Autor: Raymond D. Bradley
Tradução: Cezar Souza
1. A refutação lógica do Deus teísta das “terras lá embaixo”
1.1 Tentativa de Refutação da Prova Lógica por Plantinga
1.2 Plantinga refutado e Deus refutado: uma prévia
2. Apresentação Formal de Plantinga de sua Defesa do Livre Arbítrio
3. Primeira falha formal: Um Non Sequitur em relação à consistência de (3) com (1)
4. Outras falhas em relação às condições conjuntas de consistência e restrição
4.1 O Non Sequitur em relação à condição de restrição
4.2 Contando a história completa para satisfazer a condição de restrição
4.3 Dois Non Sequiturs envolvendo a condição de consistência
4.4 O Cenário de Russell: Uma Refutação pela Analogia Lógica
5. A Definição Leibniziana da Onipotência de Plantinga
5.1 Consequências lógicas da definição
5.2 Por que Leibniz não lapsou
5.3 Um Equívoco Fatal no Âmbito da Depravação Transmundana
5.4 Era Tudo "Até Deus"
5.5 A Distinção Entre Modalidades Absolutas e Consequenciais
5.6 O estratagema de Plantinga
5.7 Confusão modal de Plantinga
5.8 Interlúdio na Prevalência da Confusão Modal
5.9 De volta à confusão modal de Plantinga
5.10 Veredito Provisório
6. Dia do Julgamento: Deus Todo-Poderoso e Onisciente não é moralmente perfeito
6.1 A Prova do Cão Todo-Poderoso e Onisciente
6.2 A Prova do Deus Todo-Poderoso e Onisciente
7. Veredito Final: O Triunfo da Lógica e Moral das "terras lá embaixo"
7.1 A Falha e Irrelevância da Defesa do Livre Arbítrio
7.2 O mal e a responsabilidade do comando de Deus por sua ocorrência
7.3 Uma prova formal de que, se o mal existe, então o Deus dos teístas não
7.4 Conclusão
1. A refutação lógica do Deus teísta das “terras lá embaixo”
Mais de meio século atrás, John L. Mackie apresentou a acusação. [1] Reiterando vigorosamente um problema que tem incomodado os teístas pelo menos desde O Livro de Jó, ele argumentou em 1955 que a proposição
(1) Deus é onisciente, onipotente e totalmente bom.
não pode ser logicamente reconciliado com a proposição
(2) O mal existe.
e que, uma vez que (2) é inegavelmente verdadeiro, segue-se que (1) é falso. Seguiram-se dois outros filósofos "das terras lá embaixo" (australianos ou neozelandeses). H. J. McCloskey publicou outro caso forte em 1960. [2] Então, em 1967, publiquei "A Proof of Atheism" usando um argumento que afastava a ideia de livre arbítrio. [3]
1.1 Tentativa de Refutação da Prova Lógica por Plantinga
Entra Alvin Plantinga, apologista-chefe do Deus teísta. Primeiro em God and Other Minds (1967), depois em The Nature of Necessity (1974), Plantinga enunciou sua chamada Defesa do Livre Arbítrio. Ele alegou ser um tipo de prova de consistência que prevaleceria para sempre sobre quaisquer outras tentativas de refutar a existência de Deus. Não apenas, em sua opinião, é "extremamente difícil" para alguém produzir uma proposição (ou conjunto de proposições) cuja conjunção de (1) e (2) produz uma contradição formal. acha que mostrou que é impossível.
O mito do status inexpugnável de sua refutação vem crescendo há mais de trinta anos, mesmo entre muitos filósofos de tendência ateísta.
Eu proponho acabar com isso.
1.2 Plantinga refutado e Deus refutado: uma prévia
Nas seções 2 a 5, mostrarei que a Defesa do Livre Arbítrio de Plantinga contém, como diria Hume, "nada além de sofisma e ilusão".
Em face disso, é a bondade perfeita de Deus, e não sua onisciência ou onipotência, que é comprometida pela presença do mal no universo que ele supostamente criou. Assim, é natural que até mesmo os não instruídos filosoficamente raciocinem assim
(a) sendo onisciente, Deus saberia até o último detalhe de todos os males (tanto naturais quanto morais) que atormentariam o mundo que ele planejou criar, incluindo todos os males que suas criaturas causariam;(b) sendo onipotente, Deus não precisava ter criado aquele mundo, mas poderia ter escolhido criar um que não contivesse nenhum mal; e(c) que, em virtude de sua falha em exercer essa opção, Deus deveria ser considerado responsável por todo mal que existe no mundo que ele criou.
Conclusão:
Visto que o mal existe, um Deus onisciente e onipotente, que também é perfeitamente bom, não existe.
Plantinga, no entanto, ignora as cláusulas (a) e (c), e visa apenas a cláusula (b), que envolve a onipotência de Deus. Ele esboça um cenário segundo o qual Deus fez o melhor para criar um mundo sem o mal, mas teve seus planos frustrados pelas criaturas que abusavam da liberdade que havia criado. “Nessas condições”, ele argumenta, Deus não poderia ter criado um mundo livre do mal. "Apesar" de sua onipotência. Verdadeiramente, o mal moral e natural existem. Mas isso depende de nós e de Satanás, respectivamente. Não "depende de Deus". É o que afirma Plantinga.
Mas a defesa de Plantinga, eu mostro, é um fracasso. Não é apenas seu argumento formalmente falho. Torna-se plausível apenas em virtude de sua falha bem disfarçada em seguir sua própria definição de onipotência. Seu cenário mostra que Deus "não poderia" ter criado um mundo sem o mal apenas no sentido de que sua incapacidade de fazê-lo é uma consequência de seus próprios planos avançados para sua criação. Não mostra que ele não poderia ter criado tal mundo se tivesse aproveitado todos os recursos de sua onipotência. O raciocínio de Plantinga, ao contrário, envolve uma confusão lógica sobre as noções modais de possibilidade e impossibilidade.
Tendo efetuado uma violação importante na lógica da Defesa do Livre Arbítrio de Plantinga, eu então - nas seções 6 e 7 - apresento uma nova versão da refutação das “terras lá embaixo”, focando mais uma vez nas cláusulas (a) e (c): aquelas para fazer com a onisciência e bondade moral de Deus, respectivamente.
Assim, produzo uma proposição do tipo que Plantinga pensa ser "extremamente difícil de encontrar": uma proposição, isto é, cuja conjunção com (1) e (2) produz uma contradição explícita. É uma proposição tão fundamental tanto para a moral quanto para o direito internacional que permitir qualquer exceção isentaria muitos dos maiores criminosos da história humana das responsabilidades pelos males cometidos sob seus comandos. Deus não pode ser desculpado mais do que eles. É uma proposição a partir da qual, em conjunto com o fato incontestável da existência do mal, podemos deduzir que - independentemente de termos ou não livre arbítrio - qualquer ser que seja onipotente e onisciente deve ser responsabilizado por todos os males existentes.
2. Apresentação Formal de Plantinga de sua Defesa do Livre Arbítrio
Plantinga apresenta sua defesa de forma mais convincente em seu capítulo IX de The Nature of Necessity. [4] Anunciando-o como "A Defesa Triunfante do Livre Arbítrio", Plantinga escreve:
Em termos formais, lembram-se, o projeto da Defesa do Livre-Arbítrio era para mostrar que
(1) Deus é onisciente, onipotente, e totalmente bom.
é consistente com
(2) A existência do mal.
empregando a verdade de que um par de proposições p e q são conjuntamente consistentes se houver uma proposição r cuja conjunção com p seja consistente e acarrete q. O que acabamos de ver é que
é consistente com a onipotência de Deus. Mas então é claramente consistente com (1). Portanto, podemos usá-lo para mostrar que (1) é consistente com (2). Para considerar a conjunção de (1), (3) e
[(4)] Deus realiza um mundo que contém o bem moral.
Esta conjunção é evidentemente consistente. Mas isso acarreta
(2) Na existência do mal.
Consequentemente (1) é consistente com (2); a Defesa do Livre Arbítrio foi bem-sucedida.
Volte novamente? Para o que pretende ser uma prova formal de consistência rigorosa, isso só pode ser uma piada. Mesmo um estudante de lógica do primeiro ano teria a justificativa de descrevê-la como "fanfarronice", usando a descrição injustificada de Plantinga à The God Delusion, de Richard Dawkins. [6]
Então, o que há de errado nisso? Não há nada de errado com a estratégia geral de tentar encontrar uma proposição (ou um conjunto de proposições) r cuja conjunção com uma proposição p seja consistente e acarrete q. Essa é, de fato, uma maneira de provar que p é consistente com q. Os problemas residem, não em sua estratégia, mas em sua execução.
