Autor: Quentin Smith
Tradução: Alisson Souza
Reportar erro de tradução
O argumento lógico do mal intenta demonstrar que as duas proposições seguintes são implicitamente autocontraditórias:
G. Deus existe e é onipotente, onisciente e perfeitamente bom.
E. O mal existe.
O argumento para uma contradição é similar ao argumento para a consistência entre (G) e (E) no sentido de que ambos visam produzir alguma terceira proposição (p). A defesa do livre-arbítrio e vários outros argumentos para consistência visam produzir uma terceira proposição (p) que é consistente com (G) e cuja conjunção com (G) implica (E), mas o argumento lógico do mal intenta produzir uma terceira proposição (p) que seja tanto uma verdade necessária quanto produza uma contradição explícita quando combinada com (G). Uma contradição explícita é uma conjunção de proposições uma das quais é a negação de outra.
Acredito que uma contradição explícita pode ser produzida e que a verdade necessária (p1) de que necessitamos pode ser descoberta através de uma análise crítica da defesa do livre-arbítrio de Plantinga. O problema com a defesa de Plantinga está situado em suas suposições implícitas. As suposições relevantes são sobre a liberdade. Considere a seguinte passagem (na qual por “significativamente livre” Plantinga quer dizer liberdade em relação a uma ação moral):
Agora, Deus pode criar criaturas livres, mas ele não pode manipula-las causalmente ou determina-las a fazer o que é certo. Pois se ele o fizesse, então elas não seriam, no fim das contas, significativamente livres; elas não fariam o que é certo livremente. Para criar criaturas capazes de bondade moral, portanto, ele deve criar criaturas capazes de maldade moral.
Isto sugere que por “livre” Plantinga está se referindo (no mínimo) ao que chamarei de liberdade externa. Uma pessoa é externamente livre em relação a uma ação A se e somente se nada além (externo a) ele mesmo determina que ele realize A ou se abstenha de realizar A.
Mas Plantinga sugere em outras passagens que por “livre” ele também entende “liberdade interna“:
E uma pessoa é livre em relação a uma ação A no tempo t somente se nenhuma lei causal e condições prévias determinam que ela realize A no instante t ou que ela se abstenha de faze-lo” (170-71).
Uma pessoa é internamente livre em relação a uma ação A se e somente se é falso que seus estados físicos e psicológicos passados, em conjunto com lei causais, determinem que ele realize A ou se abstenha de faze-lo.
Um pouco mais adiante, Plantinga sugere que também utiliza o termo “livre” no sentido de liberdade lógica. Isto fica sugerido por sua afirmação de que é possível que cada criatura livre escolha fazer algo errado em ao menos um dos mundos possíveis no quais a criatura existe. Uma pessoa é logicamente livre em relação a uma ação A se e somente se existe algum mundo possível no qual ele realiza A e existe outro mundo possível no qual ela não realiza A. Uma pessoa é logicamente livre em relação a uma vida perfeitamente virtuosa ( uma vida na qual toda ação moralmente relevante realizada pela pessoa é uma boa ação) se e somente se existe algum mundo possível no qual ela viva esta vida e outro mundo possível no qual ela não viva.
É possível ser interna e externamente livre mas logicamente determinado em relação a ser moralmente bondoso. Tal é o caso com Deus, que é livre tanto interna quanto externamente mas que realiza somente boas ações em cada mundo possível no qual existe. A determinação lógica de Deus em relação à bondade moral é implicada por sua essência individual, pois a essência individual de Deus é ser maximamente grande, o que implica ser maximamente excelente em todos os mundos possíveis. A excelência máxima, como notei acima, inclui a propriedade de ser completamente bom.
