Autor: Paul Draper
Tradução: Alisson Souza
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Alvin Plantinga afirma que certas crenças que implicam a existência de Deus podem ser apropriadamente básicas. Ele usa essa afirmação para sugerir duas respostas distintas aos argumentos evidenciais do mal contra o teísmo. Em "Razão e Crença em Deus ", ele oferece o que chama de sua "estrada", e em um artigo mais recente ele sugere o que eu chamo de sua "modesta" resposta. Primeiro, mostro que a resposta da estrada de Plantinga falha, porque depende de uma análise defeituosa da probabilidade na evidência total. Em seguida, reformulo sua resposta modesta para que ela se aplique especificamente ao argumento evidencial do mal de David Hume. E, finalmente, mostro que um certo problema "existencial" do mal mina a resposta modesta de Plantinga ao argumento de Hume.

Em vários artigos recentes, Alvin Plantinga articula e defende uma teoria fundacionalista da racionalidade epistêmica.Ele chama essa teoria de epistemologia "Reformada", porque acredita que a rejeição da teologia natural por pensadores reformados como John Calvin e Karl Barth é implicitamente baseada na rejeição do teísmo fundamental clássico em favor de uma teoria como a de Plantinga. O princípio central da epistemologia reformada diz respeito ao que chamarei de "crenças teístas": crenças sobre os atributos ou ações de Deus que evidentemente implicam a existência de Deus, onde "Deus" é entendido como um criador onipotente, onisciente e moralmente perfeito do universo. Segundo a epistemologia reformada, as crenças teístas podem ser adequadamente básicas - elas podem estar nos fundamentos de um sistema racional de crenças. Plantinga usa esse princípio para sugerir duas respostas distintas aos argumentos evidenciais do mal contra a existência de Deus. Ao criticar essas respostas, espero mostrar que o mal ainda pode ser um sério problema epistêmico para os teístas, mesmo que as crenças teístas possam, em algumas circunstâncias, ser adequadamente básicas.