As exigências feitas a qualquer argumento que pretenda ser sólido, especialmente aquele que se supõe constituir uma prova formal, são bastante exigentes. Em primeiro lugar, deve ser formalmente válido: a conclusão deve seguir logicamente a partir das premissas declaradas, sem depender de premissas que foram ocultadas, tomadas como certas, simplesmente porque foram consideradas intuitivamente óbvias. [7] Em segundo lugar, suas premissas devem ser verdadeiras. E, terceiro, não deve conter nenhuma falácia informal de equívoco em que um único termo é usado com diferentes significados.
A suposta prova de consistência de Plantinga falha em cada uma dessas três acusações.
3. Primeira falha formal: Um Non Sequitur em relação à consistência de (3) com (1)
Em primeiro lugar, Plantinga afirma que a proposição (3) ( que toda a essência sofre de depravação transmundana) é consistente com a onipotência de Deus e então afirma "Mas então é claramente consistente com (1)."
No entanto, isso não acontece. Para considerar o que (1) afirma. Afirma que Deus não é apenas onipotente, mas também onisciente e totalmente bom. Ora, é verdade que a simples conjunção de (3) com a afirmação de que Deus é onipotente não gera uma contradição formal. Mas isso não significa que (3) também seja consistente com a onisciência de Deus e sua bondade perfeita. [8] Este é um raciocínio desleixado e evidentemente inválido.
4. Outras falhas em relação às condições conjuntas de consistência e restrição
Em segundo lugar, ele afirma que a conjunção de (1), (3) e (4) satisfaz duas condições: ambas acarretam (2) e é "evidentemente consistente". É por isso que, em sua opinião, a conjunção de (3) e (4) desempenha o papel de r no esquema de prova que ele está seguindo.
4.1 O Non Sequitur em relação à condição de restrição
Considere a primeira dessas duas condições: a de implicar na existência do mal. Formalmente, a conjunção (1), (3) e (4) está longe de acarretar (2). Afinal, é uma regra lógica que, em uma prova formal, você não pode obter mais em sua conclusão do que colocou explicitamente em suas premissas. [9] Não se pode, portanto, derivar formalmente a existência do mal de premissas que nem mesmo mencionam o mal. Precisamos de um relato explícito de como o mal entra em ação. Somente quando as premissas que faltam são trazidas à luz, podemos determinar se, quando adicionados como conjuntos à conjunção de (1), (3) e (4), temos uma proposição ou conjunto de proposições que desempenham o papel de r, satisfazendo a condição de vinculação e a condição de consistência.
Lembre-se de que Plantinga está atuando como advogado de defesa de Deus. É fácil para ele contar uma história em nome de Deus que parecerá consistente se ele se limitar à consistência de um subconjunto restrito das proposições envolvidas na história. Mas e quanto a situação lógica, se ele fosse forçado a contar a história por completo; se ele fosse, por assim dizer, dizer a verdade, toda a verdade, e nada mais que a verdade? Precisamos ouvir toda a história, especialmente aquela parte que supostamente satisfaz a condição de vinculação, a fim de julgar se o caso para a defesa se articula da maneira como Plantinga diz.
4.2 Contando a história completa para satisfazer a condição de restrição
Comecemos, provisoriamente, com a proposição que Plantinga descreve como sendo "o coração da Defesa do Livre Arbítrio", a saber,
(5) Deus não poderia ter criado um universo contendo o bem moral (ou tanto bem quanto este contém) sem criar um contendo o mal moral. (p. 167)Isso ajuda a preencher uma das lacunas em seu argumento, uma vez que, se tomado em conjunto com
(4) Deus atualiza um mundo contendo o bem moral.
na verdade implica em
(2) Existe o mal.
Portanto, agora sabemos como o mal entrou em ação. Chegou lá porque Deus criou um mundo que o contém.
Mas como Plantinga chega a (5)? Seu apelo para
(3) Toda a essência sofre de depravação transmundana.
conta parte da história. No entanto, apenas uma parte. E o papel que desempenha não é aquele que Plantinga lhe atribui em sua apresentação formal. Plantinga afirma que de (1), (3) e (4) tomados em conjunto, pode-se derivar formalmente (2). Mas claramente isso está errado, pois, mais uma vez, não há menção explícita do mal em nenhum delas. Portanto, pela regra lógica que invoquei antes, essa inferência é injustificada. São as premissas (5) e (4) que implicam (2). A premissa (3) realmente desempenha um papel no argumento de Plantinga. Mas isso vem antes, por assim dizer, como uma das premissas que ele precisa para estabelecer (5). Portanto, precisamos recuar ainda mais para ver como ele chega a (5).
As premissas necessárias estão espalhadas por sua apresentação informal. Eu os declararei em suas palavras e os numerarei de (6) a (10).
(6) "Deus achou bom criar pessoas livres" (p. 170) [porque] "[um] mundo contendo criaturas que às vezes são significativamente livres (e [que] livremente realizam mais boas ações do que más) é mais valioso, tudo o mais sendo igual, do que um mundo que não contém nenhuma criatura livre." (p. 166)
Plantinga não dá nenhum argumento para (6). Ele parece pensar que isso afirma uma verdade óbvia sobre quais mundos possíveis seriam mais valiosos para Deus e para nós. No entanto, no esquema de Deus das coisas, a existência de criaturas significativamente livres que podem abusar de seu livre arbítrio ocupa o primeiro lugar em sua ordem de prioridades; superior a sua saúde e felicidade, por exemplo. Plantinga chega a afirmar que "o preço por criar um mundo em que tais pessoas produzam o bem moral é criar um no qual também produzam o mal moral". (p. 186f). Nenhuma menção aqui do fato de que somos nós, não Deus, que pagamos o preço. Sem escrúpulos morais quanto a isso. Uma antecipação imperturbável da observação arrepiante de Madeleine Albright, "Achamos que o preço vale a pena", quando confrontada com o fato de que as sanções impostas ao Iraque durante os anos 90 causaram a morte de mais de meio milhão de crianças. [10]
Plantinga fornece a sua Defesa uma generalidade que de outra forma faltaria quando ele acrescenta que as criaturas livres que Deus tinha em mente não se limitavam aos humanos. Como ele coloca, "possivelmente o mal natural é devido à atividade livre de um conjunto de pessoas não humanas". (p. 192) Esse movimento permite que Plantinga trate tanto o mal moral quanto o natural como "casos especiais do que podemos chamar de mal moral amplamente - mal resultante das ações livres de seres pessoais, sejam humanos ou não". (p. 193) O tipo de seres pessoais não humanos que ele tem em mente são aqueles a quem Santo Agostinho atribuiu o mal natural, a saber, "Satanás e suas cortes". (p. 192) As hordas satânicas aparecem de maneira importante naquele ramo da teologia cristã ortodoxa conhecida como demonologia. Mas provavelmente Plantinga não excluiria o coro angelical de sua lista de pessoas significativamente livres.
Todas as criaturas de Deus, de acordo com Plantinga, são significativamente livres, onde "liberdade significativa" deve ser interpretada em termos contra causais. De acordo com sua explicação, o livre arbítrio é incompatível com qualquer tipo de causalidade, natural ou sobrenatural:
Se uma pessoa S é significativamente livre com respeito a uma dada ação, então ela é livre para realizar aquela ação e para se abster; nenhuma lei causal e condições antecedentes determinam se ele executará a ação ou não. (p. 165f)
E, destacando Deus em particular, ele escreve:
se sou livre com respeito a uma ação A, então Deus não a realiza, faz com que eu a realize ou me abstenha de tal ação; ele não faz isso por meio das leis que estabelece, nem por intervenção direta, nem de qualquer outra forma. (p. 171)
Eu sou livre com respeito à ação A se eu fizer com que A ocorra e ninguém, e nada, fizer com que eu faça A ocorrer. Esse tipo de livre arbítrio é comumente chamado de "livre arbítrio libertário". Supõe-se que seja uma liberdade "detentora de obstáculos": o tipo de liberdade que, uma vez que não tem antecedentes causais, permite que atribuições de responsabilidade para todo mal sejam dirigidas contra nós - não Deus - por tudo o que livremente fazemos. Ou então Plantinga argumenta.
A próxima premissa de Plantinga é
(7) Deus de fato criou criaturas significativamente livres. (p. 167)
Ele também considera isso uma questão de fato simples.
Então vem:
(8) Uma vez que cada pessoa é a instanciação de uma essência, ele pode criar pessoas significativamente livres ao instanciar algumas essências. (p. 188)
Dada a visão metafísica de Plantinga, segundo a qual uma pessoa potencial (a "essência" dessa pessoa) é uma entidade abstrata, ele pode argumentar de forma plausível que (8) decorre de (7).
