Autor: Scott MacDonald
Tradução: Cezar Souza
Na Summa Theologiae (ST) 1.2.3, Aquino diz que sua primeira via para provar a existência de Deus é mais clara (manifestior), aparentemente significando que é a mais clara das cinco vias que ele oferecerá. A maioria dos filósofos que consideraram o assunto, contudo, discordaram. A prova do movimento foi quase totalmente abandonada, e filósofos de Clarke e Leibniz a Rowe e Swinburne preferiram versões do argumento cosmológico mais próximas da segunda ou terceira via de Aquino [1]. Uma razão para a negligência da primeira via é que geralmente se supõe que ela esteja sujeita a várias críticas óbvias e devastadoras, entre elas a de que depende crucialmente de teoria física arcaica, astrologia antiga e uma ou mais falácias elementares. Neste artigo, argumento que a prova do movimento pode ser libertada das armadilhas da ciência e astrologia antigas e defendida contra a mais comum das críticas estritamente filosóficas a ela. Tendo defendido o argumento contra algumas críticas bem conhecidas, argumento que ele, entretanto, falha como uma prova independente da existência de Deus porque sua validade depende de outra prova de Aquino para a existência de Deus. Os comentaristas não avaliaram adequadamente o significado da natureza parasitária da prova do movimento, embora o próprio Aquino o tenha feito, como argumento na seção final deste ensaio.
Vou me basear em ambas as declarações de Aquino, a "primeira via” encontrada em ST 1.2.3 e a primeira das duas provas "aristotélicas" encontradas em Summa contra gentiles (SCG) 1.13. As declarações SCG e ST da prova diferem em dois aspectos significativos. Primeiro, na discussão mais detalhada na SCG 1.13, Aquino oferece vários sub argumentos e frequentemente dá mais de um argumento para cada ponto que ele pensa que precisa de justificação. Em contraste, a discussão da ST preserva apenas alguns desses sub argumentos e os incorpora ao corpo da prova. Discuto apenas os sub argumentos que me parecem mais fortes e úteis para fazer a minha argumentação. Se os sub argumentos que não discuto são ou não bons argumentos parece-me que não fazem qualquer diferença para os pontos que discuto neste artigo. Tudo o que preciso fazer é rastrear um único fio defensável que atravessa a prova do movimento. O segundo aspecto em que as duas apresentações da prova do movimento diferem está na declaração da conclusão. A versão SCG da prova conclui: "Portanto, é necessário supor que há algum motor imóvel primário" (primum movens immobile), enquanto a conclusão da prova na ST é aparentemente mais fraca: "Portanto, é necessário chegar a algum motor primário que não é movido por nada"(primum movens quod a nullo movetur). Acho que essa segunda diferença é importante e a discuto na sétima seção, abaixo.
Seguindo a apresentação na SCG 1.13, o argumento pode ser representado da seguinte forma:[2]
1. Tudo o que é movido é movido por outra coisa.
2. Algo - chame-o de A - é movido.
∴ 3. A é movido por outra coisa - chame-o de B - que se move. [1,2]
4. Esse motor, B, (a) é movido ou (b) não é movido.
5. Se 4b for o caso, então há algum motor imóvel, viz., B.
6. Se 4a for o caso, então B é movido por outra coisa - chame-a de C - que se move.
7. Se 4a for o caso, então (a) prossegue para o infinito ou (b) alcança algum motor imóvel.
8. Não se pode proceder ao infinito.
∴ 9. Se 4a for o caso, então deve-se alcançar algum motor imóvel. [6, 7, 8]
∴ 10. Deve haver algum motor primário imóvel. [4, 5, 9]
O próprio Aquino vê que duas das premissas da prova - premissas 1 e 8 - precisam ser defendidas, e os críticos geralmente pensam que uma ou ambas são comprovadamente falsas. Da segunda à quinta seções, discuto essas premissas e algumas críticas recentes e influentes a elas. Na sexta seção, examino a suposição aparentemente injustificada de Aquino (na premissa 5, por exemplo) de que um motor imóvel é imóvel. Essa aparente suposição, de fato, mascara uma profunda dificuldade que expõe a natureza parasitária da prova. Antes de nos voltarmos para as dificuldades levantadas por essas três premissas, no entanto, precisamos olhar atentamente para o ponto de partida observacional da prova, a premissa 2.
A premissa 1 pode ser pensada como a premissa teórica que, junto com a 2 - a premissa da observação - tira a prova do chão. A premissa 2 chama nossa atenção para certos fenômenos do mundo, e a 1, uma proposição universal que toma como instâncias fenômenos desse tipo, nos inicia na busca por causas ou explicações. O restante da prova pretende estabelecer que a busca pode parar apenas em algum motor imóvel. Que tipo de fenômeno Aquino acha que fornece a base para esse argumento cosmológico? Ele diz que é um argumento do movimento (motus) e que é evidente para os sentidos que algo se move (moveri). O que ele entende por "movimento" e "ser movido"?
Seguindo Aristóteles, Aquino considera o motus como um gênero com três espécies: movimento local, alteração, e aumento e diminuição (mudança no local, qualidade, e quantidade, respectivamente).[3] Assim, motus inclui, mas não está limitado ao que normalmente chamaríamos de "movimento", a saber, movimento local. Na apresentação do argumento na ST ele considera um caso de alteração (uma tora no fogo ficando mais quente), enquanto na SCG ele cita um caso de movimento local (o sol está se movendo no céu). A prova do motus, então, parece começar a partir de movimentos e mudanças físicas comumente observáveis.
Mas temos que ter cuidado para não interpretar o motus de maneira muito ampla. Em primeiro lugar, ele não cobre tudo aquilo a que possamos estar dispostos a chamar "mudança", embora abranja alguns casos (alteração, por exemplo) que preferimos chamar de "mudança" em vez de "movimento". A vinda a ser ou a morte de substâncias e as chamadas simples mudanças de Cambridge - a mudança de George Bush de não ser pensado por mim para ser pensado por mim - não são exemplos de motus para Aquino.[4]
Em segundo lugar, a maneira como o argumento procede deixa claro que certos casos do que estaríamos dispostos a chamar de moções ou movimentos devem ser excluídos do escopo da premissa de observação. Normalmente dizemos que qualquer coisa que se move está em movimento, mas é crucial para a validade da prova de que há coisas em movimento (activas) que não são movidas (passivas); ou seja, casos de movimento que não são também casos de motus. Um caso de movimento (motus) é o caso de uma coisa da qual podemos dizer que é movida ou está sendo movida (movetur) - premissa 2 - e todas essas coisas são movidas por outra coisa - premissa 1. Mas Aquino nega que um motor primário é movido por outra coisa ou auto-movido, então ele não pode supor que um primeiro motor é movido (movetur) ou que seu movimento é uma instância de movimento (motus).[5] A prova, então, depende de uma distinção entre mover e ser movido, e nem todas as instâncias de mudança podem ser instâncias de motus.
