la, a despeito de se derrubar todas as convicções. Porque a ciência
é honesta e verdadeira, enquanto as crenças insistem na validade de suas proposições sem comprovação. E como existem múltiplas crenças, com proposições contraditórias a respeito de vários fatos, não há como saber qual delas é verdadeira. A suposição mais sensata é de que nenhuma o seja. A fé, realmente, não tem credencial alguma para servir de critério de verdade.
“Sentir” a existência de Deus é uma experiência subjetiva que não garante, em absoluto, sua veracidade. Podemos “sentir” inúmeras coisas, inteiramente falsas.
De certa forma, mesmo que existam pessoas altamente inteligentes, informadas e cultas, que creem em várias modalidades de Deuses, nas diferentes religiões, considero que sua crença é um tipo de ignorância, a respeito dos fatos concernentes à existência de deuses. Em verdade, sua consideração de que Deus exista não procede de uma verificação racional e fatual, mas de uma adesão a uma crença, justificada por razões afetivas e emocionais, e não racionais. Não digo que os aspectos afetivos e emocionais sejam menos importantes do que os racionais na condução da vida, pelo contrário, tanto é que respeito a crença em Deus das pessoas. Só considero que, quanto a esse respeito, os afetos não garantem a veracidade e, então, lamento o fato de viverem uma ilusão, mesmo que ela possa ser consoladora e gratificante.
Não tenho medo de morrer e de castigo eterno nenhum, pois sei que isto não existe.
Pergunta-se: “Quem” apertou o botão para dar origem ao Universo ou criou as forças que o produziram? Essa noção de que seja necessário “alguém” (isto é, uma pessoa dotada de inteligência, vontade e poder) para produzir os eventos da natureza é inteiramente falsa. Trata-se de uma concepção humana, advinda da observação, desde tempos pré-históricos (ou mesmo de nossos predecessores pré-humanos) de que as ocorrências se davam por ação de alguém. Então, por extensão, os primitivos humanoides, consideravam que tudo requereria a interveniência de “alguém”, que, quando não identificado, foi inventado, na figura de um “gênio”, “espírito” ou “deus”, como causador do fenômeno (chuvas, trovões, raios, enchentes, vulcões, eclipses, nascer e pôr do Sol, fases da Lua e todas os fenômenos naturais). Com a evolução da humanidade e o surgimento das civilizações, tais coisas se transformaram em mitos, que, numa etapa posterior, passaram a doutrinas religiosas, consignadas nas diferentes “escrituras sagradas”, muitas vezes, umas espelhadas em outras, como as judaicas se basearam nas babilônicas, que o foram nas hinduístas e assim por diante. Tal encadeamento de considerações chegou até a algo tão sofisticado como o “Direito Canônico” da Igreja Católica, por exemplo. A ciência, contudo, pouco a pouco foi achando explicações naturais para tudo, de forma que o que provém dos conhecimentos mitológicos nada mais é do que “ficção lendária”, como a Bíblia, sem valor epistemológico algum.
Em resumo, não é preciso haver “ninguém” para apertar botão nenhuma e fazer surgir o Universo. Ele pode surgir por acaso, de forma espontânea, sem criador.
Peço argumentos racionais e fatuais pois não vejo por que a Bíblia seria depositária da verdade e não as outras escrituras, como os Vedas, o Corão, ou mesmo os escritos de Allan Kardec. Todos esses textos foram redigidos por pessoas que estavam convencidas de serem porta-vozes de Deus e, no entanto, escreveram coisas que se contradizem umas às outras. Há crentes sinceros, fiéis, pios e santos em todas as religiões, como há os aproveitadores desonestos da fé do povo. Então o critério para decidir em qual delas se encontra a verdade tem que ser extrínseco a elas. Até hoje, não vi em nenhuma, provas de serem as donas da verdade. O único e legítimo critério de verdade é a prova por evidências ou raciocínios válidos, em última análise, calcados em evidências. A existência do Deus abraãmico, bem como do pecado original, da redenção de Jesus, do juízo final e dos demais pontos fundamentais da doutrina cristã, são tão desprovidos de fundamento como a existência de Rá, Amon, Hórus, Isis, Brahman, Brahma, Shiva, Vishnu, Krishna, Maya, Yin, Yang, Aúra-Masda, Arimã, Allah (não tripessoal), Zeus, Apolo, Athena, reencarnação, metempsicose e outras divindades e conceitos das demais religiões. Todos eles, contudo, são objeto de citações nas escrituras sagradas de suas religiões.