É neste ponto que (3) assume seu papel na prova geral de Plantinga. Referindo-se às essências mencionadas em (8), ele nos diz
(3) Toda a essência sofre de depravação transmundana (p. 189)
No entanto, há uma ambiguidade crucial em (3). Ele pretende que entendamos isso como verdadeiro em todos os mundos possíveis, ou seja, como aplicável a todas as essências criaturas das possíveis? Ou ele pretende que entendamos isso como verdadeiro apenas no mundo real, o mundo que Deus escolheu criar? Em qualquer das interpretações, como veremos, a premissa (3) gera enormes problemas para a Defesa de Plantinga. Isso torna seu argumento infundado. Mas continuando o show. Tudo que Plantinga precisa agora é mais uma premissa, a saber,
(9) Se cada uma dessas essências sofre de depravação transmundana, então não importa quais essências Deus instanciou, as pessoas resultantes [sejam humanas ou não humanas], se livres com respeito a ações moralmente significativas, sempre executariam pelo menos algumas ações moralmente erradas. (p. 189)
de onde ele obtém sua generalização
(10) Se toda essência humana sofre de depravação transmundana, então estava além do poder do próprio Deus criar um mundo contendo o bem moral, mas nenhum mal moral. (p. 189)
Dada a definição de Plantinga de "depravação transmundana", ambos, (9) e (10) são supostamente derivados da conjunção de (7), (8) e (3).
Nenhuma das proposições de (6) a (10) aparece na apresentação de Plantinga de sua prova formal. Mas agora que os temos em mãos, está claro como devemos preencher a lacuna que leva ao supracitado
(5) Deus não poderia ter criado um universo contendo o bem moral (ou tanto bem quanto este contém) sem criar o mal moral. (p. 167)
(5) segue-se transparentemente de (3) e (10). E, como observado anteriormente, de (5) junto com
(4) Deus realiza um mundo que contém o bem moral.
podemos de fato derivar formalmente
(2) Existe o mal.
Plantinga afirmou que poderíamos deduzir (2) de (3) e (4) sozinhos. Ele estava errado. Podemos deduzir (2) a partir da conjunção de (3) e (4) de suas premissas somente se expandirmos essa conjunção para incluir as proposições de (5) a (10).
Lembre-se, entretanto, que há uma segunda condição que também deve ser satisfeita se essa conjunção expandida deve desempenhar o papel desejado de r na prova de consistência de Plantinga. Não só deve implicar (2); deve ser consistente com (1).
4.3 Dois Non Sequiturs envolvendo a condição de consistência
O problema é que, uma vez que contamos a história completa para satisfazer a condição de acarretamento, está longe de ser claro que a conjunção expandida de (1) e (3) a (10) é consistente.
Primeiro, não é evidente que todas as proposições na conjunção de (3) a (10) são consistentes mesmo com a onipotência de Deus. O problema não é difícil de ver. O próprio Plantinga define a onipotência de Deus como a ausência de quaisquer limites não lógicos ao poder de Deus, o que significa que o poder de Deus para agir ou abster-se de agir é restringido apenas pelas leis da lógica. Portanto, considere a premissa
(5) Deus não poderia ter criado um universo contendo o bem moral (ou tanto bem quanto este contém) sem criar um contendo o mal moral. (p. 167)
Este, lembre-se, é um dos conjuntos na conjunção expandida, aquela que se supõe não apenas acarretar (2), mas também ser consistente com a onipotência de Deus. No entanto, (5) afirma que Deus é incapaz de fazer algo logicamente possível. E, aparentemente, isso não é consistente com sua onipotência. Pois quais são as leis da lógica que impedem Deus de criar um mundo moralmente perfeito?
Em segundo lugar, mesmo se fecharmos os olhos e supormos, por uma questão de argumento, que (5) é consistente com a onipotência de Deus, o argumento de Plantinga ainda estaria longe de demonstrar que toda a conjunção expandida é consistente também com a onisciência de Deus e bondade total. Mais uma vez, sua Defesa, conforme apresentada, envolve um non sequitur. Ele havia afirmado anteriormente que, porque (3) era consistente com a onipotência de Deus, também era consistente com todos os atributos listados em (1). Para que a condição de consistência fosse satisfeita, ele teria que dizer o mesmo sobre (5).
4.4 O Cenário de Russell: Uma Refutação pela Analogia Lógica
Considere o que chamo de "cenário Russell". Em seu ensaio "A Adoração do Homem Livre", Bertrand Russell imagina Mefistófeles contando a história da criação assim:
Os elogios intermináveis dos coros de anjos começaram a se tornar cansativos; afinal, ele não merecia seus elogios? Ele não lhes deu alegria sem fim? Não seria muito mais divertido obter elogios imerecidos, ser adorado por seres que ele torturou? Ele sorriu interiormente e decidiu que o grande drama deveria ser encenado. [11]
Basta adicionar a premissa de que a tortura gratuita é um mal e o cenário de Russell por si só nos dá o direito de derivar formalmente a verdade de (2), a existência do mal, e assim satisfazer a condição de acarretamento. Além do mais, o cenário de Russell também é consistente com a onipotência de Deus. Lembre-se, então, que Plantinga disse que (3) - a proposição de que toda essência sofre de depravação transmundana - é "consistente com a onipotência de Deus", e prosseguiu na frase seguinte para afirmar: "Mas então é claramente consistente com (1)", a saber, com a proposição de que Deus também é onisciente e totalmente bom. Se a consistência de alguma proposição p com a onipotência de Deus bastasse para estabelecer sua consistência com a onisciência e a bondade total de Deus, então a consistência do cenário de Russell com a onipotência de Deus, juntamente com o fato de que implica o mal, também seria suficiente para estabelecer sua consistência com a onisciência e a bondade total. No entanto, o cenário do Deus de Russell é claramente mau, não bom.
O que deu errado aqui? A resposta, como eu disse antes e como o cenário de Russell demonstra tão vividamente, é que a partir da consistência de alguma proposição ou conjunto de proposições p com a onipotência de Deus, não se segue que p seja consistente com a constelação completa de atributos de Deus conforme declarado em (1).
5. A Definição Leibniziana da Onipotência de Plantinga
Para entender exatamente o que está acontecendo, vamos considerar o conceito de onipotência com mais cuidado. Plantinga define onipotência assim:
o teísta diz que Deus é onipotente - o que significa, grosso modo, que não há limites não lógicos para seu poder. (p. 167).
As implicações da definição de Plantinga devem ser óbvias. Isso permite que haja de fato certos limites lógicos para o poder de Deus. É logicamente impossível para ele fazer uma proposição necessariamente verdadeira falsa, e logicamente impossível para ele fazer uma proposição necessariamente falsa verdadeira. Mas essa é toda a extensão dos limites lógicos do poder de Deus. Uma vez que as proposições contingentes não são necessariamente verdadeiras nem necessariamente falsas, ou seja, são ambas possivelmente falsas e possivelmente verdadeiras, não há limites lógicos para a capacidade de Deus tornar qualquer proposição contingente verdadeira ou falsa, trazendo o estado de coisas que tornaria algo verdadeiro ou falso, conforme o caso.
E visto que (por definição) também não há limites não lógicos para seu poder, segue-se que, dentro do reino do contingente, o poder de Deus de escolher quais estados de coisas realizar ou não é absoluto. Se Deus escolhe colocar certos limites não lógicos em sua onipotência - escolhendo criar apenas um certo tipo de mundo ou delegando alguns de seus poderes a outros seres, por exemplo - isso é inteiramente com ele. E se ele subsequentemente não puder fazer certas coisas como consequência dessas escolhas, isso também depende dele. Mas ele não pode, então, nem pode Plantinga justamente reivindicar em seu nome, ter agido de outra forma no sentido absoluto atribuído a ele pela definição de onipotência.
5.1 Consequências lógicas da definição
Não deve haver nenhuma disputa sobre isso. Da definição de onipotência segue-se que, em um sentido absoluto de "pode", Deus pode realizar qualquer estado de coisas contingente que ele escolher. Os críticos “das terras lá embaixo” de Plantinga tem apenas que acrescentar que, como não existem contradições envolvidas na concepção de um mundo no qual é contingente o caso de que existem criaturas significativamente livres que sempre fazem o que é certo, segue-se que, no sentido relevante para a onipotência de “poderia”, Deus poderia ter criado justamente tal mundo, em vez do mundo contendo o mal no qual nos encontramos. Esta é razão pela qual Mackie, por exemplo, declara (11) Deus poderia ter realizado mundos nos quais pessoas significativamente livres sempre fazem o que é certo.
e deduz, ao contrário de Plantinga (5),
(12) Deus poderia ter realizado um mundo possível no qual o mal não existe.