Dado que a prova depende de algum tipo de distinção entre motores e coisas que se movem, é natural supor que Aquino usa as vozes passiva e ativa do verbo para marcar a distinção. Pode-se supor, por exemplo, que quando Aquino afirma (na premissa de observação) que algo é movido (moveri), ele quer dizer que a voz passiva do verbo deve ser tomada literalmente: algo está sendo movido (por algo que está agindo sobre ele). Em outras palavras, há algo que é o recipiente passivo do movimento (de algo que é seu motor ativo).[6] Assim, a distinção entre mover e ser movido, motores e coisas movidas, da qual depende o argumento, pode ser distinta entre motores ativos (agentes que possuem e exercem poderes causais ativos) e receptores passivos de movimento (coisas que possuem capacidades para serem afetadas por agentes que exercem poderes causais ativos). Quando um homem empurra uma pedra por meio de uma vara, por exemplo, a vara e a pedra são receptores passivos do movimento do homem, que é um motor ativo. Com base em uma distinção desse tipo, Aquino poderia isentar certos motores - motores que só dão movimento sem recebê-lo - do princípio geral expresso na premissa 1.
Claro, tomar a voz passiva do verbo como marcando o lado passivo dessa distinção entre agentes e pacientes afetará como entendemos os movimentos de abertura da prova*. Em primeiro lugar, a premissa da observação não deve ser lida como o lugar-comum inatacável de que há instâncias de movimento em termos gerais, mas como a afirmação de que há receptores passivos de movimento. Esta última afirmação é certamente mais forte do que a anterior, mas talvez também seja inquestionável. A vara e a pedra parecem ser receptores francamente passivos de movimento.
Em segundo lugar, quando a voz passiva do verbo é tomada da forma que sugeri, o princípio geral expresso na premissa 1 deve ser lido como a afirmação de que tudo o que é um receptor passivo de movimento é movido por outra coisa. Ora, pode-se objetar que essa maneira de ler o princípio geral o trivializa, visto que, nessa leitura, "é movido" parece ser analiticamente equivalente a "é movido por outra coisa'' .[7] Mas essa objeção está errada. Tomar coisas que exemplificam o motus como receptor passivo de movimento implica analiticamente apenas que seja movido por algo, mas não que seja movido por outra coisa. Na verdade, os argumentos de Aquino em apoio à premissa 1 destinam-se a descartar a possibilidade de que coisas que exemplificam o motus possam ser movidas por si em vez de movidas por outra coisa. Portanto, o princípio geral, tomado como sugeri que Aquino o pretendia, não é trivial.
A análise do movimento à qual Aquino apela em apoio à premissa 1 mostra mais claramente o que ele considera como as características significativas dessas instâncias de motus.
Mas tudo o que é movido [movetur] é movido por outra coisa, pois algo só é movido [movetur] apenas na medida em que está em potencialidade em relação àquele para o qual é movido. Mas algo se move [movet] na medida em que é na realidade, pois mover [movere] nada mais é do que trazer algo da potencialidade à realidade. Mas algo pode ser levado da potencialidade à realidade apenas por algum ser que está na realidade [aliquod ens in act]. . . . Mas não é possível que uma mesma coisa esteja em potencialidade e realidade no mesmo aspecto ao mesmo tempo. . . . Portanto, é impossível que algo seja um motor [movens] e uma coisa movida [motus], ou que mova [moveαt] a si mesmo, em um mesmo aspecto. (ST 1.2.3) [8]
Abordarei os detalhes desse argumento na próxima seção, mas primeiro quero me concentrar estritamente na caracterização do movimento Aquino em termos de potencialidade e atualização. Ele diz que algo é movido (movetur) somente na medida em que está em potencial, e que algo se move (moυet) somente na medida em que é na realidade. As formas ativa e passiva do verbo aparentemente marcam uma distinção que Aquino explica em termos de atualidade e potencialidade.
Aquino segue a caracterização do movimento (motus) de Aristóteles, que ele explica no seu comentário sobre a Física:
Portanto, deve-se notar que uma coisa [pode] ser inteiramente atual, inteiramente potencial, ou intermediária entre a potencialidade e a atualidade. Portanto, o que está inteiramente em potencialidade ainda não foi movido [nondum movetur]; o que já está na realidade completa, entretanto, não está sendo movida [non movetur], mas já foi movida [iam motum est]; portanto, essa coisa que está sendo movida [movetur] é intermediária entre a potencialidade pura e a atualidade pura, que está de fato parcialmente em potencialidade e parcialmente em realidade.
Isso é claro no caso de alteração, pois quando a água está quente apenas em potencial, ela ainda não se moveu; quando já foi aquecido, o movimento de aquecimento foi concluído; mas quando ele compartilha do calor em algum grau, mas de forma incompleta, ele está sendo movido [movetur] em direção ao calor, pois o que se torna quente compartilha do calor gradativamente. Portanto, a atualidade incompleta do calor existente na coisa aquecida é o próprio movimento [motus], não, de fato, na medida em que é apenas na atualidade, mas na medida em que o que já existe na atualidade está ordenado para uma maior atualidade. Pois, se retirasse a sua ordem para uma maior atualidade, a própria atualidade (por mais imperfeita que seja) seria o término do movimento [motus] e não o movimento [motus], como acontece quando algo aquece parcialmente. . . .
Portanto, a atualidade incompleta tem o caráter [ratio] do movimento [motus], na medida em que está relacionada tanto como potencialidade a uma outra atualidade quanto como da atualidade a algo menos completo, (In libros Physicorum 3.2) [9]
Esta passagem destaca três características essenciais do movimento.
Em primeiro lugar, o movimento caracteriza as coisas que são especificáveis em termos de estarem em estados de potencialidade e atualidade. Além disso, especificar uma coisa como sendo em potencialidade ou atualidade é especificá-la como sendo em potencialidade ou atualidade com respeito a algo. Quando Aquino diz que uma coisa pode ser inteiramente em atualidade, inteiramente em potencialidade, ou intermediário entre potencialidade e atualidade, ele quer dizer que pode ser inteiramente em potencialidade com respeito a algum estado S, inteiramente em atualidade com respeito a algum estado S, e assim por diante. Assim, uma chaleira de água fria tem potencialidade total em relação a ser quente; uma chaleira de água fervente é inteiramente real com respeito a ser quente, mas inteiramente em potencial com respeito a ser fria. Frequentemente, Aquino deixa de lado a qualificação que dá o respeito pelo qual uma coisa está em potencial ou atualidade, mas deve haver algum respeito para qualquer caso de movimento.