A exigência de justiça por parte de Deus, em relação ao pecado de Adão e Eva, não tem nada a ver com sacrifícios expiatórios. Justiça se traduz em prêmio ou punição ao autor da ação objeto de apreciação. Sacrifícios ou oferendas são caprichos exigidos pelo Juiz em completo desacordo com o próprio espírito imparcial e desinteressado da justiça. A satisfação propiciatória de Deus apenas com o sacrifício de seu próprio filho Jesus revela um caráter mesquinho e egoísta de Deus, muito longe do padrão de bondade e santidade que se atribui a Ele.
Além do mais tudo isso só tem significado se se admitir a criação do homem diretamente por Deus nas pessoas de Adão e Eva, o que é inteiramente desprovido de confirmação, além de ser extremamente ingênuo.
A existência de personagens históricas, incluindo Jesus, Maria, Moisés, Abraão e outros da Bíblia é aceita face os testemunhos orais e escritos dos contemporâneos, transmitidos até os dias atuais. A existência de Deus não pode se basear no mesmo critério, senão seria preciso admitir a existência de todos os deuses da mitologia pagã, hinduísta e assim por diante. Se nós concordamos que os deuses mitológicos da Grécia e de Roma são invenções consignadas em textos, como a Ilíada e a Odisseia, porque não colocamos o Deus judaico-cristão-muçulmano na mesma categoria, mesmo que constem da Bíblia e do Corão? Por que seria a Bíblia uma revelação e o Corão não? Por que os cristãos têm fé? Mas os muçulmanos também têm! E, para eles, Jesus foi só um grande profeta, logo abaixo de Maomé, mas não o Deus encarnado. E nem existe nada de Santíssima Trindade. E quanto ao zoroastrismo, que considera o demônio uma divindade? E o panteão hinduísta?
Deuses não são evidências sensoriais diretas, como pessoas. Eu considero que Jesus existiu, mas não que seja Deus.
É claro que os argumentos racionais não abalam a fé, pois a fé é irracional. O que proclamo é que se precisa abandonar a fé, pois ela não tem cabimento. Pode-se crer sem prova, provisoriamente, em algo não comprovado, desde que haja fortes indícios, mas com a disposição de abandonar a crença quando evidências a derrubarem. Tal não se dá com a fé, que é proposta ser aceita sem discussão. Isto é inteiramente inadmissível. Concito a todos vocês que possuem fé, que a deixem em suspenso e façam uma análise crítica de seus fundamentos, como eu o fiz e a abandonei.
A questão fundamental do ateísmo não se prende a possíveis deslizes morais dos personagens bíblicos e nem, realmente, ao que a Bíblia ou qualquer outra escritura sagrada diga ou não. Todas elas são códices redigidos por pessoas, mesmo que convictas de sua inspiração divina, mas que, na verdade, expressam o modo de pensar de sua época, sua localização, sua etnia, seu extrato social e demais circunstâncias, além da opinião pessoal do próprio autor do texto. O fundamento do ateísmo, ao afirmar que não existem divindades de espécie alguma, nem tampouco semideuses, almas, anjos, demônios, gênios, djins, duendes, elfos, gnomos ou qualquer tipo de espíritos ou elementais de qualquer tipo é que não há comprovação nem evidência da existência de tais entidades e, portanto, tudo o que existe é natural, as únicas substâncias de que qualquer coisa seja feita são os constituintes naturais do Universo, isto é, matéria, radiação e campos.
É claro que o ateísmo considera a existência de abstrações, mas elas são apenas concepções mentais, não tendo existência sem mentes que as concebam. E as mentes são apenas ocorrências advindas da composição, estrutura e funcionamento do organismo, especialmente do cérebro.
Deuses são, pois, conceitos, ideias concebidas por mentes, sem existência no mundo real. Nada há que comprove sua existência e, como não são evidentes, a hipótese zero, isto é, “por default” considera-se que não existam, sendo requerida comprovação para considerar que existam. E isto ainda não se deu, pois, as pretensas “revelações” não comprovam coisa alguma.
É claro que existem cientistas que creem em Deus. Isso não prova que Deus existe, como o fato de haver outros que não acreditam não prova que não exista. Ou, ainda, alguns que, mesmo não sendo crentes, não aceitam a “Teoria da Evolução”. A questão é que a Teoria da Evolução (como atualmente entendida e não como originalmente formulada) é consensual na comunidade biológica, sendo seus detratores uma corrente marginal. E, note-se que, a Teoria da Evolução não faz nenhuma afirmação sobre a inexistência de Deus, apenas que as espécies evoluíram umas a partir das outras e não que foram criadas individualmente. Nem cogita do surgimento da vida, que é objeto de outras teorias, de biogênese, mas que mostram ser perfeitamente possível o surgimento da vida a partir da matéria inanimada, sem criação. Mas não diz que foi assim que ocorreu. No entanto, a inserção de um ente extranatural interveniente é perfeitamente dispensável, por não ser necessária.