Se Mackie está certo sobre (11) e (12), Plantinga está errado sobre (5), o "coração" de sua Defesa do Livre Arbítrio. Tanto Leibniz quanto Mackie sustentavam que existem muitos mundos possíveis nos quais o mal não existe. Como o próprio Plantinga observa, Leibniz raciocinou que, como Deus é totalmente bom e teria criado o melhor mundo que poderia ter criado, o mundo real deve ser o melhor de todos os mundos possíveis apesar do mal que contém, enquanto Mackie raciocinou que como o mundo real não é claramente tão bom como aquele em que não há mal nenhum, Deus não pode ser tão bom como os seus apoiadores o fazem ser.
5.2 Por que Leibniz não lapsou
Plantinga, no entanto, afirma que tanto Leibniz quanto Mackie cometeram um erro. Mackie, ele admite, está "certo ao sustentar que existem muitos mundos possíveis contendo o bem moral, mas nenhum mal moral". (p. 184) Mas então, ele diz, não "se segue" que Deus poderia ter realizado qualquer um desses mundos. Supor o contrário, afirma ele, é cometer o chamado de "lapso de Leibniz". (p. 184)
A seu ver, tanto Leibniz quanto Mackie negligenciaram o fato de que, sob certas condições, era impossível para Deus criar um mundo em que houvesse o bem, mas não o mal. Depois de especificar essas condições, ele afirma
Sob essas condições, Deus poderia ter criado um mundo que não continha nenhum mal moral apenas criando um sem pessoas significativamente livres. (p. 189)
Bem, quais são essas condições, aquelas que deveriam tornar (5) verdadeira? Aqueles que fazem o trabalho em seu argumento acabam sendo enunciados nas premissas (6), (7), (3) e (4). No entanto, todas essas são condições não lógicas, condições que são impostas a Deus não pela lógica, mas por ele mesmo. [12]
Considere-os um a um.
A premissa (6) nos diz que Deus pensou que um mundo contendo criaturas significativamente livres seria melhor, "tudo o mais sendo igual", do que um mundo sem criaturas livres. Mas nenhuma consideração lógica o obrigou a pensar dessa forma. Falando logicamente, ele poderia ter chegado a uma conclusão diferente, especialmente à luz do fato de que, em virtude de sua onisciência, ele sabia que a cláusula ceteris paribus não seria satisfeita. Não há equivalência moral entre, por um lado, um mundo no qual sofremos todos os males conhecidos pela humanidade e, por outro lado, um mundo "celestial" livre de todos os males. A maioria das vítimas dessa escolha sacrificariam de bom grado os supostos benefícios da liberdade libertária a fim de evitar as condições infernais que prevalecem em grande parte do mundo. Embora existam mundos possíveis em que (6) seja verdadeiro, também há outros em que é falso. Deus não tinha restrições lógicas para tornar isso verdade. A premissa (6) meramente fala sobre certas condições não lógicas que Deus impôs a si mesmo.
Da mesma forma com a premissa (7), a declaração de que Deus de fato criou criaturas significativamente livres. Claramente (7) poderia ser falso. Caso contrário, Deus não teria tido a escolha (6). Portanto, se Deus fez o que (7) diz que fez, só pode ser porque ele livremente escolheu tornar isso verdade, apesar de conhecer as consequências de sua escolha.
5.3 Um Equívoco Fatal no Âmbito da Depravação Transmundana
Que tal a premissa (3), a afirmação de que todas as criaturas de Deus sofrem de depravação transmundana? Deus não poderia ter produzido algumas outras criaturas? A resposta de Plantinga é curiosa: "Talvez. Mas, novamente, talvez não." (p. 187)
Mas o que Plantinga quer dizer por "talvez"? Ele está dizendo que é logicamente possível que Deus pudesse ter realizado criaturas cujas essências não são depravadas? Parece que sim. Posteriormente, quando ele discute seu candidato favorito para alguém que sofre de depravação transmundana, Curley Smith, o hipotético prefeito de Boston, ele escreve
Observe que a depravação transmundana é uma propriedade acidental das essências e pessoas que ela aflige. Pois suponha que Curley sofra de depravação transmundana; então, o mesmo acontece com sua essência. Existe um mundo, no entanto, em que Curley é significativamente livre, mas sempre faz o que é certo. Se aquele mundo fosse real, então é claro que nem Curley nem sua essência teriam sofrido de depravação transmundana. (p. 188)
Aqui Plantinga está implicitamente reconhecendo que sua própria premissa (3), a tese da depravação transmundana, é uma proposição contingente, possivelmente verdadeira e possivelmente falsa. Isto é, ele está reconhecendo que existem algumas pessoas como Curley que, em pelo menos um mundo não real, sempre fazem o que é certo porque possuem essências sagradas. Como ele diz: "Se aquele mundo fosse real, é claro que nem Curley nem sua essência teriam sofrido de depravação transmundana". Mas, afinal, isso significa que (3) não impõe uma restrição lógica à onipotência de Deus. Portanto, voltamos à estaca zero: por que Deus não poderia ter feito esse mundo? Por que Plantinga diz que "talvez" Deus não pudesse ter feito isso?
A discussão de Plantinga sobre a depravação transmundana é impressionante em sua audácia e falácia. A certa altura, diz ele, sem medo de contradição,
É possível que toda essência das criaturas sofra de depravação transmundana. (p. 188)
Não há problema com isso, pois aqui ele está afirmando apenas que existe pelo menos um mundo possível no qual (3) é verdadeiro. [13]
Mas então, sem aviso, ele muda para a suposição de que o mundo possível da qual ele está falando é o mundo real, e escreve
Se essa possibilidade fosse real, então Deus não poderia ter criado nenhum dos mundos possíveis que incluem a existência e a liberdade das pessoas que de fato existem, e também contêm o bem moral, mas nenhum mal moral. (p. 186, ênfase minha) [14]
Aqui ele nos convida a compartilhar sua suposição de que o mundo possível em que (3) é verdadeiro é o mundo real, o mundo possível que contém pessoas reais. No entanto, se o escopo de "toda" em (3) é considerado apenas as essências que são instanciadas no mundo real, então (3) é verdadeiro apenas porque Deus escolheu fazê-lo, não porque ele foi logicamente obrigado a torná-lo assim. [15]
Se, por outro lado, o escopo de "todo" é considerado como sendo as essências em todos os mundos possíveis, então (3) não é verdadeiro, nem mesmo possivelmente verdadeiro. Não é verdade, uma vez que existem mundos possíveis nos quais as essências das criaturas não sofrem de depravação. Pior ainda, (3) nem mesmo é possível, pois exclui a possibilidade lógica de essências santas e angelicais. Mackie apontou em (12) que é logicamente possível que existam mundos nos quais uma pessoa significativamente livre sempre faça o que é certo. E Plantinga concordou. Portanto, se (3) fosse considerado como negando tal possibilidade lógica, (3) seria necessariamente falso.
O equívoco de Plantinga sobre o escopo de "toda" em (3) denuncia o jogo. Pois a questão era por que Deus escolheria realizar um mundo contendo criaturas depravadas quando ele não precisava. Não adianta responder que tal mundo é aquele que ele de fato realizou. Pois o mundo real é real apenas porque Deus o escolheu, de todos os todos os mundos possíveis, como aquele que ele faria. A disputa entre Mackie e Plantinga é sobre quais mundos Deus poderia ter criado, não que mundo ele criou. A universalidade da depravação transmundana no mundo real não mostra que Deus achou logicamente impossível realizar um mundo livre de tal depravação.
Dada sua onipotência, Deus poderia ter criado um mundo contendo o bem moral, mas sem o mal moral. Portanto, as premissas de Plantinga de (6) a (8) podem muito bem ser verdadeiras sem a existência do mal. É sua premissa (3) que cria o problema. Um problema para Plantinga, ou seja, não para Leibniz ou Mackie.