Em segundo lugar, Aquino explica motus em termos de estados de atualidade incompletos ou intermediários. Esses estados são caracterizados como incompletos ou intermediários em virtude de suas relações com os estados anteriores e posteriores da coisa que está sendo movida: uma coisa está em um estado de atualidade incompleta quando está em atualidade em relação a algum estado anterior de potencialidade, mas ainda em potencialidade relativa a algum estado sucessivo de (mais) atualidade. Aquino diz que uma coisa está sendo movida quando está em realidade incompleta com respeito a algum estado final; isto é, quando é parcialmente real em relação a ele, mas também ainda ordenada em relação a ele como em direção a uma nova atualidade. Como ele diz, se alguém tirasse o ser de uma coisa no processo de atingir uma maior atualidade, já não se poderia dizer que ela está a ser movida (movetur), mas apenas que atingiu o término do movimento.[10] Presumivelmente, por razões semelhantes, se alguém fosse tirar o fato de que a coisa já atualizou alguma potencialidade (até certo ponto), não se poderia mais dizer que está sendo movida, mas apenas que está no estado a partir do qual o movimento começa. [11] Portanto, dizer que em algum momento uma coisa está sendo movida envolve uma referência dissimulada aos estados da coisa em momentos anteriores e posteriores. Ser movido, então, envolve processo. Embora possamos ser capazes de identificar em momentos específicos coisas que estão sendo movidas, o fato de serem movidas consiste em estarem no processo de atualização da potencialidade durante um intervalo de tempo.
Segue-se desta segunda característica do motus que qualquer coisa que esteja sendo movida tem dois aspectos ou pode ser considerada de duas maneiras. Em virtude de ser movida, uma coisa está em atualidade incompleta com respeito a algum estado final e, portanto, em atualidade em um aspecto e em potencial em outro. É intermediária entre um estado inicial (o estado de ser inteiramente em potencial com respeito ao estado final) e o estado final (o estado de ser inteiramente real com respeito a esse estado). Pode ser considerado relativo a qualquer término - como sendo em realidade (embora ainda incompletamente real no aspecto relevante) ou como sendo em potencialidade (embora não mais completamente em potencialidade no aspecto relevante).
Terceiro, quando Aquino diz que o que está sendo movido está em potencial para uma nova realidade, ele quer dizer não apenas que poderia ir de seu estado presente a um estado de maior realidade, mas que ele realmente está indo para uma realidade adicional. A chaleira pode ser retirada do fogo quando a água está a 50 graus, caso em que a água a 50 graus não está em movimento, não está a ser movida. O estado de 50 graus é o estado final deste caso particular de movimento, a atualidade final, e assim a água neste estado não pode ser considerada em atualidade incompleta (com relação a este estado final).[12]
Esses pontos sugerem que podemos dizer de alguma coisa M em algum momento t que ela está sendo movida (movetur) se e somente se:
a. em t, M está em atualidade em relação a algum estado Si (um estado intermédio), e
b. em qualquer intervalo de tempo (não importa quão curto) imediatamente anterior a t, há um instante em que M estava em atualidade em relação ao estado Spr (um estado anterior não idêntico a Si), e em virtude de estar na atualidade em relação a Spr, M estava em potencialidade em relação a Si, e
c. em qualquer intervalo de tempo (não importa quão curto) imediatamente após t, há um instante em que M estará em atualidade com respeito a algum estado Spo (um estado posterior não idêntico a Si), e em virtude de estar em Si (e Spr), M está (estava) em potencialidade com respeito a Spo.[13]
Quando as condições a-c são satisfeitas, pode-se dizer que M está em realidade incompleta em t porque, em virtude de estar em Si, M está em realidade em relação a Spr, mas ainda em potencialidade em relação à realidade adicional Spo. É claro que Spr não precisa ser o estado a partir do qual uma dada instância de movimento começa, e Spo não precisa ser o estado final do dado movimento, mas em qualquer momento em que se possa dizer que M foi movido, haverá estados desse tipo. Se deixarmos Se ser o estado final de uma dada instância de movimento e Sb seu estado inicial, então podemos dizer que, com respeito a esta instância de movimento, quando M está em Sb, ele está em total potencialidade em relação a Se, e quando está em Se, está em realidade completa em relação a Se (embora, é claro, nesta análise, M não esteja sendo movido nem em Sb nem em Se).[14]
A premissa de observação de Aquino será verdadeira, então, enquanto houver coisas que satisfaçam essas condições, e suas outras afirmações sobre o movimento e as coisas movidas serão verdadeiras apenas enquanto forem verdadeiras sobre essas coisas.
Com esta caracterização de motus, que significa dizer que algo é movido (movetur), estamos agora em posição de assumir a premissa 1 da prova - a afirmação de que tudo que é movido (no sentido especificado) é movido por outra coisa. Três tipos comuns de objeções foram levantadas contra a premissa 1. Primeiro, foi afirmado que alguns casos de movimento são casos em que o que é movido não é movido por outra coisa, mas por si mesmo. Casos desse tipo (movimento de animais e plantas, por exemplo) constituem contra-exemplos ao princípio geral; animais e plantas são auto-movedoras.[15] Em segundo lugar, foi objetado que Aquino não estabeleceu nem mesmo a afirmação mais fraca de que tudo o que é movido é movido por alguma coisa. Por que não pode ser o caso de algumas coisas simplesmente estarem em movimento sem serem (ou terem sido) movidas por qualquer coisa? Terceiro, se o princípio geral é lido como a afirmação de que tudo o que é movido agora está sendo movido por outra coisa (como parece que deveria, por razões que surgirão), então, casos de movimento de projétil - uma bola de croquet rolando por um arco, por exemplo - parecem ser casos em que o que é movido continua em movimento após a atividade causal de seu motor.
Aquino defende o princípio geral expresso na premissa 1 na passagem de ST 1.2.3 que citei na seção anterior, e esse argumento fornecerá respostas aos dois primeiros tipos de objeções. A terceira objeção requer um tratamento separado; Eu retomo na quarta seção. O argumento da ST 1.2.3 pode ser elaborado à luz da análise do movimento para Aquino e é representado da seguinte forma:
i. O que quer que esteja sendo movido para algum estado S está potencialmente em S.
ii. Alguma coisa pode ser trazida de potencialmente em S para estar realmente em S apenas pelo que está na realidade em relação à S. [16]
∴ iii. Tudo o que está sendo movido em direção a S está sendo levado a ser realmente em S por algum ser na realidade com respeito a S. [i, ii]
iv. Mover (movere) é apenas trazer algo de estar potencialmente em algum estado para estar realmente nesse estado
∴ v. O que quer que mova (moυet) algo em direcção a algum estado está na realidade em relação a esse estado. [ii, iv]
∴ vi. Tudo o que está sendo movido em direção a S está sendo movido por algo que o move (moυet) em direção a S. [iii, v] [17]
vii. Nenhuma coisa pode estar em potencial e em realidade no mesmo aspecto ao mesmo tempo.