A inépcia de Plantinga em discutir estes três sentidos de “liberdade” explicitamente tem deixado seus comentadores confusos. Wesley Morrison, por exemplo, identifica determinismo lógico e determinismo interno. Ele apresentou a seguinte crítica à defesa de Plantinga:
Como Plantinga a define, liberdade significativa (liberdade relativa a ações moralmente relevantes) não é compatível com o determinismo. A razão para insistir neste ponto no contexto de uma defesa do livre-arbítrio deveria ser óbvia. Se uma análise compatibilista da liberdade e da responsabilidade fosse aceitável, estaria aberto para um oponente da defesa do livre-arbítrio argumentar que Deus não tem que permitir o mal moral a fim de criar criaturas significativamente livres que são capazes de bondade moral. Por exemplo, Ele poderia instilar em cada uma de suas criaturas um impulso irresistível para fazer o que é certo e se abster de ações erradas, sem com isso diminuir sua liberdade e responsabilidade. …[ Segundo Plantinga ] a natureza de Deus é tal que é-Lhe logicamente impossível realizar uma ação errada. Ele é determinado — no mais forte sentido possível da palavra “determinado” — a não realizar quaisquer ações erradas. Nestas condições, parece-me que, sob a análise de Plantinga do conceito de liberdade significativa, Deus não é significativamente livre. E como a bondade moral pressupõe a liberdade significativa, também resulta que Deus não é moralmente bom [o que contradiz a definição de Plantinga de Deus como maximamente grande].
Mas o argumento de Morrison baseia-se numa falácia de equívoco em relação ao termo “determinado”. De acordo com a teoria compatibilista do livre-arbítrio, os humanos são externamente livres mas internamente determinados; nada externo ao agente causa suas ações, mas seus estados físicos e psicológicos anteriores causam suas ações. Se os humanos fossem internamente determinados, então Deus poderia te-los feito de modo que eles sempre fizessem o que é certo neste sentido: Ele poderia tê-los feito com um “impulso irresistível para fazer o que é certo” que determinasse causalmente todas as suas ações moralmente relevantes. Mas, pace Morrison, este não é o sentido no qual Deus é determinado a fazer somente o que é certo. Deus é perfeitamente livre e não está sujeito a quaisquer impulsos, desejos, paixões, e assim por diante, que determine causalmente suas ações. Deus é internamente livre mas logicamente determinado a fazer o que é certo. Em cada mundo possível no qual existe, Ele é externa e internamente livre para escolher o que é errado, mas escolhe fazer apenas o que é certo.
Morrison escreve que “Deus tem o poder de realizar ações erradas — caso em que existirão mundos possíveis nos quais ele as realiza” (262). Isto é falso porque a posse do poder para fazer algo não implica que o possuidor o exercerá em algum mundo possível. É possível que alguém seja capaz de de fazer A (isto é, que seja externa e internamente livre para realizar A) mas escolha não exercer esse poder em cada mundo possível no qual exista.
A distinção entre estes três sentidos de “determinismo” nos autoriza a rejeitar a conclusão de Morrison de que Deus não é moralmente bom. Uma condição necessária para ser moralmente bom, um adepto da concepção libertária do livre-arbítrio diria, é que uma pessoa não seja interna ou externamente determinada em relação a ações moralmente relevantes.
Mas não é uma condição necessária para ser moralmente bom que uma pessoa não seja logicamente determinada em relação a ações moralmente relevantes; uma pessoa é moralmente boa se ela escolhe livremente (no sentido externo-interno) fazer o que é certo em cada mundo possível no qual ela exista.
Com a distinção entre liberdade interna, externa e lógica em mãos, posso começar minha avaliação da defesa do livre-arbítrio de Plantinga. Considere a suposição que Plantinga faz a princípio:
“Um mundo habitado por criaturas que são, ocasionalmente, significativamente livres (e realizam livremente mais boas do que más ações) é mais valioso, tudo o mais sendo igual, do que um mundo que não contenha, afinal de contas, nenhuma criatura livre.”
Agora, o que “livre” significa nesta citação? Presumivelmente, significa liberdade interna+externa+lógica. Mas alguém pode indagar, “Uma pessoa que possui somente liberdade interna e externa tem menos valor metafísico do que uma pessoa que é livre nestes dois aspectos e também possui liberdade lógica? A resposta implicada pela premissas de Plantinga deve ser “não”, pois Deus possui liberdade interna-externa mas não a liberdade lógica, e Deus detém o maior grau possível de valor metafísico. Deus não possui liberdade lógica porque Deus possui o atributo da grandeza máxima, o que inclui a propriedade de ser totalmente bom em cada mundo no qual existe. Assim, temos aqui uma prova de que ser livre interna e externamente mas logicamente determinado possui uma valor metafísico maior do que ser livre em todos os três aspectos:
1. Deus possui a combinação consistente maximamente valorável de propriedades constituintes da excelência.
2. Se fosse intrinsecamente melhor ser logicamente livre, em relação a uma vida moralmente boa, do que logicamente determinado, e esta liberdade lógica fosse consistente com a onipotência e a onisciência de Deus, então Deus possuiria esta liberdade lógica.
