Editado por: Sam Dresser
Tradução: Iran Filho
Em um mundo como o da Europa cristã medieval, onde todos eram crentes religiosos, como a conduta moral dos não-cristãos deveria ser abordada? Pessoas que não compartilhavam a fé que todos reconheciam como verdadeira poderiam ser virtuosas?
Cristãos medievais foram educados em uma cultura derivada da antiguidade. Eles aprenderam a admirar os heróis de Roma e Grécia antigas, e seus grandes poetas e filósofos. Lucrécia, Regulus, Catão, Virgílio e Aristóteles, por exemplo, pareciam obviamente ter sido pessoas virtuosas. Mas a doutrina cristã parecia ir contra essa conclusão: todas as pessoas são afetadas pelo pecado original, de tal forma que não podem agir bem consistentemente e, portanto, ser virtuosas, sem ajuda divina. A rota para essa ajuda divina era através da fé - exatamente o que esses pagãos não possuíam. Além disso, se esses pagãos fossem verdadeiramente virtuosos, então seria injusto que Deus os condenasse, e ainda assim parecia haver uma justificação bíblica de que ninguém sem fé é salvo. Este, em linhas gerais, é o problema que os pagãos representavam para os pensadores cristãos medievais.
Caracteristicamente, Agostinho (354-430) resolveu o problema de uma forma clara, mas brutal. A virtude pagã, ele disse, era apenas aparente, não real. Em sua Cidade de Deus, ele analisa em detalhes o comportamento supostamente heroico dos pagãos para mostrar por que ele não era de fato virtuoso. Por exemplo, ele condena Lucrécia, que se matou depois de ter sido estuprada pelo rei Tarquínio de Roma, como sendo culpada de agir por orgulho. Mas, apesar da enorme estima em que Agostinho foi considerado durante toda a Idade Média, a maioria dos pensadores tentou encontrar formas de evitar essa dura condenação do passado pagão.
Uma forma foi fazer uma distinção clara entre pagãos que viviam antes da vinda de Cristo e aqueles que viviam depois dela. Era aceito que os judeus que viviam antes de Cristo eram o povo escolhido por Deus e que muitos deles seriam salvos. Embora os profetas e líderes judeus fossem considerados como tendo conhecido sobre a vinda de Cristo, o povo judeu comum tinha apenas um conhecimento vago disso, ou talvez apenas uma crença no que seus líderes acreditavam. A partir do século XII, alguns pensadores argumentaram que os sábios e virtuosos pagãos tinham o mesmo tipo de conhecimento, seja através do raciocínio ou por profecia; o fato de que as Sibilas eram acreditadas de ter profetizado a vinda de Cristo ajudou a tornar esta ideia plausível.
Por exemplo, Pedro Abelardo (1079-1142) tinha certeza de que muitos pagãos eram altamente virtuosos. Ele sabia indiretamente sobre a república ideal de Platão, e imaginava que os filósofos antigos realmente haviam estabelecido cidades nas quais todas as virtudes, mesmo as ascéticas, eram praticadas em um nível de excelência ao qual os monges de sua própria época só poderiam aspirar. Ao afirmar que os filósofos eram cristãos antes da vinda de Cristo, Abelardo podia argumentar que, como a justiça exigia, Deus lhes concedeu a salvação. Tomás de Aquino (1225-74) comparou os filósofos antigos diretamente com o povo judeu comum dos tempos do Antigo Testamento. Assim como eles, eles não foram concedidos conhecimento completo sobre a vinda de Cristo, mas, porque estavam dispostos a aceitar as crenças de quem estava em posição de conhecer a verdade, eles poderiam ser salvos por essa "fé implícita". A fé implícita não forneceu uma forma de salvar os pagãos virtuosos que viviam depois da vinda de Cristo, mas Abelardo, Aquino e muitos outros argumentaram que, caso um pagão nesses tempos realmente levasse uma vida completamente virtuosa, Deus lhe revelaria o que era necessário para a salvação, seja através de um mensageiro ou por inspiração milagrosa e interna.
Uma forma diferente de abordar o problema foi desenvolver uma teoria de "virtudes políticas": virtudes genuínas que os pagãos poderiam possuir, mas que não contribuiriam para a salvação. Essa visão torna a justiça de Deus difícil de compreender em termos humanos. Não é surpreendente que tenha atraído pensadores no início do século XIV, como Duns Scotus e William of Ockham, que viram a vontade insondável de Deus como fundando a correção ética, em vez do contrário. Ockham distingue diferentes graus de virtude, no topo dos quais está a virtude heroica, na qual alguém vai além da natureza humana e aceita um sofrimento terrível por uma boa causa. Ockham insiste que todos os graus de virtude, mesmo este mais alto, estão abertos aos pagãos e cristãos: o pagão que está disposto a ser queimado ao invés de cometer injustiça é "perfeitamente heroico", assim como o mártir cristão - mas ele ainda não receberá recompensa celeste por seu heroísmo.
De todos os escritores medievais, o mais fascinado e perturbado pelo problema dos pagãos virtuosos foi Dante (1265-1321), e é ele quem leva a separação entre virtude pagã e salvação aos seus limites. O guia de Dante pelo Inferno e para o Purgatório é Virgílio, que, segundo nos diz, possui todas as virtudes naturais, mas é excluído da salvação simplesmente por falta de fé. Quando não ocupado em guiar Dante, ele é colocado no Limbo, na borda do Inferno, junto com outros pagãos virtuosos, entre os quais estão os grandes heróis, poetas e filósofos do mundo antigo.
O Limbo poderia parecer, pela descrição de Dante, um abrigo agradável, e as almas lá presentes, certamente, não estão sujeitas às torturas quase físicas de outros lugares no Inferno. Mas, mesmo assim, são condenadas e têm que viver "em desejo sem esperança" - um estado que Boccaccio, um leitor sensível de Dante, descreve como tão terrível que levaria uma pessoa viva ao suicídio. Dante poderia, como Aquino, ter usado a ideia de fé implícita para salvar seus pagãos virtuosos, mas escolheu não fazê-lo. Ele também se recusou propositalmente à visão, de acordo com uma doutrina defendida por Aquino, de que Deus de alguma forma salvaria o homem nascido nas margens do Indo, que viveu uma vida virtuosa e não ouviu falar de Cristo e, portanto, não pode ser responsabilizado por sua falta de crença. Dante é capaz de valorizar o mundo pagão, sua poesia e sua filosofia apenas colocando a virtude e a sabedoria pagãs em uma esfera isolada da crença cristã e salvação celeste.
Tanto a condenação dolorida de Dante dos pagãos que ele admira tanto quanto as atitudes mais radicais de outros pensadores medievais podem parecer resultar de um problema muito diferente do que enfrentam os intelectuais hoje, em uma sociedade principalmente secular, tolerante com muitas religiões. Mas na verdade, a questão geral subjacente é ainda mais urgente hoje do que há 1.000 anos. Como entendemos e julgamos aqueles cujas vidas são governadas por crenças e ideais diferentes das nossas?
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