Autor: Paul Braterman
Tradução: Cezar Souza
Muitas pessoas ao redor do mundo ficaram horrorizadas ao testemunhar o dano causado por teorias da conspiração como QAnon e o mito da eleição roubada nos Estados Unidos, que levou ao ataque ao edifício do Capitólio dos Estados Unidos em 6 de janeiro. No entanto, embora essas idéias sem dúvida desaparecerão com o tempo, pode-se dizer que existe uma teoria da conspiração muito mais duradoura que também permeia a América na forma do criacionismo da Terra jovem. E é algo que não podemos ignorar porque se opõe perigosamente à ciência.
Nos Estados Unidos hoje, até 40% dos adultos concordam com a afirmação do criacionismo da Terra Jovem de que todos os humanos descenderam de Adão e Eva nos últimos 10.000 anos. Eles também acreditam que as criaturas vivas são o resultado de uma “criação especial” ao invés de evolução e ancestralidade compartilhada. E que o dilúvio de Noé foi mundial e responsável pelos sedimentos da coluna geológica (camadas de rocha formadas ao longo de milhões de anos), como as expostas no Grand Canyon.
Essas crenças derivam da doutrina da infalibilidade bíblica, há muito aceita como parte integrante da fé de numerosas igrejas evangélicas e batistas em todo o mundo, incluindo a Igreja Livre da Escócia. Mas eu argumentaria que o movimento criacionista atual é uma teoria da conspiração totalmente desenvolvida. Ela atende a todos os critérios, oferecendo um universo paralelo completo com suas próprias organizações e regras de evidência, e afirma que o estabelecimento científico que promove a evolução é uma elite arrogante e moralmente corrupta.
Essa chamada elite supostamente conspira para monopolizar o emprego acadêmico e as bolsas de pesquisa. Seu suposto objetivo é negar a autoridade divina, o beneficiário final e o principal motor é Satanás.
O criacionismo ressurgiu dessa forma em reação à ênfase de meados do século 20 na educação científica. Seu texto principal é o best-seller de longa data, The Genesis Flood, de John C Whitcomb e Henry M Morris. Isso forneceu a inspiração para o próprio Instituto de Pesquisa da Criação, feito por Morris, e para suas ramificações, Answers in Genesis e Creation Ministries International.Demonizando e desacreditando
Essas são táticas comuns da teoria da conspiração em jogo. Os criacionistas não medem esforços para demonizar os proponentes da evolução e para minar as evidências esmagadoras a seu favor.
São inúmeras as organizações, entre elas a Biologos, a American Scientific Affiliation, o Faraday Institute e o Clergy Letter Project, que se autodenomina “um esforço destinado a demonstrar que religião e ciência podem ser compatíveis”, ou seja, promover a ciência da evolução dentro do contexto da crença religiosa. Mesmo assim, os criacionistas insistem em unir os tópicos separados da evolução, filosofia materialista e a promoção do ateísmo.
De acordo com o Answers in Genesis, a ciência da evolução é uma obra de Satanás, enquanto o ex-congressista americano Paul Broun a descreveu como “uma mentira direto do abismo do inferno”. Quando ele disse isso, aliás, ele era membro do Comitê de Ciência, Espaço e Tecnologia da Câmara dos Deputados.
Como outros teóricos da conspiração, os criacionistas se imunizam da crítica baseada em fatos. Eles rotulam o estudo do passado como baseado em suposições improváveis, desqualificando assim de antemão a evidência clara da geologia.
Eles então atacam outras evidências focando em fraudes específicas, como o homem de Piltdown - um esqueleto falso supostamente de um elo perdido entre humanos e outros macacos que foi desmascarado há mais de 60 anos - ou o amálgama pássaro-dinossauro "Archaeoraptor", desacreditado por cientistas perspicazes antes mesmo de entrar na literatura revisada por pares (embora não antes de entrar na National Geographic).
Um dos alvos favoritos é Ernst Haeckel, cujas imagens de embriões, publicadas em 1874, são agora consideradas seriamente imprecisas. No entanto, eles chamam corretamente a atenção para o que mais importa aqui: as características compartilhadas durante o desenvolvimento por diferentes organismos - incluindo humanos - como arcos de guelras, uma cauda longa e olhos nas laterais em vez da parte frontal da cabeça, confirmando que eles têm uma ancestralidade comum.
O nome de Haeckel aparece no site Answers in Genesis 92 vezes. Ele também é o assunto de um longo capítulo em Icons of Evolution; Science or Myth, de Jonathan Wells. Este livro, que até tem seu próprio guia de estudo do ensino médio, foi o que primeiro me convenceu, em 2013, de que o criacionismo era uma teoria da conspiração.
É um exemplo esplêndido de táticas criacionistas, usando deficiências há muito corrigidas (como aquelas nos primeiros estudos sobre a evolução darwiniana em mariposas salpicadas, em resposta à mudança de cores após poluição reduzida) para implicar que toda a ciência é fraudulenta. Wells tem um verdadeiro PhD em biologia, um PhD adquirido com o objetivo específico de “destruir o darwinismo” - ou seja, a ciência da evolução - por dentro.
Wells é um membro sênior do Discovery Institute, um thinktank conservador que promove o criacionismo sob a bandeira do "Design Inteligente", e também está ligado a outras teorias da conspiração, como alegações de que o consenso sobre as mudanças climáticas é falso, e que em novembro passado a eleição presidencial dos EUA foi roubada.
[Nota do tradutor: a legenda está traduzida, por isso as letras estão diferentes dela]Qual o próximo?
As teorias da conspiração são sempre movidas por alguma preocupação ou agenda subjacente. A teoria de que a certidão de nascimento de Obama foi uma falsificação, ou de que a eleição de 2020 nos EUA foi roubada, são sobre legitimidade política e irá desaparecer à medida que os políticos que as promovem desaparecerem da memória. A ideia de que a COVID-19 não existe está se provando um pouco mais difícil de desalojar, mas cientistas, como aqueles por trás da Respectful Insolence, estão se organizando para lutar contra a negação da ciência e a desinformação.
Temo que a teoria da conspiração criacionista não terá vida tão curta. É impulsionado por uma luta de poder profundamente enraizada nas comunidades religiosas, entre modernistas e literalistas; entre aqueles que consideram as Escrituras como chegando a nós por meio de autores humanos, embora inspirados, e aqueles que as consideram uma revelação sobrenatural perfeita. E essa é uma luta que nos acompanhará por muito tempo.
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