∴ viii. O que quer que esteja sendo movido (movetur) em direção a S não pode ser idêntico ao que o move (movet) em direção a S. [i, v, vii]
∴ ix. Tudo o que está sendo movido em direção a S está sendo movido por outra coisa. [iii, vi, viii] [18]
Além da verdade lógica expressa na premissa vii, o argumento tem apenas três premissas. Duas delas - i e iv - encapsulam elementos da análise do movimento para Aquino; a terceira - premissa ii - pode ser pensada como uma espécie de princípio de razão suficiente para casos do movimento. Embora a análise de Aquinas sobre o movimento não implica por si só que as coisas movidas são receptoras passivas de movimento, essa análise, juntamente com o princípio da razão suficiente endossado nesse argumento, implica. Coisas que estão sendo movidas estão em potencial em algum aspecto e em processo de ter essa potencialidade atualizada; mas potencialidades são atualizadas apenas por algo real no aspecto relevante.[19] Da mesma forma, é dito propriamente que uma coisa se move (movere) quando traz algo da potencialidade, em algum aspecto, à realidade nesse aspecto, e somente o que é na realidade no aspecto relevante pode fazer isso.[20] Assim, as coisas movidas, em virtude de estarem em potencial no aspecto relevante, são recipientes passivos de movimento dos motores que são ativos, em virtude de serem atuais no aspecto relevante.
Portanto, a análise do movimento que está por trás das premissas i e iv, juntamente com o princípio da razão suficiente expresso em ii, implica que tudo o que está sendo movido está sendo movido por algo. O papel de vii é assegurar a conclusão de que o que está sendo movido e o que o move são distintos; isto é, tudo o que está sendo movido está sendo movido por outra coisa. Dada a análise do movimento, uma coisa movida deve estar em potencial no aspecto relevante e, dado o princípio da razão suficiente, o que se move deve estar na realidade a esse respeito. Assim, a coisa movida deve ser distinta daquilo que a move; uma coisa movida não pode ser uma coisa movida por si mesma.
Portanto, o argumento em apoio à premissa 1, com a análise do movimento em que se baseia, constitui a resposta de Aquino aos primeiros dois tipos de objeções levantadas acima. Suponha, em relação à primeira objeção, que em t um animal está sendo movido (movetur) em direção a S e está sendo movido por si mesmo e não por outra coisa. Segundo Aquino, se em t ele se move em direção a S, o animal deve estar (em t) em potencialidade em relação a S; e se em t ele move algo (ou seja, ele mesmo) em direção a S, deve ser (em t) na realidade com respeito a S. Assim, o animal que é movido e se move a si próprio está em potencialidade e atualidade no mesmo respeito ao mesmo tempo, o que é impossível. Portanto, não pode haver um caso do tipo imaginado. Aquino pensa que os animais que se movem por si mesmo têm partes, uma das quais (a alma) é o motor e as outras as coisas movidas. Assim, Aquinas teria justificativa para rejeitar alegados contra-exemplos envolvendo coisas movidas por si mesmas.[21]
Kenny objeta, entretanto, que mesmo que Aquino possa descartar a possibilidade de que o que é movido é movido por si mesmo, isso não significa que seja movido por outra coisa.
Se uma coisa não pode ser movida por si mesma, não segue que ela deva ser movida por outra coisa. Por que não pode simplesmente estar em movimento, sem ser movida por nada, seja por si mesma ou por qualquer outra coisa? O argumento não precisa ser completado com uma prova de que tudo o que está em movimento está sendo movido?[22]
Kenny direciona essa objeção ao princípio geral expresso na premissa 1. Construída dessa forma, a objeção erra o alvo. De acordo com Aquino, tudo o que está em movimento está em potencialidade, e tudo o que é potencial com respeito a algum estado é trazido à realidade apenas pelo que é real com respeito a esse estado. Algo estar em movimento implica que está sendo movido. Mas talvez o ponto de Kenny possa ser reformulado de modo que não seja uma objeção à premissa 1, mas ao princípio da razão suficiente de Aquino - a premissa 2 deste sub argumento. Precisamos, então, olhar mais de perto para ii.
Quando direcionada à premissa ii - a afirmação de que algo pode ser trazido de ser em potencial em algum aspecto para ser em realidade nesse aspecto apenas pelo que é em realidade nesse aspecto - a objeção de Kenny parece pedir uma defesa da versão de Aquino do princípio da razão suficiente. Até onde posso ver, Aquino não tem argumentos para provar o princípio. Ele sem dúvida pensa que é evidente; e se precisar de defesa, não posso dar aqui. Não obstante, é útil ver precisamente a que versão do princípio da razão suficiente Aquino apela e que papel ela desempenha na prova do movimento.
O princípio declarado na premissa ii afirma que certos tipos de fenômenos requerem uma causa (ou explicação) e o tipo específico de causa (ou explicação) necessária. Qualquer coisa levada da potencialidade à realidade com respeito ao estado S deve ter uma causa para que seja trazida da potencialidade à realidade a esse respeito; o processo de atualização da potencialidade requer uma causa. De acordo com ii, o tipo de causa que pode explicar um fenômeno desse tipo é aquele que é ele próprio em realidade em relação à S. A atualização de uma potencialidade requer explicação, e uma explicação suficiente citará a causa da atualização, que deve ser ela mesma em realidade no aspecto relevante.
Esta versão do princípio da razão suficiente é relativamente fraca. Não requer uma explicação de cada estado ou mesmo de cada movimento (movere). Exige apenas uma explicação das mudanças de potencialidade em relação a algum estado para a atualidade com respeito a esse estado.[23] Quanto mais fraco o princípio da razão suficiente no qual se baseia um argumento, melhor; portanto, é uma virtude do argumento de Aquino para a premissa 1 que ele se baseia em uma versão fraca do princípio. Mas esse princípio tem trabalho a fazer em apoio a outras premissas da prova do motus também e, como aparecerá na seção 6, é duvidoso que essa versão fraca carregue todo o peso imposto pela prova da existência de Deus. É forte o suficiente, entretanto, para cumprir seu papel de apoio à premissa 1. Se estamos dispostos a concedê-lo, parece-me que os movimentos iniciais de Aquino são bem-sucedidos: tudo o que é movido deve ser movido por outra coisa.