Quanto ao Universo ser finito ou infinito, ter surgido ou sempre existido, são possibilidades inteiramente admissíveis na cosmologia, a serem decididas, não por informações mitológicas, mas pela análise de dados observacionais, que, no momento, ainda não são conclusivos a respeito. O que não significa que não venham a ser. Há que se aguardar. O fato de não se ter ainda uma certeza não significa que não se possa alcançá-la. Acontece que a humanidade é jovem no planeta (menos de um milhão de anos) e a ciência menos ainda (só uns 500 anos). Dá para esperar algumas dezenas de milhares de anos, ou mesmo milhões.
Mesmo que seja correta a ideia de que é preciso haver Deus para que o Universo e a vida tenham sentido, isso não garante que haja. Do mesmo modo eu gostaria que houvesse Deus, para que se fizesse justiça a uma pessoa má que tenha se dado bem na vida, cometendo atrocidades. Tal desejo não garante sua existência. No entanto, muita coisa mostra que é mais provável que Deus não exista. E, de fato, não há razão nem propósito para que exista tudo o que existe, inclusive o homem. Existe porque surgiu e poderia não ter surgido. De modo que a razão de ser de qualquer coisa é simplesmente existir e, se for vivo, viver. Seres conscientes como o homem sentem-se felizes e realizados quando encontram propósito para suas vidas. Cada caso é um caso. Os primitivos colocavam o sentido da vida apenas em garantir a sobrevivência e procriar. A civilização permitiu o ócio e com ele o surgimento da arte, da ciência, da filosofia, dos esportes, do lazer, da cultura. O homem, pois, começou a buscar outros significados para a vida e, dentre eles, a glória dos deuses que inventaram. Não só servir aos pressupostos desígnios do Deus judaico-cristão-muçulmano, mas de qualquer outro deles. No entanto tal significado, que aquiete a consciência, pode muito bem ser achado em realizações pessoais meritórias ao longo da vida. Bondade, solidariedade, generosidade, como todas as virtudes, são atitudes humanas que nada têm a ver com a existência de algum Deus (e sabemos que muitos conceitos de Deus não incluem o fato de serem bons. O próprio YHWH não é nada bondoso, mas cruel e vingativo – tanto que sacrificou seu próprio filho para satisfazer sua sádica necessidade de expiação). Não é preciso Deus para se achar um sentido para a vida. Eu, por exemplo, já fui católico fiel e piedoso, perseguia a santidade, ia à missa e comungava todo dia (no tempo em que era em latim), acompanhado no missal, rezava um rosário de joelhos todo dia e me aprofundava no estudo das escrituras e da doutrina.
Ao mesmo tempo me dedicava ao estudo de matemática, física, química, biologia, filosofia, geologia, astronomia, cosmologia, sociologia, história, música, literatura, artes plásticas, muito além do exigido na escola, pois sempre fui um “nerd”. Todos esses estudos e prolongadas e profundas reflexões me levaram, aos 19 anos, a concluir pela total improcedência da fé, qualquer que seja ela. Tornei-me, a princípio, agnóstico e, depois, ateu, da modalidade cética e não da dogmática. No entanto mantive meu alto padrão de exigência ética, concluindo que a busca da virtude e da verdade são metas elevadas a serem perseguidas por toda pessoa. E, principalmente, que nada têm a ver com religiosidade ou fé. No entanto a caridade permanece como uma virtude capital e o ensinamento de Jesus: “amai-vos uns aos outros” é a meta a ser seguida universalmente.
Nesse novo contexto vi que o objetivo da vida, para mim, especialmente na qualidade de professor (de física e matemática) é levar o esclarecimento e a atitude de livre-pensamento e ceticismo, no propósito de se encontrar a verdade, sem as muletas da fé. E de passar à ação efetiva para erradicar o mal e fazer prevalecer o bem, sem esperança de recompensa alguma, nem de salvação eterna, mas pelo valor do bem em si. A responsabilidade do ateu é maior ainda, pois ele sabe que não há outra vida para punir o mal e recompensar o bem. Isso tem que ser feito nesta vida, pela sociedade. Assim considerada, a vida passa a possuir um valor inestimável, pois é única. É nessa perspectiva que vejo não haver necessidade de Deus nem vida eterna para dar significado à vida, que passa a residir nela mesma. Assim procedendo a mente se compraz e traz a satisfação de sentir que a vida de cada um faz diferença para a paz, harmonia e felicidade do mundo.
