Autor: Emerson Green
Tradução: Cezar Souza

Nota do Tradutor: Emerson possui um ótimo podcast em inglês sobre filosofia da religião, ateologia, etc. Além disso, os episódios de podcast são transcritos para seu blog.

Aqui está Hume destruindo casualmente o teísmo cético no início da Parte XI dos Diálogos Sobre a Religião Natural:

Mostrasse eu a ti uma casa ou palácio onde não houvesse nenhum aposento conveniente ou agradável, onde as janelas, portas, lareiras, passagens, escadas e toda a economia da construção fossem a fonte de barulho, confusão, fadiga, escuridão, e os extremos de calor e frio, certamente culparias a invenção sem quaisquer exames mais extensos. Em vão o arquiteto exporia sua sutileza e te provaria que se esta porta ou aquela janela fossem alteradas males maiores se seguiriam. O que ele diz pode ser estritamente verdadeiro: a alteração dum particular, enquanto as outras partes da construção permanecem, pode apenas aumentar as inconveniências. Mas ainda afirmarias no geral que, houvesse o arquiteto tido habilidade e boas intenções, deveria ter formado certo plano do todo e deveria ter ajustado as partes em tal maneira que teria remediado todas ou quase todas essas inconveniências. Sua ignorância, ou mesmo tua própria ignorância desse plano, nunca te convencerão da impossibilidade dele. Se vires muitas inconveniências e deformidades na construção, sempre, sem entrar em detalhes, condenarás o arquiteto.

Por que essa resposta ao teísmo cético é tão eficaz? Primeiro, temos que dar um passo para trás e explicar o argumento probatório do mal de William Rowe:
  1. (Premissa empírica) Existem casos de sofrimento intenso que um ser onipotente e onisciente poderia ter evitado sem, com isso, perder algum bem maior ou permitir algum mal igualmente mau ou pior.
  2. (Premissa teológica) Um ser onisciente e totalmente bom impediria a ocorrência de qualquer sofrimento intenso que pudesse, a menos que não pudesse fazê-lo sem, portanto, perder algum bem maior ou permitir algum mal igualmente mau ou pior.
  3. (Conclusão) Não existe um ser onipotente, onisciente e totalmente bom.
Na medida em que existem bases racionais para aceitar a primeira e a segunda premissas, existem bases racionais para aceitar a conclusão de que Deus não existe.
Os teístas céticos resistem à primeira premissa, a premissa empírica. De acordo com Rowe, um caso de sofrimento é gratuito se um ser onipotente e onisciente pudesse tê-lo evitado sem perder algum bem maior ou permitir algum mal igualmente mau ou pior. Teístas céticos questionam como realmente sabemos que existe tal sofrimento. Com certeza parece que existe sofrimento gratuito, mas, muitas vezes, há uma distinção entre aparência e realidade. Por causa de nossas limitações epistêmicas, podemos ser incapazes de discernir as razões moralmente suficientes de Deus para permitir ou criar o mal aparentemente gratuito. Deus pode ver a grande teia causal da realidade e pode ver a interconexão dos eventos da vida de uma forma que os humanos, em nossa posição de conhecimento e sabedoria limitados, nunca irão compreender. Se pudéssemos, talvez veríamos que não há sofrimento que, nas palavras de Rowe, "um ser onipotente e onisciente poderia ter evitado sem com isso perder algum bem maior ou permitir algum mal igualmente mau ou pior."
É aqui que entra a analogia de Hume com o arquiteto para ajudar a explicar por que o teísmo cético é tão insatisfatório. Já que não posso colocar isso melhor do que Filo, vou recolocar o único parágrafo de Hume mais uma vez:

Mostrasse eu a ti uma casa ou palácio onde não houvesse nenhum aposento conveniente ou agradável, onde as janelas, portas, lareiras, passagens, escadas e toda a economia da construção fossem a fonte de barulho, confusão, fadiga, escuridão, e os extremos de calor e frio, certamente culparias a invenção sem quaisquer exames mais extensos. Em vão o arquiteto exporia sua sutileza e te provaria que se esta porta ou aquela janela fossem alteradas males maiores se seguiriam. O que ele diz pode ser estritamente verdadeiro: a alteração dum particular, enquanto as outras partes da construção permanecem, pode apenas aumentar as inconveniências. Mas ainda afirmarias no geral que, houvesse o arquiteto tido habilidade e boas intenções, deveria ter formado certo plano do todo e deveria ter ajustado as partes em tal maneira que teria remediado todas ou quase todas essas inconveniências. Sua ignorância, ou mesmo tua própria ignorância desse plano, nunca te convencerão da impossibilidade dele. Se vires muitas inconveniências e deformidades na construção, sempre, sem entrar em detalhes, condenarás o arquiteto. 

          Diálogos sobre a religião natural, Parte XI

Condenaríamos acertadamente o arquiteto, e ainda mais se o projetista pudesse fazer qualquer coisa logicamente possível. O teísmo cético não é desculpa para o resultado final pobre, mesmo que os teístas céticos (corretamente) afirmem que fazer ajustes aqui ou ali afetaria negativamente a teia causal em geral. Se o arquiteto tivesse habilidade e boas intenções, ele poderia ter construído uma rede causal diferente e que não sofresse com esses problemas. O teísmo cético nunca será satisfatório, uma vez que um designer infinito em conhecimento e poder teria sido capaz de construir uma teia completamente diferente, uma que não estivesse interligada de tal forma que a prevenção de um sofrimento terrível de alguma forma levasse à prevenção de bens ou à ocorrência de males piores.

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