Meu ponto pode ser apresentado na forma de um dilema. Se o escopo do quantificador universal "toda", como ocorre em (3), fosse considerado como a essência das criaturas em todos os mundos possíveis, então (3) negaria a possibilidade lógica de mundos nos quais humanos como Curley carecem de depravação transmundana. No entanto, o próprio Plantinga admite que tais mundos são de fato logicamente possíveis. Portanto, uma vez que tudo o que é logicamente possível é necessariamente possível, negar que tal mundo seja possível seria afirmar algo necessariamente falso. E se a premissa (3) fosse falsa (quanto mais necessariamente falsa), o argumento de Plantinga seria incorreto. Mas se, por outro lado, o escopo de "toda" é considerado as essências criaturas que existem no mundo real, então (3) deixa aberta a possibilidade de Deus realizar um mundo contendo humanos virtuosos, como o Curley. Mas, nesse caso, a afirmação contrária de Plantinga, em (5), de que é "possível" que Deus não poderia ter criado um mundo contendo o bem moral, mas sem o mal moral, é falsa e seu argumento se mostra mais uma vez infundado. Em qualquer uma das duas interpretações de (3), o argumento de Plantinga é incorreto.
5.4 Era Tudo "Até Deus"
Em qualquer caso, Deus não estava sob nenhuma restrição lógica para instanciar quaisquer essências como (4) pressupõe que ele fez. Por definição, sua onipotência é restringida apenas pela lógica, não por suas próprias escolhas quanto a que tipo de mundo criar ou se deve criar qualquer mundo. Plantinga efetivamente admite o ponto quando ele nos diz
Claro que cabe a Deus criar ou não criaturas livres; mas se ele pretende criar o bem moral, então deve criar criaturas significativamente livres, cuja cooperação deve depender. (p. 190, as minhas ênfases)
E continua com o reconhecimento explícito de que, ao fazer isso, Deus está se colocando sob limitações que a própria lógica não impõe:
Assim, o poder de um Deus onipotente é limitado pela liberdade que ele confere às suas criaturas. (p. 190)
Confere sem nosso consentimento ou aprovação, é claro.
5.5 A Distinção Entre Modalidades Absolutas e Consequenciais
A esta altura, deve estar claro que a expressão "não poderia", como ocorre em (5), transmite nada mais do que uma consequência lógica das condições auto impostas e, portanto, não lógicas, especificadas em (3), (4), (6) e (7). Precisamos distinguir, portanto, entre dois sentidos muito diferentes de expressões modais como "poderia" e "não poderia", "possível" e "impossível" e seus cognatos. No sentido absoluto da palavra, a onipotência de Deus consiste em não haver limites não lógicos para seus poderes. No sentido absoluto das palavras "não poderia", conforme ocorre em (5), (5) não é apenas falso, mas necessariamente falso, uma vez que não há limites não lógicos para a capacidade de Deus de criar um mundo contendo o bem moral, mas não o mal moral. O único sentido em que (5) é verdadeiro é aquele em que a expressão "não poderia" é usada no que chamarei de sentido consequencial, aquele em que sua incapacidade de criar um mundo sem o mal é uma consequência de sua restrição absoluta ao se colocar sob certas restrições não lógicas.
Mas há um problema aqui. Na interpretação consequencial, o argumento de Plantinga não faz absolutamente nada para abordar a objeção das “terras lá embaixo”, isto é, se Deus tivesse se valido dos poderes absolutos que, por definição, sua onipotência lhe confere, ele "poderia" ter criado um mundo contendo o bem moral, mas não o mal moral. Ser consequentemente impossível é compatível com ser absolutamente possível. Assim, o argumento de Plantinga para o primeiro não faz nada para refutar o argumento de Mackie para o segundo.
5.6 O estratagema de Plantinga
Para sustentar sua acusação de que Leibniz lapsou, Plantinga tem de recorrer ao que chamo de estratagema de Plantinga: o de equivocar-se nas noções de possibilidade e impossibilidade. [16] Ele quer que leiamos "não poderia", como ocorre em (5), em seu sentido consequente, de modo a tornar (5) consistente com a onipotência de Deus - como tem que ser para que sua prova seja bem-sucedida. Ao mesmo tempo, ele quer que leiamos esta expressão, como ocorre em (5), em seu sentido absoluto, de modo a tornar (5) contrário a uma das implicações da onipotência de Deus - como tem que ser o caso ele queira refutar a refutação das “terras lá embaixo”. Mas ele não pode ter as duas coisas. Nenhuma proposição pode ser consistente e contrária a outra. Sua Defesa do Livre Arbítrio é uma fraude lógica perpetrada contra os desavisados, jogada rápida e solta com as palavras. Não foi Leibniz cuja lógica lapsou. Foi Plantinga. Ele não se ateve à definição de onipotência que subscreveu explicitamente.
5.7 Confusão modal de Plantinga
O estratagema de Plantinga é um caso de dissimulação deliberada - o que se esperar de um advogado de defesa excessivamente zeloso? Imitando o próprio Plantinga, pode-se dizer: "Talvez. Mas, novamente, talvez não." Talvez sua astúcia usual o tivesse abandonado. Talvez Plantinga simplesmente falhou em perceber a distinção entre os usos consequenciais e absolutos de termos modais como "possível", "impossível" e seus cognatos: expressões como "pode", "poderia", "não pode" e "não poderia". Talvez ele deva ser visto como juntando-se a inúmeros outros metafísicos que cometeram uma falácia tão endêmica que merece ser chamada de "a" confusão modal.
5.8 Interlúdio na Prevalência da Confusão Modal
Um caso em questão são todos aqueles que supõem que a verdade necessária da afirmação "O futuro será o que será" nos compromete a acreditar que o futuro deve ser o que vai ser e que é impossível desviarmos o futuro do seu rumo pré-determinado. Eles supõem que a própria lógica nos compromete ao fatalismo.
Na análise, o raciocínio deles é assim. Considere a proposição
(13) Se P, então P.
onde P é uma proposição contingente como a de Aristóteles "Uma batalha naval ocorrerá na Baía de Salamina." Uma vez que (13) é uma verdade da lógica e, portanto, necessariamente verdadeira, também é verdade que
(14) É necessário que se P, então P.
Em (14), a propriedade modal de ser necessariamente verdadeiro é atribuída a (13), e a expressão "necessário" está sendo usada em sentido absoluto para significar que não há condições logicamente possíveis sob as quais (13) é falso. Agora (14) presta-se a ser expressa por sentenças como
(15) "Se P, então é necessário que P."
e seu equivalente sintático
(16) "Se P, então é impossível que não-P."
Mas em (15) e (16), temos uma fonte potencial de confusão lógica. Por um lado, podemos pensar em cada um como meramente expressando (14) em outras palavras. E, nesse caso, nada nem remotamente fatalista parece decorrer da verdade necessária com a qual começamos. Mas, por outro lado, podemos pensar erroneamente em (15) e (16) como atribuindo necessidade ou impossibilidade absoluta à cláusula consequente ou sua negação, respectivamente
Essa é a falácia cometida por muitos metafísicos ao discutir o problema dos contingentes futuros de Aristóteles. Aristóteles questionou se, se é verdade que uma batalha naval vai ocorrer na baía de Salamina, segue-se que tal batalha deve ocorrer, e não pode deixar de ocorrer. Responder "Sim" pareceria comprometer alguém a dizer que a verdade lógica de (13), conforme declarado em (14), implica que o futuro está fadado e que não há nada que se possa fazer. É supor, como já disse, que o determinismo lógico - a verdade lógica de (13) - acarreta no fatalismo lógico. [17] Mas, é claro, a própria lógica não impõe que a proposição P, como ocorre na cláusula consequente de (15) e (16), seja "necessariamente verdadeira" ou que sua negação, não-P, "não seja possivelmente verdadeira" ou "impossível". Essas expressões modais, à medida que ocorrem nos consequentes de (15) e (16), não devem ser entendidas em um sentido absoluto, mas em um sentido consequente. Pois a proposição P, lembre-se, é uma proposição contingente e, portanto, não necessariamente verdadeira, de modo tal que que sua negação não é impossível. Ou seja, porque P - por hipótese - é contingente, poderia ser falso (onde "poderia" deve ser entendido em sentido absoluto). Supor que P não pode ser falso com base nas sentenças infelicitamente expressas em (15) e (16) é confundir os usos consequenciais dessas expressões modais com seus usos absolutos. É ser culpado de confusão modal. Tudo o que se segue está relacionado com a verdade da proposição de que uma batalha naval ocorrerá, não que "deve" ocorrer ou que sua não ocorrência é "impossível".
Uma falácia modal paralela infecta o pensamento daqueles que supõem que a doutrina do fatalismo teológico ou predestinação segue-se da doutrina da onisciência divina. A doutrina da onisciência diz que para qualquer proposição P verdadeira, Deus conhece a "desde toda a eternidade". Agora considere qualquer proposição da forma
(17) Deus sabe que P.
onde P é uma proposição contingente (supostamente) verdadeira, como "Judas trairá Jesus". Então, uma vez que Deus sabe que P é verdadeiro, acarretando a verdade de P, ambas as proposições a seguir serão verdadeiras:
(18) Se Deus sabe que P, então P.
e
(19) Necessariamente, se Deus sabe que P, então P.