Santidade é um ideal de toda religião, não apenas a cristã. Ser santo é levar uma vida virtuosa e sem pecado. Isso pode e deve ser a meta de toda pessoa, tenha qualquer religião ou nenhuma. De fato, a história mostra que Jesus foi um santo, tanto quanto Buda, Sócrates, Francisco de Assis, Mahatma Ghandi, Zarthustra, Moisés, Chico Xavier e outros. Não conheço a vida dos grandes líderes protestantes a fundo para dizer se Lutero, Calvino e outros foram santos. Henrique VIII, certamente não foi. Mas, sem dúvida, há santos protestantes e evangélicos, bem como muçulmanos, budistas, hinduístas, espíritas, judeus, pagãos e... ateus. Sim, se entendermos por santo o virtuoso e por pecado um ato em desacordo com os princípios elevados da ética.
Pessoas que possuem uma fé firme e sincera na existência de Deus, em geral, não concebem que alguém possa considerar que Ele não exista. Isto é um engano. Há ateus, como eu, convictos da inexistência de Deus na plenitude de sua consciência, inteligência, sentimentos, afetos e vontade. Mesmo que alimentem o desejo de que exista, o que seria ótimo, mas não se fosse o Deus abrahãmico judaico-cristão-muçulmano. Este não é nada misericordioso nem justo como afirma o refrão islâmico “Allah é misericordioso”. O conceito que os homens fizeram dessa entidade é de uma pessoa cruel e vingativa, caprichosa, voluntariosa e volúvel, egoísta e vaidosa, em suma, um péssimo exemplo para ser seguido. Moisés e Maomé também não são nada exemplares. Jesus sim, mas, não é nada parecido com Deus. Saulo de Tarso, Agostinho de Hipona e outros padres da Igreja deturparam a mensagem fraternal de Jesus e consolidaram uma Igreja mesquinha e obtusa, que promoveu, por exemplo, a morte de Hipátia, as Cruzadas e a Inquisição. Calvino não fica atrás em sua perseguição aos infiéis, de modo semelhante aos fundamentalistas islâmicos do Talibã. Henrique VIII é uma tragédia. É triste o quanto as religiões fizeram de mal à humanidade (inclusive o paganismo perseguindo os cristãos), bem como as ideologias totalitárias fascista, nazista e comunista. Atualmente vemos escândalos em algumas igrejas neopentecostais de índole comercial, como também os conflitos de pretexto religioso na Irlanda, em Israel e outros lugares. Nada disso teria ocorrido se Constantino não oficializasse, por interesse, o cristianismo e o impusesse ao povo e ao Império sob o poder da espada e da fogueira, como prosseguiram exemplarmente os imperadores bizantinos, os czares da Rússia, os reis de Espanha e até presidentes norte-americanos, inimigos do livre-pensamento, este sim, promotor da tolerância, da paz, da harmonia e da felicidade para todo o mundo.
Não é preciso fé para ser ateu. Esta é a condição normal da pessoa ao nascer. Posteriormente é que ensinam à criança que existe Deus e lhe passam suas características, conforme a religião dos pais, bem como as práticas litúrgicas dessa religião. A criança, que confia nos pais como fonte de conhecimento do mundo, aceita isso e uma porção de coisas sem provas, pois é o modo que tem de integrar-se no mundo e sobreviver. À medida que cresce vai verificando e contestando muito do que aprendeu, rejeitando alguma coisa e preservando outras, conforme conclui por sua veracidade. A fé, contudo, é algo à parte, pois lhe é ensinado também que não pode ser contestada. Poucos ousam checar sua validade, mas, quando o fazem, se suficientemente embasados de conhecimentos sobre todas as coisas e com boa habilidade de raciocínio, concluem que não pode ter fundamento algum e a rejeitam. Justamente, então, pela rejeição da fé e não por ela, tornam-se ateus novamente, como nasceram.
É claro que as injustiças não são obra de Deus, já que Ele não existe. São obra das pessoas e temos o dever de coibi-las, para implantar um mundo justo, harmônico, pacífico, fraterno e feliz para todos.
Ter exigido o sacrifício de Jesus para expiar os pecados da humanidade não é um ato de amor e sim de requintada crueldade. Amor é perdoar incondicionalmente. Inclusive esse negócio de vedar a ida para o céu (para quem crê nisto), até para os justos e bondosos, antes de Jesus, mostra um caráter mesquinho do suposto Deus. Condenar os maus é admissível, mas porque vedar o céu aos bons?