Comentaristas recentes, no entanto, ofereceram outras razões além das preocupações gerais sobre qualquer um desses princípios para pensar que a versão de Aquino é falsa. Kenny, por exemplo, acha que existem contra-exemplos claros para isso. Ele sugeriu tomar o princípio de Aquino como a afirmação de que algo pode ser trazido de ser potencialmente F para ser realmente F apenas por algo que é realmente F.[24] Certamente há casos de mudança em que o que é realmente F traz outra coisa de ser potencialmente F a ser realmente F. O forno realmente tendo 350 graus, por exemplo, faz com que o bolo tenha 350 graus apenas em potencial para estar realmente 350 graus. Mas o princípio não se aplica a outros casos: um fazendeiro que engorda bois não precisa ser gordo, e assassinatos não são cometidos por mortos.[25]
Aquino, entretanto, tem duas razões para rejeitar esses contra-exemplos putativos. Primeiro, ele nega que uma causa deva ter a mesma atualidade ou forma de seu efeito. Em sua opinião, há duas maneiras pelas quais uma causa e seu efeito podem deixar de ter a mesma realidade. Primeiro, o efeito pode ter a mesma natureza que a causa, mas em menor grau. O calor adquirido pelo bolo no forno é da mesma natureza que o calor possuído pelo forno, embora o forno possa estar a 350 graus e o bolo apenas a 300 graus.[26] Em segundo lugar, o efeito pode ter, não a mesma natureza da sua causa, mas uma natureza com menor atualidade. Aquino chama as causas que têm uma natureza diferente de seus efeitos de causas "equívocas''.[27] Deus é uma causa equívoca das coisas que ele faz. Deus é a causa dos objetos inanimados, mas ele próprio não é um objeto inanimado; a natureza de Deus é tal que ele tem maior realidade do que objetos inanimados.[28]
Agora, se traçarmos uma distinção entre estar na realidade com respeito a S e estar atualmente em S, podemos entender a premissa ii de modo a deixar espaço para os tipos de casos que Aquino tem em mente. Poderíamos dizer que uma coisa está na realidade com respeito a S se ela está realmente em S ou em um estado S* onde S* é um estado de maior atualidade do que S. Assim, se deixarmos C ser a causa de algum objeto vir a ser no estado S (onde S admite graus), então C pode ser na realidade em relação a S ao grau n de pelo menos três formas: estar realmente em S ao grau n, estar realmente em S em algum grau maior do que n, ou estar em algum estado S* com maior atualidade do que S.[29]
Portanto, a premissa ii deve ser lida à luz da doutrina das causas equívocas de Aquino. Em segundo lugar, sua aplicação deve ser restrita a casos de causalidade imediata. Aquino pode responder ao caso dos bois engordados, por exemplo, negando que o fazendeiro seja a causa adequada e imediata da gordura crescente do boi; as faculdades nutritivas da alma de um boi são as causas de sua gordura crescente - a alma de animal tem realidade suficiente para causar (equívocamente) certos efeitos no corpo do animal. (Claro que o agricultor é uma causa remota em virtude de fornecer feno aos seus bois, por exemplo). Da mesma forma, um assassino não é a causa adequada e imediata da morte de sua vítima, embora possa ser a causa imediata de uma alteração no corpo da vítima, uma alteração que ele tem realidade suficiente para provocar.[30]
Os casos de movimento local, no entanto, são mais difíceis de aceitar. A premissa ii parece comprometer Aquino a sustentar que algo que está sendo movido da posição A para a posição B (e assim está em potencialidade com respeito a estar na posição B) deve ser movido por algo que está na realidade com respeito à posição B, ou seja, que está na realidade na posição B. Mas isto parece claramente errado. Essa objeção à premissa ii está intimamente relacionada à terceira objeção à premissa 1 que levantei na segunda seção, portanto, vou discuti-las juntos.
O argumento para a premissa 1 que foi apresentado na seção anterior requer que tomemos a premissa como a afirmação de que tudo o que está sendo movido está (agora) sendo movido por outra coisa. Mas os casos de movimento de projétil parecem ser casos de coisas que não precisam ser movidas por outra coisa durante todo o intervalo em que estão em movimento. Algo pode ser necessário inicialmente para dar movimento a um projétil, mas depois de ter sido movido inicialmente, o projétil continua em movimento sem ser continuamente movido. Portanto, o movimento do projétil constitui um contra-exemplo à premissa 1.
Aquino aparentemente acreditou erroneamente que o meio pelo qual um projétil se move - por exemplo, o ar através do qual uma bola é lançada - continua a movê-lo.[31] Essa crença explicaria por que ele não viu o movimento do projétil como uma dificuldade para a premissa 1 (o ar continua a mover a bola após ela ter sido lançada pelo lançador) ou o movimento local em geral como uma dificuldade para a premissa 2 (o meio estende-se até ao ponto final do movimento, e assim é na realidade no ponto final). Mas é claro, essa explicação do movimento local e do projétil depende essencialmente da teoria física arcaica. Penso que estes são verdadeiros contra-exemplos aos respectivos princípios, entendidos como Aquino os entendia, mas parece-me bastante fácil, no entanto, salvar o argumento de Aquino. Podemos simplesmente restringir as premissas 1 e 2 da prova a uma gama de casos mais estreita do que a pretendida por Aquino, uma gama que exclui casos de movimento local (e movimento de projétil como uma subclasse de movimento local). A premissa de observação, então, apelaria não para o motus em geral, mas apenas para certos tipos de motus; a premissa 1 afirmaria que as coisas que agora estão sendo movidas dessas maneiras particulares estão agora sendo movidas por outra coisa. Ao restringir o alcance da premissa de observação e do princípio expresso na premissa 1, estaríamos sacrificando a generalidade. Ainda assim, desde que haja alguns membros do domínio para o qual apelamos, as premissas 1 e 2 serão verdadeiras e o argumento pode prosseguir. Aquino foi enganado por uma falsa teoria física para exagerar o seu argumento, mas parece suficientemente fácil restringir a sua reivindicação em aspectos relevantes.
De fato, existem boas razões, que Aquino reconhece, para distinguir o movimento local, por um lado, da alteração e aumento e diminuição, por outro. Uma vez feita essa distinção, teremos motivos para restringir a prova do movimento a este último tipo de motus, e poderemos ver como o princípio expresso pela premissa 1 de Aquino pode ser posto em consonância com a física moderna.
O movimento local envolve mudança de lugar, e algo sujeito a mudanças de movimento local em virtude de mudanças nas características que pertencem à categoria de lugar. As características da categoria de lugar, entretanto, caracterizam seus sujeitos apenas extrinsecamente; isto é, um sujeito é caracterizado por um predicado na categoria de lugar em virtude de sua localização espacial, e sua localização espacial é totalmente extrínseca ao sujeito considerado em si mesmo.[32] Alteração e aumento e diminuição, por outro lado, envolvem mudanças baseadas em características das categorias de qualidade e quantidade (respectivamente), e esses tipos de características caracterizam seus sujeitos intrinsecamente.[33] Portanto, alteração, aumento e diminuição requerem uma base ontológica no sujeito considerado em si, enquanto o movimento local não. Isso pode servir de base para uma distinção entre as duas primeiras espécies de movimento e a última. Chamarei instâncias de movimento baseadas em mudanças de características intrínsecas de "movimento*" (motus*).[34] O movimento* é uma espécie de movimento, mas não uma espécie inferior, uma vez que é o gênero para alteração, aumento e diminuição. Ao restringir a prova do movimento em movimento*, seremos capazes de descartar contra-exemplos envolvendo movimento local e de projétil.
Tendo excluído o movimento local do escopo do argumento, entretanto, é importante notar que casos envolvendo movimento de projéteis normalmente envolvem elementos que são instâncias genuínas de movimento*. Quando jogo uma bola pelo ar, o meu braço dá impulso à bola. A aquisição de momento da bola é um caso de movimento* (desde que a aquisição seja um processo que satisfaça as condições a-c da análise do movimento), uma vez que envolve uma alteração das características intrínsecas da bola.[35] Além disso, quando eu solto a bola, seu momento é gradualmente reduzido pela fricção do ar através do qual ela viaja, e essa mudança gradual no momento da bola também pode ser um caso de movimento*.[36] A premissa de observação da prova do movimento*, então, pode apelar à aquisição ou perda do momento, mas não para o movimento local do equilíbrio, como ponto de partida para a prova.