Agora considere as sentenças
(20) "Se Deus sabe que P, então necessariamente P.".
e
(21) "Se Deus sabe que P, então é impossível que não-P.".
Podemos interpretar as sentenças (20) e (21) inofensivamente como expressando nada mais do que (19). E quando assim os interpretamos, eles não trazem consigo nenhum indício da ideia de que Deus de alguma forma predestinou a traição de Judas. No entanto, podemos interpretar essas mesmas frases como um apoio à doutrina da predestinação.
Assim, alguns teólogos pensam que o conhecimento prévio de Deus sobre eventos futuros, como a suposta traição de Jesus por Judas, torna necessário a ocorrência desses eventos e torna impossível sua não ocorrência. Eles pensaram que o conhecimento prévio de Deus do que Judas faria o tornava um peão no plano de Deus para a salvação. De maneira mais geral, eles concluem, o conhecimento prévio de Deus do futuro torna-o inevitável; sua presciência determina não apenas o futuro de Judas, mas também predestina o de todos nós. No entanto, é fácil ver que esse relato da relação entre presciência e predestinação confunde a lógica da situação. [18] Como o argumento para o fatalismo lógico, este argumento à pré-ordenação cai em conflito com a confusão modal: o de supor que a cláusula consequente por si só é necessária (como em (20)) ou sua negação impossível (como em (21)) quando, como uma questão de lógica, cada uma é contingente.
5.9 De volta à confusão modal de Plantinga
Em termos gerais, o que estou chamando de confusão modal é atribuir ao consequente Q de uma proposição necessariamente verdadeira com a forma "Se P (o antecedente), então Q (o consequente)" uma propriedade modal que ela não possui. Em contextos lógicos, surge quando uma sentença da forma "Se P, então necessariamente Q" é considerada como atribuindo necessidade ao consequente quando o consequente não é necessário, mas contingente e, portanto, possivelmente falso; ou novamente quando uma sentença da forma "Se P, então é impossível que não-Q" seja considerado como atribuindo impossibilidade à negação do consequente quando a negação do conseqüente não é impossível, mas contingente e, portanto, possivelmente verdadeira. [19] A consequência será, evidentemente, necessária no sentido de ser uma consequência logicamente necessária das premissas antecedentes das quais deriva; e a negação dessa consequência será, consequentemente, impossível. Mas não se segue que a consequência seja absolutamente necessária ou que a sua negação seja absolutamente impossível. Supor que se segue é ser culpado da confusão modal e violar o que foi apropriadamente chamado "O Princípio da Fixidade do Estatuto Modal": em particular, o princípio metodológico de que nenhuma proposta contingente se "torna" necessária ou impossível apenas em virtude de aparecer na conclusão de um argumento válido[20].
A esta altura, deve estar claro que a Defesa do Livre Arbítrio de Plantinga é atormentada pela confusão modal. Tem a forma geral de um argumento de
(22) Necessariamente, se Deus atualiza um mundo no qual as proposições (3) a (10) são verdadeiras, então o mal existe.
para
(23) Se Deus atualiza um mundo no qual as proposições (3) a (10) são verdadeiras, então é impossível que o mal não exista.
Para os fins de sua Defesa, Plantinga quer que concluamos que a impossibilidade da não ocorrência do mal, conforme afirmado no consequente de (23), é absoluta. Mas tudo o que ele mostrou é que a ocorrência do mal é uma consequência lógica das ações de Deus.
5.10 Veredito Provisório
Resumindo até agora: Leibniz não lapsou; nem Mackie. Ou Plantinga se entregou a um estratagema deliberado ou caiu na confusão modal. Mesmo quando reconstruído caridosamente, o máximo que o argumento de Plantinga mostra é que Deus não poderia ter agido de outra forma, no sentido de que ele é incapaz de escapar das consequências lógicas das condições não lógicas que impôs a si mesmo, exercendo suas próprias escolhas livres.
Mas isso não isenta Deus da responsabilidade pelas consequências dessas escolhas.
Com o colapso da defesa de Plantinga "ele não poderia agido feito de outra forma", a questão da culpabilidade de Deus entra em foco. O que devemos dizer de um Deus hipotético que impiedosamente inflige todo mal conhecido pela humanidade às suas vítimas, quando ele poderia ter escolhido de outra forma? O que dizer de um Deus que se encaixa perfeitamente no cenário de Russell?
6. Dia do Julgamento: Deus Todo-Poderoso e Onisciente não é moralmente perfeito
Para orientar nossas intuições, contarei uma parábola sobre outro personagem fictício: o análogo terrestre de Deus, o Cão.
6.1 A Prova do Cão Todo-Poderoso e Onisciente
"Cuidado com o Cão", disseram seus vizinhos. Eles estavam se referindo ao Cão Todo-Poderoso e Onisciente.
Cão, você vê, era um criador de cães que reinava supremo em uma ilha criada por ele mesmo. Apesar de seu nome, ele não era realmente todo poderoso. Não no sentido em que Deus era todo-poderoso, de qualquer maneira. Seus poderes eram limitados não apenas pelas leis da lógica, mas também pelas da natureza. Dentro desses limites, no entanto, ele tinha a capacidade de fazer qualquer coisa fisicamente possível. E ele não sabia tudo, também. Mas ele sabia o suficiente sobre as leis da natureza e sua aplicação para ser capaz de predizer, sem falta, como seria o futuro.
Um dia, Cão teve uma ideia. Ele criaria uma raça de cães à sua própria imagem e daria a eles o precioso presente da liberdade. Pois, como disse seu advogado de defesa, quando Cão foi a julgamento por crueldade grosseira com os animais, Cão achou melhor, "tudo o mais sendo igual", ter sua ilha habitada por cães livres em vez de nenhum cão livre.
Agora Cão tinha uma escolha. A única maneira de criar sua raça de cães escolhida era animar alguns dos embriões congelados (o correlato terreno das essências abstratas de Plantinga) que estavam armazenados em seu freezer criogênico. Alguns deles, ele sabia, eram embriões de uma raça gentil que, se animados, nunca se comportaria mal. Por outro lado, alguns eram de uma raça de cães selvagens cuja realização, ele sabia de antemão, levaria aos resultados mais horríveis que ele poderia imaginar. Super pit bulls, eles eram. E entre eles um gigante de um super pit bull, Satanás, um cachorro que mataria e mutilaria muitos cães menores e os infectaria com sua própria disposição maligna.
Qual raça ele escolheria? Por alguma razão inexplicável, Cão escolheu animar a raça selvagem e deixá-los significativamente livres, soltos, despreocupados e indisciplinados. O resultado era previsível. Na verdade, ele sabia o que iria acontecer. Satanás e seus companheiros tornaram a vida dos cães menos poderosos. e de outras criaturas da ilha. um inferno. E nessas condições, esses cães mais fracos fizeram aos outros o que outros fizeram a eles. A fome, o sofrimento, o assassinato e o caos prevaleciam em todo o mundo dos cães. No entanto, o Cão Todo-Poderoso não fez nada para intervir. Como o Deus de Gênesis capítulo 1:13, o Cão Todo-Poderoso "viu tudo o que tinha feito, e eis que era muito bom". Como o cenário do Deus de Russell, ele gostava de ter seus cães o adorando, apesar do sofrimento. Como Madeleine Albright, ele achou que o preço valeu a pena.
Veja bem, o advogado de Cão - o parceiro júnior de Plantinga, na verdade - apresentou uma defesa. Lendo o sumário que Plantinga já havia preparado (sua "declaração preliminar da Defesa do Livre Arbítrio"), e substituindo apenas duas palavras no texto de Plantinga ("Cão" por "Deus" e "pit bulls" por "criaturas"), ele argumentado assim em tribunal:
Um mundo contendo pit bulls que são significativamente livres é mais valioso, se todo o resto for igual, do que um mundo que não contém nenhum pit bulls livre. Agora Cão poderia criar pit bulls livres, mas ele não poderia causar ou determinar que eles fizessem apenas o que é certo. Pois se ele o fizesse, eles não seriam significativamente livres, afinal; eles não fariam o que é certo livremente. Para criar pit bulls capazes do bem, ele teve que criar outros capazes do mal; e ele não podia deixar esses pit bulls livres para praticar o mal e ao mesmo tempo impedi-los de fazer isso. De fato, o Cão criou pit bulls significativamente livres; mas alguns deles erraram no exercício de sua liberdade; esta é a fonte de todo o mal. O fato de que esses pit bulls livres às vezes faziam algo de errado, entretanto, não conta nem contra a onipotência do Cão nem contra sua bondade; pois ele poderia ter evitado a ocorrência desses males apenas eliminando a possibilidade do bem. (p. 167 com substituições especificadas)
O advogado encerrou o caso à defesa dizendo que "sob essas condições" e "apesar" de sua quase onipotência, o Cão Todo-Poderoso "não poderia" ter realizado uma ilha na qual nenhum pit bulls jamais se comportou mal. [21] Snickers foram ouvidos no tribunal.