Há cristãos que consideram que só quem aceita Jesus como salvador vai para o céu. E os bons muçulmanos, budistas e de todas as outras religiões, como ficam? Eles são pecadores por não serem cristãos?
Muito esquisito isso.
Os experimentos de Pasteur não contrariam a teoria da Evolução em nada, nem tampouco a biogênese (que não tem nada a ver com a evolução), pois o que ele mostrou é que, nas condições atualmente vigentes e nos intervalos de tempo envolvidos (da ordem observável em uma vida humana) a vida só provém de outra vida. Certamente que noutras condições, foi preciso que a vida surgisse sem que proviesse de outra, pois nem sempre existiu. Então, ou foi criada por algo com poder para tal, previamente existente (Deus) ou surgiu espontaneamente da matéria inanimada em processos especiais e ao longo de um grande tempo, no início da existência da Terra (ou de outro planeta e, então, transportada para cá). Mas isso não consta da Teoria da Evolução, que também considera que vida vem da vida, só que pode passar de uma espécie para outra, também ao longo de grande tempo.
O ateu, como todas as pessoas, tem crenças. Mas fé é outra coisa.
Crença é a aceitação da veracidade de assertivas não evidentes nem comprovadas, com base em indícios convincentes e de forma sempre passível de rejeição, logo surjam evidências ou provas que a desmereçam. Fé é uma crença com base em relatos sem indícios de veracidade e estatuída de modo a ser definitiva e imune a contestações, mesmo que evidências e provas lhe sejam contrárias. Por isto a fé é algo inadmissível, mas não as crenças. Eu, por exemplo, creio que existe um mundo exterior à minha mente, mesmo sem provas nem evidências de que tudo que percebo não seja mera ilusão, mas devido a fortes indícios, advindos da concordância dos testemunhos independentes de diferentes sujeitos. A crença na veracidade dos relatos históricos advém, exatamente, do cotejo crítico de diferentes testemunhos, mas está sempre em processo de revisão. Do mesmo modo as afirmações científicas são sempre provisórias e nunca se tem certeza de que se possua a verdade. Isso é que é o maior mérito da ciência, enquanto as doutrinas religiosas são dogmáticas e pretensamente infalíveis. No entanto isso não é verdade nem dentro das religiões, tanto é que surgiram várias vertentes do cristianismo. Como saber qual a que está com a verdade? A Batista? a Presbiteriana? a Católica? a Ortodoxa? E o Judaísmo, o Islã, o Hinduísmo, o Budismo, o Espiritismo, por que não são a religião verdadeira? Como saber?
As pessoas não são más nem boas ao nascer. Todos temos capacidade de fazer o bem e o mal. Nenhuma criança nasce naturalmente adoradora e sim ateia. É a educação que nos faz ver que o bem é melhor do que o mal, para garantir a maximização da felicidade para o maior número de seres. Dos dois instintos primários, o da sobrevivência e o da procriação, o primeiro é egoísta e o segundo altruísta. A civilização mostrou que o egoísmo não contribui para o bem-estar geral, daí as religiões pregarem normas altruístas, pelo menos para o povo em geral. Os detentores do poder político, militar e religioso, muitas vezes, para si mesmos, não aplicam as normas que preconizam. O mal, contrariando Agostinho de Hipona, não é a ausência do bem e sim algo positivamente deliberado para causar prejuízo, sofrimento, desprazer, infelicidade, mal-estar e tudo que possa ser ruim. Considero que a punição do mal é justa, necessária e pedagógica, para que não prevaleça na sociedade o proveito de poucos em detrimento de muitos. Isso é um trabalho que a sociedade tem que fazer. Quanto ao pecado de Adão ter sido herdado por toda a humanidade, trata-se de um completo despautério. Mesmo que exista Deus e tenha havido a criação de um único primeiro casal (o que é altamente controvertido), se esse Deus, de fato, estendeu a toda sua descendência essa culpa, ele não é nem um pouco justo e muito menos bondoso. De fato, tudo isso é meramente uma lenda. A verdade é que não há nem Deus, nem alma, nem anjos, nem demônios, nem céu, nem inferno, nem pecado original. Todas as religiões possuem a mesma validade, isto é, nenhuma, ou seja, todas são falsas. Se o Universo testemunha o criador, então ele mostra que ele é bem incompetente, tal é o número de imperfeições existentes no mundo, para começar, doenças, cataclismos, maldades. Pode ser que isto tudo tenha sido criado por um Deus, mas bom é que ele não seria.