I. Resposta da estrada de Plantinga

Em "Razão e crença em Deus", Plantinga desenvolve o que ele chama de resposta da "estrada principal" a argumentos evidenciais do mal. Antes de avaliar essa resposta, são necessárias algumas observações preliminares sobre sua noção de basicalidade adequada. De acordo com Plantinga, uma crença é "básica" para uma pessoa se ela não a basear em outras crenças, e uma crença é "adequadamente básica" para uma pessoa se for básica e epistemicamente racional para essa pessoa. Além disso, crenças adequadamente básicas não são infundadas. Como crenças racionais não básicas, elas têm sua justificação conferida a eles. Por exemplo, quando vejo uma árvore, não acredito na proposição 'vejo uma árvore' com base em outras proposições, como proposições que descrevem minha experiência sensorial. Mas minha experiência sensorial, meu ser "parecia tremulamente" (juntamente com outras circunstâncias) "é o que me justifica em segurá-la; esse é o fundamento da minha justificação e, por extensão, o fundamento da própria crença" (p. 79) Portanto, quando Plantinga afirma que não é preciso evidência para o teísmo para se ter crenças teístas racionais, é importante ter em mente que ele considera a palavra 'evidência' equivalente em sentido a 'evidência proposicional'. Se usarmos a palavra "evidência" para nos referirmos a evidências proposicionais e não proposicionais, então Plantinga entende que uma crença teísta não pode ser racional a menos que seu sujeito tenha evidências. Plantinga interpreta argumentos evidenciais do mal como argumentos para concluir que o teísmo é improvável com relação a alguma afirmação verdadeira sobre o mal (p. 21) .2 (Pela expressão 'A é improvável em relação a B', ele quer dizer aproximadamente que, independentemente da evidência de fundo de alguém, A é menos provável que a negação de A no pressuposto de que B é verdadeiro.) Sua resposta nas estradas desafia o significado de tal argumento.Ele primeiro ressalta que, mesmo que tal argumento fosse sólido e reconhecido por alguns teístas, não se segue que a crença do teísta em Deus é irracional, pois uma proposição pode ser improvável em relação a outras proposição de que alguém sabe ser verdadeiro e, no entanto, provável em sua evidência total (p. 22) Este ponto está bem entendido. Mas ainda nos resta a questão de saber se um argumento probatório do mal pode ou não tornar irracional a crença de algum teísta em Deus, tornando-o improvável na evidência total desse teísta. Plantinga responde que, se a crença de um teísta em Deus é adequadamente básica, não poderia. Pois, se a crença em Deus é adequadamente básica para algum teísta T, então "a crença em Deus é um membro do [conjunto de proposições] Ts [que constituem a evidência total de T], caso em que obviamente não será improvável com relação a Ts .... Quem oferece o argumento probabilístico do mal simplesmente assume que a crença em Deus não tem esse status; mas talvez ele esteja enganado"(p. 24). É Plantinga que está enganado aqui. Ele interpreta a evidência total de uma pessoa S como um conjunto K de proposições e considera a probabilidade epistêmica de qualquer proposição P relativa à situação epistêmica de S como a probabilidade condicional de P na conjunção dos membros de K. Essa análise da "probabilidade na total evidência" implica que qualquer proposição que faça parte da evidência total de S tem uma probabilidade epistêmica de uma para S. Mas é exatamente por isso que essa análise é, na melhor das hipóteses, uma idealização geralmente inofensiva. Uma análise melhor identifica a evidência total de uma pessoa S com o conjunto de proposições para as quais S possui evidência não proposicional, emparelhada com sua "probabilidade básica", ou seja, a probabilidade conferida a ela pelas circunstâncias que supõem eles. Essa probabilidade é, obviamente, tipicamente menor que uma. Sobre essa proposta, que não interpreta probabilidade na evidência total como probabilidade condicional a alguma proposição, uma proposição pode fazer parte da evidência total de uma pessoa e, no entanto, ser improvável nessa evidência. Por exemplo, suponha que pareço ver Susan. Essa circunstância pode conferir uma probabilidade básica para mim superior a 1/2 na proposição 'Eu vejo Susan'. Mas se eu tiver ou obtiver evidências suficientes contra essa proposição (por exemplo, eu descobrir que Susan está fora da cidade e que ela tem um gêmeo idêntico), então, apesar do fato de que essa proposição faz parte de minha evidência total, pode ser menos provável do que não nessa evidência e, portanto, assumindo que reconheço isso, acredito que seria irracional.

Embora essa análise da probabilidade na evidência total possa ter algumas dificuldades, o ponto crucial é que nenhuma análise que não permita a falibilidade da evidência é plausível. Portanto, Plantinga não mostra que um argumento evidencial do mal não poderia tornar irracionais as crenças teísticas básicas de uma pessoa, tornando-as improváveis ​​na evidência total dessa pessoa. Além disso, a análise de Plantinga entra em conflito com sua opinião de que o fundamento de uma crença adequadamente básica fornece apenas justificativa prima facie para essa justificação de crença que pode ser derrotada por contra-evidência ou contra-argumento (pp. 83f) .3 Essa visão implica que argumentos evidenciais do mal devem ser levado a sério, mesmo que as crenças teístas possam ser adequadamente básicas. Pois implica que é possível que a evidência proposicional contra uma crença supere a evidência não proposicional para ela e, portanto, que um argumento probatório bem-sucedido do mal torne irracional a crença de um teísta em Deus, mesmo que esse teísta, antes de confrontar esse argumento, tivesse uma ou mais crenças teístas apropriadamente básicas.