3. A liberdade lógica em relação a uma vida moralmente boa é consistente com a onipotência e a onisciência.
4. Deus é logicamente determinado em relação a uma vida moralmente boa.
Portanto
5. É falso que é intrinsecamente melhor ser logicamente livre em relação a uma vida moralmente boa do que ser logicamente determinado.
A premissa (3) é verdadeira porque “x conhece todas as verdades” não implica “Não é logicamente possível para x realizar uma ação moralmente errada”, e “x é todo-poderoso” não implica “Não é logicamente possível para x realizar uma ação moralmente errada. Nem a conjunção de onisciência e onipotência implica isso.
Segue-se que um mundo possível W1 contendo um número N de pessoas que sempre fazem o que é certo e que são logicamente determinadas em relação a bondade moral é (tudo o mais sendo igual) um mundo de maior valor metafísico do que um mundo W2 contendo um número N de pessoas que são logicamente livres em relação a um estilo de vida moralmente bom. E isso sugere que Deus, se existisse, teria criado W1 em vez de W2.
Conquanto Plantinga aborde essa questão, uma suposição não-declarada de seu argumento é que não existem criaturas possíveis que sejam interna e externamente livres em relação a uma vida moralmente boa mas sejam logicamente determinadas. Esta suposição é falsa, pois “x é uma criatura interna e externamente livre em relação a uma vida moralmente boa” não implica “x é logicamente livre em relação a uma vida moralmente boa”. Se implicasse, existiria alguma diferença relevante entre Deus e criaturas que garantiria a implicação funcionasse no caso das criaturas mas não de Deus. Mas que diferença seria esta? Como sugeri, nenhum dos outros atributos divinos (além da bondade necessária) implica a bondade necessária. Nem a conjunção de dois ou mais dos atributos divinos a implicam. Além disso, os atributos não-divinos relevantes não implicam liberdade lógica em relação a uma vida moralmente boa. Por exemplo, “x conhece várias mas não todas as verdades” não implica “x escolhe livremente fazer algo errado em ao menos um mundo possível no qual x existe”. Isso também não é implicado por “x tem o poder de fazer várias mas não todas as coisas”.
Muito pouco a título de argumentação pode ser encontrado na literatura que sustente a alegação de que somente Deus é necessariamente bom. Morris tenta deduzir esta tese da tese de que os atributos divinos são necessariamente coextensivos, isto é, que os atributos da onipotência, onisciência, perfeita bondade, e assim vai, são exemplificados por Deus e somente Deus em cada mundo possível. Mas então a questão reverte para se existe qualquer razão para acreditar na tese da coextensividade necessária. Morris oferece a justificação de que ele possui uma “intuição” desta coextensividade necessária e que esta intuição é justificada porque pode ser rastreada até um mecanismo de formação de crenças confiável, a saber, que se existisse um deus desse tipo, ele teria implantado tal intuição em nós. Mas também já vimos que este tipo de argumento fracassa porque o mesmo tipo de argumento pode ser utilizado para justificar a intuição de que existe um deus cujos atributos não são necessariamente coextensivos.
Swinburne apresenta um tipo de argumento diferente em “The coherence of theism”, a saber, que a conjunção de onisciência e perfeita liberdade implica bondade necessária. Este argumento, entretanto, ainda que sólido, não faz nada para mostrar que se qualquer ser não é ao mesmo tempo onisciente e perfeitamente livre, também não é necessariamente bom. Swinburne argumenta que uma pessoa perfeitamente livre ” não pode fazer o que não considere, de alguma forma, uma coisa boa” porque a única restrição sobre a realização do que alguém acredita ser certo é uma influência causal sobre as escolhas de alguém, e uma pessoa perfeitamente livre não é causalmente influenciada (bem como é causalmente indeterminada). Uma outra pessoa que não Deus pode ser perfeitamente livre no sentido que Swinburne atribui ao termo porque podem existir mentes incorpóreas finitas, por exemplo, um anjo, que não é causalmente influenciada por seus estados psicológicos prévios ou qualquer outra coisa. Além disso, uma pessoa não-onisciente pode ter somente crenças morais verdadeiras, no mínimo pela razão de que é possível conhecer todas as verdades morais e não conhecer todas as verdades matemáticas. Tal pessoa seria moralmente boa necessariamente, dadas as premissas do próprio Swinburne. De fato, lançando mão das premissas de Swinburne uma pessoa pode provar a possibilidade de outras pessoas moralmente boas além de Deus:
6. É possível que exista uma mente não onisciente x tal que: para cada mundo possível W na qual x exista, e para cada circunstância na qual x se vê diante de uma escolha moral, x conhece todas as verdades concretas e morais cujo conhecimento é necessário para fazer uma escolha correta.