Em verdade a criança nasce agnóstica, isto é não acha que Deus existe e nem que não existe. Aliás não tem a mínima noção do que seja isso.
A ciência ainda não achou todas as respostas porque é muito jovem. A própria humanidade não tem mais de 300 mil anos. A civilização só uns 10 mil e a ciência uns 500. Os progressos da ciência são imensos, mas muitas respostas só surgirão daqui a centenas ou milhares de anos (ou mais ainda). A ciência não pretende ser dona da verdade, mas a busca com afinco, paciência e perseverança, jamais considerando estar com a palavra final e sempre duvidando de si mesma. Essa é sua grande virtude, enquanto as doutrinas das religiões já consideram que estão com a verdade inquestionável, cada uma delas estigmatizando as outras como falsas. Nessa babel, como saber onde fica a verdade? Por que a fé assim o diz? Mas existem pessoas que têm fé firme e sincera em todas as religiões e creem em coisas diferentes. Logo a fé não pode ser critério de verdade. Por que a sua e não a de Maomé ou de Buda?
Com razão não se pode determinar que Deus não exista. Nem que exista! E como sua existência não é evidente, por “default” considera-se que não exista até que se prove que existe. Tal proeza ainda não foi realizada. Só se aceita sua existência com base na fé, que já mostrei que não pode ser critério de verdade.
Pelo que me consta, a incidência de drogados, alcoólatras, pedófilos e devassos em geral é muito menor entre muçulmanos e budistas do que entre os que se dizem cristãos (mas, de fato, não o são, pois, o verdadeiro cristão é o santo).
Dizer que Deus não existe, mas “é”, é justamente o que considero que seja, isto é, Ele tem essência mas não existência. Deus é uma entidade conceitual, isto é, algo que pode existir, mas não necessariamente existe. Não existe nada que exista por necessidade. A afirmação de Tomás de Aquino de que a essência de Deus é a sua existência não procede. A prova ontológica de Avicena, Anselmo, Descartes, Leibniz e até Gödel é uma falácia. Tudo que existe poderia não existir. Um ser é um ente que existe, enquanto está existindo. O ser, pois, não “é”, mas “está sendo” ao longo do tempo. Um ente “é”, pois, um conceito pode ser permanente, enquanto o ser real que ele descreve está em permanente mutação, mesmo Deus, se existisse. Existir é estar presente no mundo, entendendo por mundo não o planeta Terra, mas o Universo físico acrescido de tudo o que não for natural também. Deus, se existisse, seria um ser. A existência de um ser é algo que requer verificação, ou pela constatação da evidência sensorial de sua existência ou pela comprovação lógica indireta dela. Algo que seja o que for e não existir é apenas um conceito, uma ideia. Não é real no mundo, isto é, não existe independentemente de mentes que o concebam. Nesse caso concordo de que Deus não existe como realidade no mundo (que pode incluir espíritos, se houver), mas apenas como conceito nas mentes. Assim ele “é”, tem uma essência (que é a descrição da substância e das propriedades que fazem algo ser o que é e não outra coisa), mas não existência. Sem existência nada pode ser percebido e nem agir sobre qualquer coisa. Assim Deus não criou nem cria coisa alguma, não ouve preces e nem interfere no mundo, já que não existe.
No Universo existe beleza e existe feiura, existe bondade e existe maldade, existe perfeição e imperfeição. Nada disso tem a ver com a existência ou não de Deus. A noção de que a natureza é bela e o Universo ordenado é falsa. Singularmente há um prevalecimento da ordem e da beleza na região em que nos encontramos e na escala de dimensões espaciais e durações temporais a que temos acesso. Todavia no macro e no microcosmo, bem como na mini e na micro biosfera, domina uma situação extremamente belicosa e caótica, verdadeiramente horripilante. Germes e anticorpos permanecem numa infindável batalha, muitas vezes vencida pelos primeiros, redundando em doenças, que, por si só, mostram a imperfeição da natureza. Nos núcleos das galáxias a situação é de uma terrível predação de massas umas pelas outras, sem o estabelecimento de nenhum padrão de ordem. Isso acontece também no cinturão de asteroides. Mesmo num nível mais próximo do humano, nos oceanos e nas selvas, presas e predadores vivem em contínuo embate. Entre os insetos é o mesmo que se dá. Se fossemos perfeitos, não ficaríamos doentes e nem morreríamos. Além disto, nunca cometeríamos erro algum, tem teríamos lapsos de memória, nunca mentiríamos, nem faríamos (nenhuma pessoa) qualquer ação malévola, desonesta ou, mesmo, desintencionalmente desastrada ou equívoca. A constatação de que nós não somos perfeitos é patente, não apenas nós, mas tudo na natureza.