II. Uma resposta modesta e reformada a Hume

Eu suspeito que Plantinga não viaje mais na estrada. Pois em "Os fundamentos do teísmo: uma resposta", ele sugere uma resposta muito mais modesta aos argumentos evidenciais do mal.4 Respondendo à alegação de Philip L. Quinn de que o que sabemos sobre o mal no mundo desconfirma altamente a existência de Deus, Plantinga ressalta que, mesmo que algum argumento para essa alegação seja sólido e mesmo que os teístas que reconhecem que esse argumento seja sólido não tenham evidências proposicionais para suas crenças teístas, ainda não se segue que suas crenças teístas sejam irracionais. Pois mesmo que se tenha uma forte evidência proposicional contra alguma crença teísta, a evidência não proposicional para ela pode ser ainda mais forte. Plantinga coloca o argumento da seguinte maneira: "Talvez a garantia não proposicional desfrutada pela crença em Deus seja suficiente para retroceder o desafio oferecido pelos supostos derrotadores" .6 Plantinga não tenta provar que o teísta típico tem alto grau de garantia não proposicional para suas crenças teístas. O argumento dele é que isso é possível e, portanto, que a racionalidade da crença típica do teísta em Deus não pode ser prejudicada por fortes evidências proposicionais contra o teísmo. Vamos chamar essa resposta de Resposta "modesta" de Plantinga ao argumento probatório do mal. Não desejo negar que essa resposta possa ser usada com êxito contra alguns argumentos probatórios do mal. Argumentarei na Seção III, porém, que, no caso do argumento probatório do mal oferecido por David Hume na Parte XI dos Diálogos sobre Religião Natural, pode-se construir uma contra-resposta bem-sucedida, mas primeiro devo declarar o argumento de Hume e reformular a modesta resposta de Plantinga para que se aplique diretamente ao argumento de Hume. Temos a seguinte hipótese alternativa, que chamarei de "Hipótese da Deidade Indiferente" (ou IDH):

IDH: O criador do Universo é um ser onipotente e onisciente que não é benevolente nem malévolo.7

Hume afirma que

H: IDH explica o padrão de dor e prazer que encontramos no mundo muito melhor que o teísmo.

Encontrar um argumento decente para H nos Diálogos não é fácil. Mas Hume ressalta que a dor e o prazer se assemelham a outras partes dos sistemas orgânicos, contribuindo sistematicamente, não para os objetivos morais de felicidade ou virtude, mas para os objetivos biológicos de sobrevivência e reprodução (temporários). O IDH explica esse fato muito melhor do que o teísmo, no sentido de que temos muito mais razão no teísmo do que no IDH para nos surpreendermos com esse fato. A verdade de H conta contra o teísmo porque o IDH é muito mais provável do que o teísmo em relação a H. Assim, uma vez que sabemos que o IDH implica a negação do teísmo, e, portanto, a negação do teísmo é pelo menos tão provável quanto a H como o IDH ou seja, segue-se que a negação do teísmo é muito mais provável em relação a H do que o teísmo.8 Eu desenvolvi um argumento semelhante em grande detalhe em outros lugares.9 Aqui podemos simplesmente assumir que H é verdadeiro, pois, como a resposta das estradas de Plantinga, sua resposta modesta desafiaria o significado de H, e não a sua verdade. Estabelecer a verdade de H seria insignificante se o teísta típico pudesse racionalmente continuar acreditando que Deus existe depois de aprender que H é verdadeiro. A resposta modesta de Plantinga, aplicada ao argumento de Hume, afirma que isso é possível. Alega que o teísta típico pode ter crenças teísticas adequadamente básicas que permaneceriam adequadamente básicas, mesmo se ela aprendesse que H é verdadeiro. Mais precisamente, alega que a seguinte afirmação pode ser verdadeira:

R: O teísta típico tem experiências religiosas que o levam a formar certas crenças teísticas básicas e que (juntas, talvez com outras circunstâncias) conferem um alto grau de mandado não proposicional àqueles crenças; uma vez que este mandado não proposicional é superior ao mandado proposicional de que o conhecimento de H conferiria a negação dessas crenças, segue-se que essas crenças permaneceriam adequadamente básicas, mesmo que seus sujeitos aprendessem que H é verdadeiro.