7. Esta mente x não é nem causalmente determinada nem causalmente influenciada por quaisquer fatores externos ou internos.
8. Necessariamente, se uma mente perfeitamente livre conhece todas as verdades concretas e morais necessárias à realização de uma escolha moralmente correta em qualquer circunstância moralmente significativa na qual se encontre, então esta mente fará a escolha certa.
Se tais pessoas são possíveis, mundos contendo apenas tais pessoas e Deus e nenhuma natureza (um domínio físico, material) são possíveis; em todos estes mundos o mal natural e o mal moral não existem. O argumento contrafatual de que é possível que se Deus criasse estas pessoas em determinadas circunstâncias elas fariam algo errado falha porque estas pessoas são necessariamente boas. Portanto, a defesa do livre-arbítrio de Plantinga não pode ser usada para mostrar que um mundo contendo estas pessoas não é criável.
A idéia de que existem criaturas possíveis que são necessariamente boas e que Deus poderia ter criado um mundo contendo somente tais criaturas não depende da veracidade da teoria dos contrafatuais da liberdade de Plantinga. A primeira vista, pode parecer que há uma dependência porque presumivelmente Deus, se existisse, logicamente teria conhecido, anteriormente à criação, os contrafatuais acerca destas criaturas e decidido criar um mundo com elas baseado neste conhecimento. Por exemplo, Deus conheceria anteriormente à criação
9. Se as essências individuais de algumas criaturas necessariamente boas fossem instanciadas, as instanciações destas essências sempre fariam o que é certo.
A proposição (9) é logicamente verdadeira de forma anterior à criação mesmo que a teoria de Plantinga seja falsa, pois (9) é analiticamente verdadeira e assim não requer relações de similaridade entre mundos possíveis que a tornem verdadeira. A proposição (9) é verdadeira porque o antecedente implica o consequente. Portanto, se a teoria dos contrafatuais de Stalnaker-Lewis é verdadeira, não existem contrafatuais de liberdade logicamente contingentes que sejam logicamente verdadeiros antes da criação, mas existem contrafatuais da liberdade logicamente necessários que são logicamente verdadeiros antes da criação, e os últimos são tudo o que Deus precisa para saber qual mundo criar.
O fato de que criaturas necessariamente boas são possíveis suplementa a proposição ausente (p’) que permitirá que a conjunção de (G), (E) e (p’) produza uma contradição explícita. As proposições (G) e (E), relembremos, são
G. Deus existe e é perfeitamente bom, onipotente e onisciente.
E. O mal existe.
Existem várias maneiras de formular (p’), uma delas baseada numa proposição da primeira discussão da defesa do livre-arbítrio de Plantinga em seu artigo “A defesa do livre-arbítrio” (1965), registrada da seguinte maneira:
10. Se Deus é totalmente bom e a proposição Deus cria seres humanos livres e os seres humanos livres que ele cria sempre fazem o que é certo é consistente, então quaisquer humanos livres criados por Deus sempre fazem o que é certo.
Se a negação de (E) deve ser deduzida de (10) e (G), então (10) precisa ser uma verdade necessária. Mas precisamos de premissas adicionais. Uma delas é
11. É consistente que Deus cria seres humanos livres e os seres humanos livres que ele cria sempre fazem o que é certo.
Outra é
12. É possível que seres humanos livres que sempre fazem o que é certo existam sem que exista qualquer mal natural, e se Deus criar estes seres humanos, ele não criará o mal natural.
Se (10), (11) e (12) são todas verdades necessárias, , então a proposição (p’) é a conjunção de (10), (11) e (12) porque a conjunção destas três proposições com (G) implica
~E. O mal não existe.