A noção de que a natureza é perfeita é uma ilusão. Existe muita imperfeição na natureza, além da existência deliberada do mal nos seres volitivos e conscientes, como o ser humano e alguns outros animais superiores. A perfeição, como a verdade, não é um dado estabelecido, mas um ideal a ser perseguido, um objetivo, uma meta, cada vez mais aproximada, à medida que esforços são para isso voltados. E porque fazê-lo, se não se pode atingi-lo? Porque esse padrão é um ideal do bem em si mesmo. Porque é o que é certo fazer, tenha-se ou não recompensa por isto ou punição por não o tentar. Quanto mais próximo da perfeição o mundo se tornar, mais disseminada será a felicidade para todos os seres e mais razão será encontrada para a existência, já que esta não tem nenhuma razão externa para ocorrer, mas que a presença de uma mente consciente em nosso ser é de tal forma estruturada que busca aquietar-se no encontro de uma razão para a existência.
Se a perfeição da natureza for usada como comprovação da existência de Deus, então precisamos considerar que Ele não existe mesmo ou então, que é incompetente em produzir sua criação. De fato, a imperfeição não prova que Deus não existe, pois não há exigência de que Ele tenha que fazer tudo perfeito. Mas não se pode basear na perfeição da natureza para confirmar que Deus existe, pois, ela não é perfeita, de jeito nenhum.
Não estou me referindo apenas à maldade humana, mas à maldade que muitos seres, mesmo inanimados provocam, como os cataclismos naturais, os predadores, os germes patogênicos etc. Tudo isto ocorre e ocorreria da mesma forma se não houvesse a espécie humana.
Guerras, pestes, cataclismos e coisas assim vêm ocorrendo no mundo há séculos e sempre se diz que os dias do apocalipse chegaram. Os apóstolos achavam que veriam o juízo final em suas vidas. Nada ocorreu. No entanto a vida continua... Tudo o que está havendo hoje, já aconteceu pior e o mundo não acabou. A humanidade tem fôlego para ainda sobreviver por alguns milhões de anos antes de se extinguir. Então, muito provavelmente, outras espécies transumanas que a evolução der surgimento nos substituirão, como várias novas surgirão em substituição de muitas atuais. Aliás, é preciso se esclarecer o que se entende por “fim do mundo”: a extinção da espécie humana, permanecendo o resto? A extinção de toda a vida na Terra? A aniquilação do próprio planeta? E outros planetas, que porventura abriguem vida também? Seria a aniquilação do Universo inteiro? Certamente que a vida neste planeta ficará impossível dentro de poucos bilhões de anos, quando o Sol começar a expandir-se, acabando por engolir a Terra. Quanto ao fim do Universo, há várias hipóteses: a morte térmica, em 100 bilhões de anos, o big-crunch, o big-rip, ou, quem sabe uma súbita aniquilação total, com retorno ao nada primordial, por mera flutuação quântica do estado total do Universo. São conjecturas, mas, tão ou mais plausíveis que o drama apocalíptico, este sim, uma obra prima de ficção científica.
Talvez vocês se perguntem por que insisto em tentar convencê-los da inexistência de Deus, como aliás o faço com todo mundo. Considero esta a missão a que me propus, ao lado de espalhar o máximo de conhecimento científico, filosófico, histórico e, mesmo, religioso, sob uma ótica abrangente e antropológica, isto é, sobre a gênese, doutrina e estrutura de todas as religiões. Sou ateu porque é mais honesto, mais verdadeiro, mais coerente, mais responsável, mais racional, mais evidente, mais justo, mais simples, mais honrado, mais lúcido, mais inteligente, mais consciente, mais caridoso, mais comprometido com o prevalecimento do bem e a erradicação do mal, sem outorgar isto a nenhum hipotético preposto.
De fato, considero que as pessoas que acreditam em Deus cometem um grande equívoco e desviam seu tempo, sua energia e seus recursos para algo inócuo, enquanto poderiam despendê-los no trabalho de tornar o mundo melhor, mais justo, equitativo, honesto, fraterno, pacífico e feliz para todos
Outra concepção que abraço e procuro divulgar é o anarquismo.