Observe que a primeira metade de R apela a experiências religiosas. Plantinga não faz nenhum apelo explícito a experiências religiosas em "Os Fundamentos do Teísmo: Uma Resposta". No entanto, ele está comprometido com esse apelo pelo que diz em "Razão e crença em Deus". Como mencionei anteriormente, Plantinga acredita que as crenças adequadamente básicas têm sua justificação ou garantia conferida a elas por determinadas circunstâncias. No caso de crenças do senso comum apropriadamente básicas (ou seja, crenças perceptivas e de memória, crenças em verdades autoevidentes e crenças em estados mentais para outras pessoas), essas circunstâncias incluem os tipos de experiências que normalmente levam os seres humanos a formar essas crenças. Por exemplo, Plantinga inclui, entre as circunstâncias justificativas da crença propriamente básica de que eu tomei o café da manhã, esta manhã "uma certa experiência tingida no passado que é familiar a todos, mas difícil de descrever" (p. 79). Plantinga faz um relato paralelo de como as crenças teístas são formadas e justificadas. Ele diz, por exemplo, que "existe em nós uma disposição para acreditar em proposições do tipo que esta flor foi criada por Deus ou que esse vasto e intrincado universo foi criado por Deus quando contemplamos a flor ou contemplamos o céu estrelado ou pensamos no vastos alcances do universo "(p. 80). Plantinga acredita que as experiências de contemplar uma flor, contemplar os céus estrelados e pensar nos vastos confins do universo podem levar os seres humanos a formar crenças sobre Deus e conferir diretamente justificativa a essas crenças. Plantinga também menciona uma série de outras experiências que ele acha que despertam crenças sobre os atributos e ações de Deus, como culpa e sensação de que Deus fala. Ele sustenta que tais experiências conferem mandado não proposicional a proposições como 'Deus desaprova o que eu fiz' e 'Deus está falando comigo' (pp. 80-81). A segunda metade de R explica por que, de acordo com Plantinga, uma crença teísta adequadamente básica pode permanecer adequadamente básica, mesmo que seu sujeito tenha aprendido que H é verdadeiro. Mais uma vez, o tratamento das crenças teístas por Plantinga é paralelo ao tratamento das crenças do senso comum:

Considere um exemplo. Estou solicitando uma bolsa de estudos à National Endowment for the Humanities; Escrevo uma carta para um colega, tentando suborná-lo para escrever uma carta brilhante para a investidura; ele se recusa, indignado, e envia a carta ao meu presidente. A carta desaparece do escritório do presidente em circunstâncias misteriosas. Eu tenho um motivo para roubá-lo; Eu tenho a oportunidade de fazê-lo; e sou conhecido por fazer essas coisas no passado. Além disso, um membro extremamente confiável do departamento afirma ter me visto entrando furtivamente no escritório do presidente na época em que a carta deveria ter sido roubada. A evidência [proposicional] contra mim é muito forte; meus colegas me censuram por esse comportamento negligente e me tratam com evidente aversão. Os fatos, no entanto, são que eu não roubei a carta e, de fato, passei a tarde inteira em pergunta em um passeio solitário na floresta; mais adiante, lembro-me claramente de passar aquela tarde caminhando na floresta. Por isso, acredito que da maneira básica

(13) fiquei sozinho na floresta a tarde toda e não roubei a carta.

Mas eu tenho fortes evidências [proposicionais] para a negação de (13) ....

Nesta situação, é óbvio, eu entendo, que sou perfeitamente racional em continuar acreditando em (13) da maneira básica. A razão é que, nessa situação, o status epistêmico positivo ou a garantia que (13) tem para mim (em virtude da minha memória) é maior do que o conferido a seu potencial derrotador [isto é, a negação de (13)] pelas evidências que compartilhe com meus colegas.11

Toda a resposta modesta de Plantinga afirma que o que é verdade sobre minha crença em (13) nessas circunstâncias também pode ser verdade nas crenças de um teísta sobre Deus: "Pode ser que sua crença [em Deus], ​​mesmo que aceita como básica, tem mais garantia do que o derrotador proposto ".12 Em outras palavras, as crenças teístas podem permanecer adequadamente básicas, mesmo diante de fortes evidências proposicionais contra elas, porque a garantia não proposicional de que gozam pode ser maior do que a garantia proposicional de que essa evidência seria conferem suas negações. R implica que o argumento de Hume é insignificante no sentido de que, mesmo que seja correto, não é uma ameaça à racionalidade da crença típica do teísta em Deus. A resposta modesta de Plantinga sustenta que, como R pode ser verdade, o argumento de Hume pode ser insignificante nesse sentido. Isso constitui uma resposta ao argumento de Hume no sentido em que coloca o ônus da prova no defensor do argumento de Hume, para fornecer uma boa razão para acreditar que R é falso. Sem essa razão, não temos boas razões para acreditar que o argumento de Hume seja significativo.

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