Isto produziria um argumento lógico do mal sólido, pois mostraria que o teísta está comprometido duas proposições cuja conjunção é o mal existe e o mal não existe.
No artigo “A defesa do livre-arbítrio” Plantinga ataca (10). Ele escreve
“Parece não haver razão para supor que (10) é absolutamente verdadeira, muito menos necessariamente verdadeira. Se os seres humanos livres criados por Deus sempre fizessem o que é certo seria, presumivelmente, responsabilidade deles; por tudo o que sabemos eles podem ocasionalmente exercer sua liberdade para fazwer o que é errado.”
Num sentido Plantinga está certo, pois os humanos são logicamente livres em relação a uma vida moralmente boa e ser logicamente livre e ser logicamente determinado são plausivelmente pensadas como propriedades essenciais. Não existe nenhum mundo possível no qual humanos são logicamente determinados em relação a uma vida moralmente boa. Mas Plantinga negligencia a possibilidade de que existam criaturas racionais possíveis que são externa e internamente livres mas logicamente determinadas, e se tomarmos o termo “humanos” em (10) num sentido amplo como se referindo a qualquer criatura racional, então a pretensa refutação de Plantinga de (10) fracassa. Assim, o argumento lógico do mal sobrevive incólume à crítica de Plantinga.
A solidez do argumento lógico do mal pode ser vista mais claramente se considerarmos uma proposição relevante da obra de Plantinga “God, Freedom and Evil”, uma proposição que ele admite “a título de argumentação” ser uma verdade necessária (ainda que ele não faça nenhuma tentativa subsequente para mostrar que ela não é uma verdade necessária). A proposição é
13. Um ser onipotente, onisciente e (completamente) bom elimina todos os males que podem ser convenientemente eliminados.
Um ser elimina convenientemente um estado de coisas perverso se elimina essa perversidade sem eliminar um bem que a ultrapasse ou provocar uma perversidade ainda maior. Um bom estado de coisas g ultrapassa um estado de coisas ruim e se a conjunção dos estados de coisas g e e é um bom estado de coisas. Dadas estas definições, é plausível pensar que (13) é uma verdade necessária. Se um estado de coisas é eliminado pelo impedimento de sua efetivação, e se um mundo possível é um estado de coisas (um estado de coisas máximo), então (13) implica
14. Deus impede a efetivação de qualquer mundo W1 que contém o mal se existe outro mundo criável W2 contendo no mínimo tanto bem quanto W1 e nenhum mal.
Não existe nenhum mundo contendo o mal que contém mais bem do que um mundo criável W2 que não contém nenhum mal e que consiste de Deus e um número infinito de criaturas racionais necessariamente boas externa e internamente livres que realizam um número infinito de boas ações. Isto é verdade em virtude da matemática do infinito, pois o acréscimo de mais criaturas ou ações a um mundo contendo um número infinito delas não aumenta a quantidade de bem, pois “infinito” mais “N”, para qualquer número finito N, é igual a “infinito”. Dessa maneira não podemos dizer que existe um mundo possível contendo o mal e infinito+N boas ações e que este mundo contém mais bem do que um mundo contendo contendo um número infinito de boas ações e nenhum mal. Obviamente, podemos obter mais boas ações se adicionarmos a um mundo com aleph-zero boas ações um aleph-um adicional de atos, onde aleph-zero é o número de todos os inteiros finitos e alpeh-um é (pela hipótese do continuum) o número de todos os números reais. Mas este tipo de argumento pode ser bloqueado sustentando que existe outro mundo sem mal algum mas com aleph-um boas ações. Os mesmo vale para qualquer outro cardinal transfinito maior do que aleph-zero.
Os argumentos acima acerca das criaturas racionais livres necessariamente boas mostram que
15. Existe algum mundo possível criável W2 contendo somente Deus e um número infinito de criaturas racionais livres necessariamente boas que realizam um número infinito de boas ações.
Isto nos dá nossa contradição explícita, a saber, a conjunção das seguintes proposições:
G. Deus existe e é totalmente bom, onipotente, e onisciente.
E. O mal existe.
14. Deus impede a efetivação qualquer mundo W1 que contém o mal se existe outro mundo criável W2 contendo no mínimo tanto bem quanto W1 e nenhum mal.