A palavra “Espírito” no livro do Conte-Sponville não significa uma entidade etérea, mas tem a conotação de ideia predominante, sentido ou significado. Por outro lado, é preciso entender que “espiritualidade” não tem nada a ver com “espíritos”. Entendo por “espírito” um tipo de entidade etérea, não física, incorpórea, imaterial, que não tem massa nem volume, nem cor e nenhuma propriedade física, como posição, velocidade, não emite som nem luz, mas possui individualidade, autoconsciência, raciocínio, emoção, vontade, personalidade, temperamento, caráter e é capaz de ter uma percepção do mundo físico, além de poder agir sobre ele, provocando efeitos físicos oriundos de uma causa não física, e ainda ser capaz de captar pensamentos e, possivelmente, comunicar-se diretamente com as mentes dos seres vivos. Na concepção dualista do mundo, considera-se que o espírito seja a sede do psiquismo e a substância da “alma”, isto é, da componente do ser vivo que lhe vivifica o corpo. Assim, a vida seria dada ao corpo pelo espírito, que, então, seria sua alma. Assim concebidos, alma e espírito se confundem, pelo menos para os seres humanos.
Mas haveria espíritos que não seriam almas de nenhum corpo, como os anjos e demônios. E, quando desencarnadas, as almas seriam simplesmente espíritos, não estando vivificando nenhum corpo. Tenho para mim que tal tipo de coisa simplesmente não existe e só conseguirei aceitar que exista se isto me for demonstrado de forma cabal e inequívoca, o que, até hoje, não vi.
Por outro lado, entendo a espiritualidade como uma elevação mental, isto é, uma dedicação e um comprometimento de toda a inteligência, da vontade e da sensibilidade com os padrões mais elevados não só de conduta, mas também de interesses.
Considero que a citação de ditos de outras pessoas não tem valor por terem sido ditas por quem as disse, mas apenas se, em si mesmas, forem válidas, verdadeiras e convincentes. O fato de alguém ter sido um expoente em algum aspecto não faz com que tudo o que diga seja igualmente valioso. O próprio Einstein, cuja obra estudei extensa e profundamente, pois minha especialização, em Física, é na Teoria da Relatividade e em Cosmologia, fez muitas afirmações erradas em Mecânica Quântica (teoria de que foi um dos fundadores, inclusive), como a famosa: “Deus não joga com dados” a respeito da interpretação probabilística da função de onda. Isso devido a suas arraigadas convicções deterministas. É preciso que estejamos dispostos a abandonar nossas mais profundas e caras convicções face a verdades evidentes e comprovadas. Nada é definitivo. Citações de versículos da Bíblia ou suratas do Corão não significam atestados de veracidade. Em cada caso há que se analisar o que é dito, o que significa no contexto em que foi escrito e se corresponde a coisas ou fatos realmente verdadeiros por critérios científicos e filosóficos de validação. Fé não garante validade a coisa alguma, como já explanei inúmeras vezes.
Para finalizar essas considerações quero discutir a questão levantada por muitos que, mesmo acatando as argumentações sobre a inexistência de qualquer tipo de realidade sobrenatural, ainda receiam abraçar convictamente o ateísmo por medo de estarem equivocados e, existindo mesmo Deus, alma, céu e inferno, serem condenados à danação eterna por terem se tornado ateus. Trata-se da “Aposta de Pascal”, pela qual ele argumenta que, como não se sabe se Deus existe ou não, por garantia, mesmo que se esteja errado, é melhor considerar que exista, para não perder a alma. Bem, supondo que Deus exista e que seja bom, se se concluiu, de boa-fé, por sua inexistência, isso foi feito com o uso da inteligência que teria sido um dom dado por ele. Então ele não poderia condenar o ateu sincero e convicto, pois este assim o seria em decorrência das próprias qualidades que teriam sido dadas por Deus. Claro, considerando que esse ateu tenha, sob outros aspectos, levado uma vida benemérita.
Portanto, considerando tudo o que foi dito, concito a que se reflita bem sobre a questão e se aceite como fato bem estabelecido a inexistência de deuses, espíritos, almas, anjos, demônio, céu, inferno e qualquer tipo de realidade sobrenatural. E que se assuma declaradamente essa convicção, proclamando-a socialmente, bem como envidando esforços de esclarecimentos das pessoas para que também concluam o mesmo. Um aspecto importante que se tem que ressaltar é que o fato de se ser ateu não implica, como muitos consideram, que se seja uma pessoa de mau caráter, de mau coração, imoral, cruel e tudo de ruim. Do mesmo modo que um crente, um ateu pode ser tanto uma boa como uma má pessoa. São aspectos independentes da personalidade, do caráter e da cosmovisão pessoal. Espero que o leitor deste texto possa ter chegado a sua conclusão e abrace a causa do ateísmo, em prol do bem do mundo.
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