As falhas na defesa de Cão eram evidentes. O promotor argumentou que Cão, sabendo o que fazia desde o início, era culpado de intenção criminosa psicopática quando escolheu animar os embriões de pit bull; culpado de imprudência ao libertar os pit bulls; culpado de negligência quando não interveio; e culpado de torpeza moral quando ele deixou de atender imediatamente aos animais que sofreram como consequência. Cão estava livre para fazer o contrário a qualquer momento. É verdade que Cão não mordeu, maltratou ou se matou. Ele não foi a causa direta desses males. Mas ele era responsável por eles mesmo assim.
O juiz e o júri concordaram. Cão foi considerado culpado, sentenciado e preso.
Nesse momento, outro caso estava em andamento, com outro acusado em julgamento.
6.2 A Prova do Deus Todo-Poderoso e Onisciente
"Cuidado com o Deus", seus acusadores há muito diziam. Eles estavam se referindo ao Deus Todo-Poderoso e Onisciente, o Deus da fé teísta.
Além das acusações das quais seu homólogo humano foi considerado culpado, ele enfrentou as acusações mais graves de cometer crimes contra a humanidade, crimes de guerra e usar os poderes da natureza - doenças e desastres - como armas de destruição em massa. Na verdade, cada calamidade e crime, cada pecado e contravenção, foram colocados a seus pés como Criador e Comandante Supremo do universo: o planejador primário e iniciador deliberado de tudo o que há de errado com ele.
Mark Twain havia feito a acusação em 1909. Referindo-se a "Desastre, doença e o resto" como "o Grande Exército do Criador" e ao próprio Deus como "Comandante em chefe", ele argumentou
O cristão começa com esta proposição direta, esta proposição definida, inflexível e intransigente: Deus é onisciente e onipotente.Sendo assim, nada pode acontecer sem que ele saiba de antemão que vai acontecer; nada acontece sem sua permissão; nada pode acontecer que ele opte por prevenir. Isso é definitivo, não é? Isso torna o Criador responsável por tudo o que acontece, não é? [22]
Um tribunal especialmente convocado da Corte Criminal Internacional estava ouvindo o caso de Deus, e Plantinga era o advogado-chefe de defesa. Plantinga desenvolveu sua Defesa do Livre Arbítrio cuidadosamente preparada - uma forma encoberta da clássica Defesa da Necessidade ou "coação das circunstâncias". Mas os juízes notaram que as únicas condições que limitam as ações de Deus foram autoimpostas, circunstâncias decorrentes de seus próprios planos para a criação. Adotando uma distinção verbal que os ajudantes de Plantinga mais tarde usaram ao comentar o caso, eles notaram que a inviabilidade de Deus fazer o contrário não acarretava na impossibilidade lógica dele agir de outra forma.
Eles se perguntavam sobre a miopia moral de alguém que avançaria uma defesa que, se aceita, absolveria Hitler de todos os seus crimes, alegando que ele mesmo nunca disparou um tiro com raiva ou puxou as alavancas que lançaram gás nas câmaras de Auschwitz. O livre arbítrio dos subordinados de Hitler, eles notaram, não era não era o elo final na cadeia de responsabilidade pelos fatos ocorridos; nada fez para absolver Hitler como a pessoa que planejou e iniciou todas as operações com pleno conhecimento de seu resultado. O advogado de defesa, eles perguntaram, levantaria o mesmo argumento em nome de outros monstros morais da história humana, homens que trouxeram sofrimento em uma escala incalculável: Genghis Khan, Stalin e Pol Pot, ou outros como George W. Bush e o mítico Moisés, ambos reivindicando a sanção de Deus por seus crimes? Ele estava sugerindo que eles, os juízes, adotassem padrões duplos, mantendo o Deus Todo-Poderoso e Onisciente em padrões inferiores aos de seus subordinados mais fracos e ignorantes?
Eles lembraram ao advogado de defesa que o acusado estava sendo julgado de acordo com os princípios morais relativos à Responsabilidade do Comando, reconhecidos por Ping Fa por volta de 500 AC, princípios que foram finalmente consagrados nas Convenções de Haia de 1907, nas Convenções de Genebra de 1948 e na Carta de Nuremberg de 1950 (os Princípios III e VI dos quais explicitamente atribuem responsabilidade aos Chefes de Estado que "planejaram" e "iniciaram" crimes contra a humanidade). E, citando o Artigo 7 (3) do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, eles apontaram que o fato de um subordinado ter cometido crimes
não exime o seu superior da responsabilidade penal se soubesse ou tivesse motivos para saber que o subordinado estava prestes a cometer tais atos ou o tinha feito e o superior não tomou as medidas necessárias e razoáveis para prevenir tais atos. [23]
Este princípio, eles observaram, é um exemplo particular da verdade moral mais geral:
Se uma pessoa sabe que um ato, ou estado de coisas, moralmente repreensível ocorrerá, ou continuará a ocorrer, a menos que impeça sua ocorrência, e tem a capacidade de impedir que ocorra, então essa pessoa é moralmente culpada pela ocorrência desse evento ou estado de coisas.
Em virtude de sua onipotência e onisciência, Deus foi considerado um acessório, antes, durante e depois do fato de todos os males.
Os juízes consideraram Deus culpado em todas as acusações: intenção criminosa, imprudência, negligência e torpeza moral, bem como as principais acusações de crimes contra a humanidade.
Antes de proferir a sentença, eles perguntaram ao acusado, Deus Todo-Poderoso e Onisciente - anteriormente conhecido como o "Bom Senhor", se ele tinha algo a dizer. Mas, como seu filho antes de Pilatos, ele era praticamente mudo.
A sentença foi pronunciada e executada. Ele foi transportado para o cemitério dos deuses, dali para desaparecer através das brumas do esquecimento que todos os deuses merecem.
E todas as pessoas sábias e boas disseram "Amém".
7. Veredito Final: O Triunfo da Lógica e Moral "das terras lá embaixo"
"Deus está morto", anunciou Nietzsche, entregando-se à ficção de que Deus já esteve vivo. Eu entretive essa mesma ficção; mas apenas para demonstrar que, dado o conceito teísta de Deus e a existência inegável do mal, ele nunca existiu.
7.1 A Falha e Irrelevância da Defesa do Livre Arbítrio
A defesa de Plantinga do Deus teísta é uma fraude lógica e moral. A fraude lógica tem a ver com o que Deus "poderia" ter feito ao conceber seus planos para o mundo. A fraude moral tem a ver com o mau uso de Deus de seu livre arbítrio ao executar esses planos. O fato, se fosse um fato, de que os subordinados de Deus também usaram mal seu livre arbítrio - não importa o como "livre arbítrio" seja interpretado - nada mais é do que um espetáculo à parte. Mesmo se os vínculos causais entre os atos criativos de Deus e os nossos fossem rompidos da maneira que o relato contracausal de Plantinga sobre o livre-arbítrio prevê, a responsabilidade final de Deus pelo mal não seria eliminada.
7.2 O mal e a responsabilidade do comando de Deus por sua ocorrência
Plantinga pediu, mas não quis, uma prova de que Deus não existe se o mal existe. Ele desafiou alguém a produzir uma proposição cuja conjunção com a proposição indiscutivelmente verdadeira
(2) O mal ocorre.
demonstraria logicamente a falsidade da proposição
(1) Se Deus existe, então ele é onisciente, onipotente e totalmente bom.
Peça e você receberá.
O Princípio da Responsabilidade do Comando, conforme reconhecido no direito internacional, trata expressamente do tipo de cenário que Plantinga desenvolveu em defesa de Deus, no qual ele argumenta que a responsabilidade pelos males morais e naturais deve ser atribuída aos subordinados de Deus, criaturas (humanas e satânicas), e nenhuma aos pés do Comandante Chefe, que planejou e provocou a situação em que se encontram.