15. Para cada mundo possível criável W1 contendo o mal e um número infinito de criaturas racionais livres que realizam um número infinito de boas ações, existe outro mundo possível criável W2 que não contém nenhum mal e um número infinito de criaturas racionais livres necessariamente boas que realizam um número infinito de boas ações.
~E. O mal não existe. [a partir de G, (14) e (15)]
O argumento lógico do mal, então, parece ser bem-sucedido, ou ao menos Plantinga ou ninguém mais que eu conheça ofereceu uma boa razão para pensar que não. Consequentemente, devemos renunciar, ao menos no presente, à alegação de que a vida humana possui um significado objetivo dado pelas religiões monoteístas. Parece razoável acreditar, baseando-nos nas considerações apresentadas neste capítulo, que a presença do mal torna a vida humana desprovida de significado religioso no sentido monoteísta.
Observe que este argumento lógico do mal não é o argumento formulado por Mackie, cuja refutação costuma ser creditada a Plantinga. O argumento de Mackie é
“Se Deus fez os homens de tal forma que em suas livres escolhas eles as vezes preferem o que é bom e as vezes preferem o que é mal, por que ele não poderia tê-los feito de tal forma que eles sempre escolhessem livremente o bem? Se não existe nenhuma impossibilidade lógica no fato de uma pessoa escolher livremente o bem em uma, ou em várias ocasiões, não pode haver uma impossibilidade lógica no fato de ele escolher o bem em todas as ocasiões.”
Numa formulação de mundos possíveis, isto pode ser interpretado como a afirmação de que existe um mundo logicamente possível no qual os humanos sempre escolhem o que é certo. Mas Plantinga enfrenta esta alegação observando que a existência de um mundo possível não significa que Deus poderia efetiva-lo, pois é possível que se Deus tivesse criado as pessoas neste mundo e as tivesse colocado nas circunstâncias relevantes, elas teriam feito escolhas erradas. Resumindo, o argumento de Mackie falha porque ele supõe que o mundo logicamente possível no qual criaturas livres sempre fazem o que é certo contém humanos que são logicamente livres em relação a uma vida moralmente boa. O argumento de Mackie é que existe um mundo possível no qual os seres humanos são criados por Deus e sempre fazem o que é certo; ele não demonstra a alegação mais forte de que existe um tipo diferente de criatura, pessoas racionais que são interna e externamente livres mas logicamente determinadas a fazer o que é certo, e que existe um mundo possível contendo somente Deus e criaturas deste tipo. Esta afirmação mais forte é necessária para fazer oposição ao criticismo de Plantinga segundo o qual é possível que se Deus tivesse criados as pessoas em questão, elas escolheriam fazer algumas ações erradas, ainda que fosse possível a elas não escolhe-las.
Argumentos diferentes contra a defesa do livre arbítrio de Plantinga são propostos por Gale. Ele não faz distinção entre liberdade interna e externa e assume tacitamente com Plantinga que criaturas finitas racionais são logicamente livres.
O argumento básico de Gale é que seres humanos não possuem de fato livre arbítrio (interno e externo) se eles são criados por Deus. Ele apela a um princípio a respeito dos seres humanos, a saber, de que se as ações e escolhas de uma pessoa A resultam de condições psicológicas que são intencionalmente determinadas por outra pessoa B, então as escolhas e ações de A não são livres. Gale sustenta este princípio com o exemplo de um engenheiro cibernético submetendo sua esposa a uma cirurgia na qual seu cérebro é substituído por um computador pre-programado análogo, que imprime em sua esposa a configuração psicológica desejada, abrangendo desejos, disposições, inclinações e similares. Esta configuração psicológica pode direcionar ou tornar mais previsíveis certas escolhas feitas por sua esposa, mas estas escolhas não são livres porque sua esposa não possui uma mente própria. Gale observa que, segundo Plantinga, Deus intencionalmente causa a posse de todas as propriedades da liberdade indeterminada de uma pessoa criada, que incluem seu perfil psicológico. Isto implica, de acordo com Gale, que esta pessoa criada “deixa de ser livre por não possuir uma mente própria.”