Portanto, os críticos estão certos em apontar que alguns dos fundamentos sobre os quais Aquino sustenta as premissas 1 e ii não as sustentam, mas eles estão errados ao supor que esses princípios são, assim, minados. No restante deste artigo, deixarei de considerar o movimento local e assumirei que quaisquer objeções baseadas em características peculiares a ele são irrelevantes. Enquanto houver alguns casos de motus* aos quais a análise de Aquino se aplica - o fogo aquecendo a água na chaleira, por exemplo - o argumento pode prosseguir. (De agora em diante, quando uso os termos "movimento" e "ser movido", eu os entendo como restritos ao que eu tenho chamado de movimento*.)
A negação de Aquino de que pode haver uma série infinita de motores movidos - premissa 8 - é a outra premissa, além da 1, que Aquino defende com alguns detalhes e que os comentaristas consideram mais questionável. Na afirmação da primeira via na ST, Aquino diz:
Mas essa [série de motores movidos] não pode prosseguir até o infinito porque então não haveria nenhum motor primário [primmum movens]. Consequentemente, também não haveria nenhum outro motor [movens], porque os motores secundários [moventia secunda] se movem [movent] apenas em virtude do fato de serem movidos [sunt mota] por um motor primário. Por exemplo, uma vara se move [movet] apenas em virtude do fato de ser movida [est motus] por uma mão. (ST 1.2.3)
Foi objetado que este argumento é falacioso, uma vez que não decorre da negação de um motor primário (ou primeiro) em uma série que nenhuma outra coisa na série pode se mover ou ser movida. Claro, se alguém negar que existe um primeiro motor em uma série finita de motores, o movimento não pode começar, por assim dizer, e quaisquer motores secundários em potencial permanecerão meramente em motores potenciais. Uma maneira de negar que haja um primeiro motor, entretanto, é sustentar que a série em questão é infinita, caso em que não haverá primeiro motor, mas um número infinito de motores. Aquino não tem o direito de presumir que a série em questão é finita. Consequentemente, o argumento ou levanta a questão ou gera um equívoco em relação a "negar que haja um primeiro motor".[37]
Acho que essa objeção está errada. Aquino não pretende que o argumento exclua a possibilidade de uma série infinita de causas ou motores de qualquer tipo, uma vez que ele pensa que certos tipos de séries infinitas são pelo menos possíveis. Ele admite, por exemplo, que uma linha infinita de antepassados humanos que se estende no tempo é pelo menos uma possibilidade. Que tipo de regressão infinita, então, o argumento de Aquino deveria bloquear?
Na ST, Aquino distingue entre séries causais ordenadas per se e séries causais ordenadas per accidens, e é claro que ele pretende afirmar que uma série infinita é impossível apenas em séries ordenadas per se:[38]
É preciso dizer que, no que diz respeito às causas eficientes, é impossível prosseguir ad infίnitum per se. Por exemplo, se as causas que são necessárias per se para algum efeito foram multiplicadas ad infinitum, como se uma pedra fosse movida por uma vara, a vara pela mão, e assim por diante, ad infinitum. Mas não se pensa ser impossível prosseguir ad infinitum no caso de causas eficientes per accidens. Por exemplo, se cada uma das causas que são multiplicadas ad infinitum possui uma ordem em relação a [apenas] uma [outra] causa, sua multiplicação é per accidens. O ferreiro, por exemplo, trabalha por meio de muitos martelos per accidens porque quebra um após o outro. Portanto, é acidental para este martelo que ele funcione após a ação de outro martelo. Da mesma forma, é acidental para este homem, na medida em que gera outro, que tenha sido gerado por outro; pois ele gera na medida em que é homem e não na medida em que é filho de outro homem. . . . Mas seria impossível se a geração deste homem dependesse desse homem, de um corpo elementar, do sol e assim por diante ad infinitum. (ST 1.46.2.ad 7)
Para avaliar a premissa 8, então, precisamos ser claros sobre a distinção entre esses dois tipos de séries causais.
Nesta passagem e em muitos outros lugares, Aquino retoma o exemplo de Aristóteles de que um homem é gerado por um homem e pelo sol. O exemplo levou alguns comentaristas a supor que a distinção entre os dois tipos de séries causais repousa na astrologia antiga, segundo a qual os corpos celestes são causas de eventos no mundo sublunar.[39] Mas a distinção me parece não depender crucialmente da astrologia e ser defensável além desses exemplos. Aquino faz a distinção de diferentes maneiras em diferentes passagens. Na passagem citada acima , a distinção é entre as séries causais em que as causas anteriores são ordenadas apenas a uma outra causa (ou efeito) posterior e aquelas em que as causas anteriores são ordenadas a todas as causas (e efeitos) posteriores. Imagine a série causal D-causa-C-causa-B-causa-A. Em uma série desse tipo, D é ordenado para C, C é ordenado para B e B é ordenado para A. Agora, Aquino sugere que as séries causais ordenadas per se são aquelas em que alguma causa anterior é ordenada para todas as outras causas (e efeitos) posteriores a ele. Assim, se nossa série causal imaginada for ordenada per se, será o caso, não apenas que D causa C, C causa B e B causa A, mas também que D causa B e D causa A. Considere um caso em que um fogo aquece uma chaleira, que por sua vez aquece a água contida nela.[40] Neste caso, o fogo move (aquece) a chaleira e também a água (por meio da chaleira), e assim o fogo é ordenado à chaleira e à água.
As séries causais ordenadas per accidens, por outro lado, são tais que cada causa é ordenada para apenas uma outra causa (ou efeito) posterior. Assim, se nossa série causal é tal que D causa C, C causa B e B causa A, mas não é o caso de D causa B e D causa A, então será uma série em que cada causa é ordenada a apenas uma outra causa (ou efeito); portanto, será uma série causal ordenada per accidens. Aquino oferece uma série genealógica como exemplo de série causal ordenada per accidens. Ele pensa que se Abraão causou Isaque, que causou Jacó, não é o caso que Abraão causou Jacó; Abraão é ordenado a apenas uma outra causa (ou efeito) na série - a Isaac.
Notas
- Ver William L. Rowe, The Cosmological Argument (Princeton: Princeton University Press, 1975); e Richard Swinburne, The Existence of God (Oxford: Clarendon Press, 1979), capítulo 7.
- A passagem diz: "Tudo o que é movido [movetur] é movido por outra coisa. Mas é claro pelos sentidos que algo - por exemplo, o sol - é movido [moveri]. Portanto, é movido [movetur] por outra coisa que se move [movente]. Portanto, esse motor [movens] ou é movido [movetur] ou não. Se não for movido [movetur], então temos o que nos propusemos a provar, [viz.,] que é necessário supor que existe algum motor imóvel [movens immobile], e chamamos isso de Deus. Mas se ele é movido [movetur], então é movido por outra coisa que se move [movente]. Portanto, ou avançamos para o infinito ou chegamos em algum motor imóvel [movens immobile]. Mas não podemos prosseguir para o infinito. Portanto, é necessário supor que existe algum motor imóvel primário [primum movens immobile]." Forneci o latim correspondente às várias formas do verbo "mover" porque penso, como surgirá, que algo de importância filosófica gira em torno da gramática. Uso a edição leonina de Tomás de Aquino, Opera omnia (Roma, 1882—), exceto In libros Physicorum, onde uso a versão da edição da Opera de Roberto Busa (Stuttgart e Bad Canstatt, 1980).