Em contraste, o Princípio Generalizado de Responsabilidade de Comando enuncia condições suficientes (conforme expresso em (3) abaixo) para manter qualquer pessoa moralmente culpada e criminalmente responsável pela ocorrência dos males, quer esses males tenham sido causados pela própria pessoa, por subordinados dessa pessoa, por qualquer outra agência e se algum dos subordinados dessa pessoa causou ou não esses males por sua própria vontade. Não só permite o cenário Plantinga, no qual males naturais como doenças e desastres são atribuíveis à agência de subordinados não humanos como Satanás, mas também permite o cenário bíblico no qual males naturais são atribuíveis ao próprio Deus, ou seja, são, como tão apropriadamente os descrevemos, "atos de Deus".
O Princípio Generalizado de Responsabilidade de Comando, a saber (3), eu argumentaria, é uma verdade moral inatacável - qualquer exceção à qual, seja neste mundo ou em qualquer outro mundo possível, seria moralmente inescrupuloso e minaria a própria moralidade. Portanto, se alguma verdade moral é candidata ao status de verdade necessária, esta é uma delas.
7.3 Uma prova formal de que, se o mal existe, então o Deus dos teístas não
Aqui, então, está uma refutação lógica de (1), dada a verdade da proposição (2). O Princípio Generalizado de Responsabilidade de Comando apresenta-se como proposição (3).
(1) Se Deus existe, ele é onisciente, onipotente e totalmente bom.
[Hipótese de que o Deus dos teístas existe]
(2) O mal existe
[Declaração do fato indiscutível do mal]
(3) Se alguém não impediu a ocorrência do mal, apesar de ter pleno conhecimento prévio de que ele ocorreria, se não o impedisse, apesar de ter também poder ilimitado para evitá- lo, então essa pessoa é moralmente culpada pela sua ocorrência.
[Princípio generalizado da responsabilidade de comando].
(4) Em virtude de sua onisciência, Deus sabia de antemão que o mal ocorreria a menos que ele o impedisse.
[De 1 por definição de onisciência]
(5) Em virtude de sua onipotência, Deus tinha a capacidade de prevenir a ocorrência do mal.
[De 1 por definição de onipotência em termos de ausência de limites não lógicos para a capacidade de Deus]
(6) Deus não evitou a ocorrência do mal.
[De 2 por dupla negação]
(7) Deus tinha a capacidade de prevenir a ocorrência do mal e sabia que ele ocorreria se não o impedisse.
[De 4 e 5 por conjunção]
(8) Deus é moralmente culpado pela ocorrência do mal.
[Da conjunção de 3, 6 e 7 por modus ponens]
(9) Deus não é totalmente bom.
[De 8 por definição de "totalmente bom"]
(10) Deus não existe.
[De 1 a 9 por modus tollens]
7.4 Conclusão
O Deus do teísta era considerado moralmente perfeito, além de onipotente e onisciente. Mas, do fato indiscutível de que o mal existe no mundo, cuja existência ele supostamente causou, segue-se - pela verdade moral inatacável expressa no Princípio Generalizado de Responsabilidade de Comando - que ele não pode ter todas as três propriedades ao mesmo tempo. Ipso facto, tal Deus não existe agora, e nunca existiu. É a lógica da nova prova “das terras lá embaixo”, não da Defesa do Livre Arbítrio de Plantinga, que triunfa.
Notas
[1] John L. Mackie, "Evil and Onipotence", Mind, 64 (1955). Sua tese central - que Deus poderia ter criado pessoas que sempre escolhem livremente o bem - é elaborada detalhadamente no capítulo 9 de seu The Miracle of Theism, Oxford at the Clarendon Press, 1982.
[2] H. J. McCloskey, "God and Evil," Philosophical Quarterly, 10 (1960).
[3] R. D. Bradley, "A Proof of Atheism," Sophia, Vol. VI, No. 1, abril de 1967, pp. 39-45. Meu próprio argumento para a inconsistência lógica estava mais próximo do de Hume do que de Mackie. Eu simplesmente assumi que a questão tinha pouco a ver com nosso exercício do livre arbítrio (independentemente de como isso fosse interpretado) e muito a ver com o exercício irrestrito de Deus por conta própria - muito a fazer, isto é, com o que agora me refiro a sua responsabilidade de comando.
[4] Alvin Plantinga, The Nature of Necessity, Oxford at the Clarendon Press, 1974, p. 167.
[5] Por uma questão de simplicidade, alterei as designações numéricas da maioria das proposições que aparecem na apresentação de Plantinga. Assim, seu original "(31)" torna-se "(3)"; seu "(32)" torna-se "(4)"; e assim por diante.
[6] Alvin Plantinga, "The Dawkins Confusion," Books and Culture, março / abril de 2007.
[7] Sua validade deve ser evidente para quem nem mesmo entende o que as premissas significam.
[8] Observe ainda que mesmo se (3) fosse consistente com Deus tendo cada uma dessas outras propriedades separadamente, ainda assim não se seguiria que (3) fosse consistente com Deus tendo todas as três propriedades conjuntamente.
[9] É, naturalmente, um fato lógico que de qualquer conclusão C pode-se, em virtude da regra lógica conhecida como "Adição", deduzir C ou X validamente, onde a conclusão expandida pode conter qualquer conceito que se queira colocar afim disso. Mas deduzir a disjunção C ou X não é a mesma coisa que deduzir C sozinho. É ao último tipo de dedução que minha regra prática se aplica.
[10] 10 de maio de 1996, em 60 Minutes.
[11] Bertrand Russell, "A Free Man's Worship," Mysticism and Logic, Doubleday Anchor Books, 1957, p. 44
[12] As outras premissas, (8), (9) e (10), são aquelas que Plantinga considera como necessariamente verdadeiras (como no caso de (8)) ou são declarações das ligações inferenciais entre as outras premissas.
[14] Veja também "Suponha que todas as pessoas que existem em alfa [seu nome para o mundo real] sofram de depravação transmundana." (p. 187)
[15] É importante notar que na página 188 Plantinga escreve, "é possível que toda essência humana sofra de depravação transmundana" e adiciona, como uma nota de rodapé, a qualificação "isto é, toda essência criatural que implica é criada por Deus." Claramente, as essências das criaturas que têm a propriedade de serem criadas por Deus são aquelas que apenas existem no mundo real.
[16] Para uma discussão cuidadosa desses e de outros usos problemáticos de expressões modais, ver Bradley e Swartz, Possible Worlds: an Introduction to Logic and its Philosophy, Indiana, Hackett Publishing Company e Oxford, Basil Blackwell Publisher, 1979, pp. 328 -332. Lá distinguimos entre usos absolutos e relativos de expressões modais. Aqui, por razões de clareza, escolhi traçar a distinção entre usos absolutos e consequenciais.
[17] "Deve o futuro ser o que vai ser?" Mind 68; reimpresso em The Philosophy of Time, ed. Richard M. Gale, 1967; Nova York, Anchor Books.
[18] Há uma justificativa melhor para dizer que Deus, determinando o que o futuro reservará para todos nós, tendo nossos destinos "escritos no livro da vida" desde "a fundação do mundo", é o que lhe dá o conhecimento prévio de nosso futuro.
[19] É importante notar que uma falácia modal análoga pode ocorrer no raciocínio envolvendo usos não lógicos de termos modais, por exemplo, seus usos para expressar modalidades causais (conceitos modais envolvendo leis não lógicas, mas causais). Exemplo: a inferência inválida de "Por uma questão de necessidade (causal), se um foguete não atingir a velocidade de escape, ele cairá de volta à terra" para "Se um foguete não atingir a velocidade de escape, então é (causalmente) impossível para ele não cair de volta à terra."
[20] Devo muito ao meu amigo e colaborador filosófico (como co-autor de Possible Words) por fornecer esta formulação memorável da violação do princípio metodológico que gera o que antes batizamos de "A Falácia Modal".
[21] O fato da Defesa de Plantinga se prestar tão prontamente à paródia diz algo sobre o quão superficial ela realmente é.
[22] Mark Twain, Letters from the Earth, Fawcett Crest Book (7ª impressão em Nova York, 1968), p. 33. Twain continua mordaz: Depois, tendo assim tornado o criador responsável por todas as dores, doenças e misérias acima enumeradas, e que ele poderia ter evitado, o cristão talentoso suavemente o chama de Pai Nosso ... O que pensar da mente humana? Quero dizer, caso você ache que existe uma mente humana.
[23] Protocolo Adicional 1 de 1977 às Convenções de Genebra de 1949, Artigo 86 (2).
Agora comecei a olhar torto pro Plantinga
ResponderExcluirNão olhe! Plantinga é um excelente autor, mesmo sendo passível de críticas.
ExcluirAos poucos obtendo conhecimento dos argumentos naturalistas acredito ser possível ir refutando a apologética teísta cristã. Este site é excelente.
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