- In libros Physicorum 5.2., Aquino aponta, no entanto, que às vezes "movimento" é considerado mais amplamente para incluir o vir a ser e o morrer (ver 3.2). Em seu sentido amplo, motus é equivalente a mutatio; em seu sentido mais restrito, designa uma espécie de mutatio.
- Os motivos para descartar casos desse tipo surgem mais adiante nesta seção.
- Na divisão do texto no início da ST 1.3, Aquino nega explicitamente que o movimento (motus) caracteriza Deus, o primeiro motor .
- Kenny, no entanto, sugere que o latim usa a voz passiva do verbo "mover" para expressar o sentido passivo ou intransitivo genuíno do verbo. Assim, "o sol se move" ou "o sol está se movendo" (sentido intransitivo) e "o sol está se movendo" (sentido passivo) seriam traduzidos em latim pela mesma forma do verbo - movetur. A forma passiva do verbo na premissa de observação, então, pode indicar apenas o sentido intransitivo de "mover". Ver Anthony Kenny, The Five Ways: St. Thomas Aquinas's Proofs of God Existence (Londres: Routledge and Kegan Paul, 1969), reprint ed. (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1980), pp. 8- 9. Mas o fato de Aquino não poder permitir que a premissa de observação cubra todos os casos de movimento intransitivo mostra, penso eu, que a forma passiva do verbo não pode ser considerada como expressando o sentido intransitivo. Por razões semelhantes, rejeito a sugestão de Blair de que o princípio expresso na premissa 1 seja traduzido como "qualquer movimento é movido por outro". Ver George A. Blair, "Another Look at St. Thomas'''First Way,'"International Philosophical Quarterly 16 (1976): 301-314. A conclusão de Aquino pressupõe a falsidade do princípio que Blair sugere.
- Blair faz essa afirmação em "Another Look", p. 301.
- Para a versão desse argumento na SCG 1.13, consulte a nota 18 abaixo.
- Ao discutir a prova do motus de Aristóteles na Física 8, Aquino refere-se a esta discussão do motus no livro 3 da Física; ver In libros Physicorum 8.10. (A tradução inglesa do comentário de Aquino sobre a Física parece ter omitido inadvertidamente o texto que traduzi como o último parágrafo desta citação. Ver Comentário em Aristotle’s Physics, traduzido por Blackwell, Spath, e Thirlkel [London: Routledge and Kegan Paul, 1963], pp. 136-137).
- Claro que o término real do movimento pode não ser o término esperado ou pretendido. Se coloco uma chaleira com água no fogo com a intenção de ferver a água, pretendo que o estado final desse movimento (o aquecimento da água) seja o estado em que a água está fervendo. Mas se minha esposa, sem saber de minhas intenções, desligar o fogão antes que a água ferva, o estado final real do movimento em questão será o estado da água no momento em que ela interromper o processo de aquecimento.
- Nessa análise, os dois terminais de uma dada instância de movimento não serão instantes nos quais se possa dizer que a coisa está em movimento; eles serão limites extrínsecos do movimento. Portanto, o estado a partir do qual o movimento começa será o estado em que se encontra no último instante de repouso (não haverá o primeiro instante de movimento). Para uma discussão das análises medievais de movimento e mudança, consulte Norman Kretzmann, "Incipit / Desinit," in Motion and Time, Space and Matter, editado por Peter K. Machamer e Robert G. Turnbull (Columbus: Ohio State University Press, 1976) , pp. 101-136.
- Isso levanta um problema sobre como podemos ter certeza em qualquer dado instante se uma coisa está sendo movida ou não, uma vez que muitas vezes não podemos ter certeza de que o estado presente de uma coisa é um estado intermediário em algum processo, em vez do estado final do processo, nesse ponto, seria correto dizer que o processo havia cessado.
- Quando Spr, Sf e Spo são estados envolvendo qualidades, o movimento será um caso de alteração. Quando envolvem quantidades, será um caso de aumento ou diminuição. Quando envolvem localização espacial, será um caso de movimento local. Além disso, dada essa análise, podemos ver por que o vir a ser e o morrer não são casos de movimento estritamente falando: os casos em que uma coisa entra ou sai da existência não são casos em que essa coisa está em estados sucessivos.
- Esta análise exemplifica o que Kretzmann chamou de definição forte de movimento em seu "An Alleged Asymmetry between Rest and Motion: A Reply to Richard Sorabji's 'Aristotle on the Instant of Change", parte de uma troca não publicada entre Kretzmann e Sorabji em 1976. Pode-se obter a definição fraca correspondente separando, em vez de combinando, as condições b e c. Aquino parece claramente comprometido com a definição forte.
- Kenny, Five Ways, pp. 13, 16, 17.
- Pretendo que "estar na atualidade em relação a S" seja mais amplo do que "estar realmente em S" de formas importantes que explicarei na seção 3, abaixo.
- Kenny observou que a prova do movimento de Aquino diverge da de Aristóteles neste ponto. A afirmação expressa na premissa vi é a conclusão de Aristóteles na Física, mas Aquino prossegue argumentando que tudo o que é movido deve ser movido por outra coisa. Veja Kenny, Five Ways, pp. 14-15; and Physics 8.4.254b25.
- Em SCG o argumento é dado como um argumento de apoio separado da prova principal: "Nenhuma coisa está em potencialidade e em realidade no mesmo aspecto ao mesmo tempo. Mas tudo que é movido [movetur], na medida em que é desse tipo, é impotencialidade, porque o movimento [motus] é a realidade de uma coisa existente em potencial, na medida em que é desse tipo. Mas tudo que se move [movet], na medida em que é desse tipo, é na realidade, porque uma coisa só atua na medida em que é na realidade. Portanto, nada é um motor [movens] e uma coisa movida [motum] em relação ao mesmo movimento [motus]. E assim nada se move [movet] por si mesmo "(SCG 1.13 ) Consulte também In libros Physicorum 8.10.
- Ver In libros Physicorum 8.10: "Foi estabelecido no livro 3 que o que é movido [movetur] é móvel [móvel], ou seja, é algo existente em potencial ... Mas aquilo que se move [movet] já está na realidade, pois o que está em potencial é trazido à realidade apenas pelo que está na realidade - e este é um motor [movens]."
- Essa afirmação também mostra que, como Aquino usa a voz ativa do verbo nesses contextos, ela tem seu sentido transitivo. Aquilo que move, move algo.
- Mas observe que este é um argumento apenas contra coisas que se movem por si mesmas. Mostra apenas que algo que se move (movetur) não pode ser o motor de si mesmo. Não mostra que os animais, ou melhor, as almas dos animais não podem ser motores imóveis. Mas Aquino não precisa descartar a possibilidade de que as almas dos animais sejam motores imóveis para defender a premissa 1, uma vez que é uma afirmação apenas sobre coisas que se movem.
- Kenny, Five Ways, pp. 18-19
- Rowe distinguiu duas versões do princípio da razão suficiente. Uma versão forte afirma que a existência de qualquer coisa requer uma explicação; uma versão mais fraca sustenta que apenas o surgimento das coisas precisa de explicação (ver Rowe, Cosmological Argument, capítulo 2). O princípio em ação na premissa ii não é nenhum desses, uma vez que Aquino está preocupado com as potencialidades sendo trazidas à realidade, e não com as coisas que passam a existir, mas está no mesmo espírito da segunda versão fraca.
- Kenny, Five Ways, p. 21.
- Os contra-exemplos são os de Kenny em Five Ways, p. 21-22.
- À luz de casos deste tipo, Kenny sugere alterar o princípio para "A pode fazer com que B se torne mais F, apenas se A for ela própria mais F do que B" (Five Ways, p. 22).
- "Os efeitos que ficam aquém de suas causas não concordam com eles em nome e natureza. No entanto, alguma semelhança deve ser encontrada entre eles, uma vez que pertence à natureza da ação que um agente produza seu semelhante (uma vez que cada coisa age de acordo com a sua atualidade). Portanto, a forma de um efeito é certamente encontrada em alguma medida em uma causa transcendente ... Por esta razão, a causa é chamada de causa equívoca"(SCG 1.29). Consulte também ST 1.4.3.
- Isso exige que compreendamos a noção de Aquino sobre hierarquias de naturezas, que não posso desenvolver aqui.
- Patricia Matthews objeção que, uma vez que se concede a minha distinção entre uma coisa estar sendo em realidade em relação a algum estado e estar atualmente nesse estado, a premissa vii não parece mais ser uma verdade lógica e de fato parece falsa. Sobre essa distinção, uma coisa que não está realmente em S pode estar na realidade em relação a S e potencialmente em S ao mesmo tempo. No momento t, um forno pode estar a 350 graus e, então, na realidade com respeito a 300 graus e também potencialmente com respeito a 300 graus (uma vez que o forno pode esfriar até 300 graus). Parece-me haver duas maneiras diferentes de responder a essa objeção. Em primeiro lugar, pode-se restringir os conceitos de atualidade e potencialidade de tal forma que se possa dizer que em t, x está em potencialidade em relação a S apenas se for o caso que x não ser em S em C e poder vir a ser em S depois, e que x pode vir a ser em S apenas em virtude de adquirir propriedades reais ou positivas. Nesta linha, não se poderia dizer que o forno a 350 graus esteja em potencialidade em relação à 300 graus porque o forno só pode vir a ser a 300 graus em virtude de perder calor ou energia. (O forno que está esfriando, então, não está sendo movido [moveri], embora esteja se movendo [movere]; o ambiente ao redor está sendo movido.) Em segundo lugar, pode-se permitir que o forno que está esfriando de 350 a 300 graus esteja sendo movido, mas mantendo que o que conta como estando na realidade em relação a algum estado depende da direcção do movimento em relação a esse estado. Quando o estado de estar a 300 graus é o estado final de um processo de resfriamento, coisas que estão a 300 graus ou mais frias contarão como estando na realidade com respeito a esse estado; quando esse estado é o estado final de um processo de aquecimento, coisas que estão a 300 graus ou mais quentes contarão como estando em realidade a respeito desse estado. Nesta linha, o forno que está esfriando não contará como estando na realidade em relação a estar a 300 graus.
- Sou grato a Alfred Freddoso pelas sugestões nesse sentido.
- Veja Kenny, Five Ways, p. 16
- Como Alfred Freddoso apontou para mim, nem todos os filósofos escolásticos estavam de acordo com este ponto.
- Aquino distingue entre os tipos de mudança com base em uma mudança intrínseca (alteração, aumento e diminuição, geração e corrupção) e os tipos de mudança com base na mudança extrínseca (movimento local) em seu comentário sobre a Metafísica 12.7 de Aristóteles (Cathala-Spiazzi no. 2530). Seguindo Aristóteles, ele considera o movimento local como o tipo primário de mudança precisamente porque algo que muda apenas de lugar não sofre mudança intrínseca. (Suponho que o movimento local é o tipo principal de mudança porque requer o mínimo de mudança.) Para uma discussão mais detalhada da distinção entre características intrínsecas e extrínsecas, e mudança intrínseca e extrínseca, consulte "The Metaphysics of Goodness and the Doctrine of the Transcendentals," em Being and Goodness: The Concept of the Good in Metaphysics and Philosophical Theology (Ithaca: Cornell University Press, 1991), pp. 31-55.
- Em termos da análise do movimento na seção 1 acima, podemos afirmar esta restrição como uma restrição aos casos de movimento que satisfazem as condições a-c em que os estados em questão (Spr, Si e Spo) são estados qualitativos ou quantitativos de M.
- Presumivelmente, um adepto da teoria do ímpeto medieval, e talvez Tomás de Aquino, poderia aceitar um relato nesse sentido.
- Mas veja a nota 29, acima, para uma razão para negar que a perda de momentum seja um caso de movimento*.
- Esta objeção foi levantada ou discutida por Paul Edwards, "The Cosmological Argument", The Rationalist Annual 1959, reimpresso em Readings in Philosophy of Religion, editado por Baruch Brody (Englewood Cliffs, NJ: Prentice-Hall, 1974), pp . 71-83; C. J. F. Williams, "Hie autem non est procedere in infinitum", Mind 69 (1960): 403-405; Patterson Brown, "Infinite Causal Regression," The Philosophical Review 75 (1966): 510-525; Kenny, Five Ways, p. 26; e Rowe, Cosmological Argument, pp. 18-37.
- Os comentadores que reconheceram que o argumento de Aquino contra uma regressão causal infinita depende dessa distinção apelaram a Scotus para uma explicação explícita da distinção. Ver, por exemplo, Brown, "Infinite Causal Regression", pp. 218-227; e, seguindo-o, R. G. Wengert, "The Logic of Essentially Ordered Causes", Notre Dame Journal of Formal Logic 12 (1971): 406-422; bem como Rowe, Cosmological Argument, pp. 23-29. Parece-me, no entanto, que há muitas evidências em Aquino para construir tal relato, como surgirá.
- Ver Kenny, Five Ways, pp. 43-44; J. L. Mackie repete a avaliação de Kenny em The Miracle of Theism (Oxford: Clarendon Press, 1982), p. 87
- O próprio exemplo de Aquino - uma mão movendo uma vara, que move uma pedra - envolve movimento local. Pelas razões apresentadas na quarta seção, estou restringindo a discussão aos casos de alteração, aumento e diminuição. Penso que meu exemplo envolvendo alteração captura o que Aquino considera essencial no seu.
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