Gale assinala que seu argumento não é conclusivo porque ” faz uso dos mesmos princípios supressores da liberdade aplicáveis nas situações humano-humano ao caso Deus-humano”, e a analogia pode não ser suficientemente forte. Mesmo assim, Gale pensa que seu argumento possui alguma força contra a defesa do livre-arbítrio de Plantinga. Mas será que realmente possui? Acredito que as diferenças prevalecem sobre as semelhanças entre as duas situações. Especificamente, o caso humano-humano envolve o marido alterando a configuração psicológica original, natural, de sua esposa e a substituindo por uma nova, artificial. Mas no caso Deus-humano, Deus não altera a configuração psicológica original da pessoa; em vez disso, a configuração psicológica original da pessoa é exatamente o que é criado por Deus. Assim, penso que a defesa do livre-arbítrio de Plantinga pode sobreviver a este ataque.
Gale diz muito mais sobre os problemas com a defesa do livre-arbítrio de Plantinga, nenhum dos quais ele acreditar refuta-la de maneira conclusiva. Acredito que a distinção que fiz entre os três tipos de liberdade _ interna, externa e lógica _ e o argumento que construí sobre esta distinção refutam conclusivamente a defesa do livre-arbítrio de Plantinga, de maneira que não precisamos nos valer dos vários argumentos de Gale para ver que esta defesa não é bem-sucedida. Mas a crítica da defesa do livre-arbítrio feita por Gale é aplicável a outras versões além da de Plantinga, por exemplo, a deg Adams, e Gale levanta várias objeções plausíveis em sua abraangente discussão das várias versões da defesa.
O argumento lógico do mal intenta demonstrar que as duas proposições seguintes são implicitamente autocontraditórias:
G. Deus existe e é onipotente, onisciente e perfeitamente bom.
E. O mal existe.
O argumento para uma contradição é similar ao argumento para a consistência entre (G) e (E) no sentido de que ambos visam produzir alguma terceira proposição (p). A defesa do livre-arbítrio e vários outros argumentos para consistência visam produzir uma terceira proposição (p) que é consistente com (G) e cuja conjunção com (G) implica (E), mas o argumento lógico do mal intenta produzir uma terceira proposição (p) que seja tanto uma verdade necessária quanto produza uma contradição explícita quando combinada com (G). Uma contradição explícita é uma conjunção de proposições uma das quais é a negação de outra.
Acredito que uma contradição explícita pode ser produzida e que a verdade necessária (p1) de que necessitamos pode ser descoberta através de uma análise crítica da defesa do livre-arbítrio de Plantinga. O problema com a defesa de Plantinga está situado em suas suposições implícitas. As suposições relevantes são sobre a liberdade. Considere a seguinte passagem (na qual por “significativamente livre” Plantinga quer dizer liberdade em relação a uma ação moral):
Agora, Deus pode criar criaturas livres, mas ele não pode manipula-las causalmente ou determina-las a fazer o que é certo. Pois se ele o fizesse, então elas não seriam, no fim das contas, significativamente livres; elas não fariam o que é certo livremente. Para criar criaturas capazes de bondade moral, portanto, ele deve criar criaturas capazes de maldade moral.
Isto sugere que por “livre” Plantinga está se referindo (no mínimo) ao que chamarei de liberdade externa. Uma pessoa é externamente livre em relação a uma ação A se e somente se nada além (externo a) ele mesmo determina que ele realize A ou se abstenha de realizar A.
Mas Plantinga sugere em outras passagens que por “livre” ele também entende “liberdade interna“:
E uma pessoa é livre em relação a uma ação A no tempo t somente se nenhuma lei causal e condições prévias determinam que ela realize A no instante t ou que ela se abstenha de faze-lo” (170-71).
Uma pessoa é internamente livre em relação a uma ação A se e somente se é falso que seus estados físicos e psicológicos passados, em conjunto com lei causais, determinem que ele realize A ou se abstenha de faze-lo.
Um pouco mais adiante, Plantinga sugere que também utiliza o termo “livre” no sentido de liberdade lógica. Isto fica sugerido por sua afirmação de que é possível que cada criatura livre escolha fazer algo errado em ao menos um dos mundos possíveis no quais a criatura existe. Uma pessoa é logicamente livre em relação a uma ação A se e somente se existe algum mundo possível no qual ele realiza A e existe outro mundo possível no qual ela não realiza A. Uma pessoa é logicamente livre em relação a uma vida perfeitamente virtuosa ( uma vida na qual toda ação moralmente relevante realizada pela pessoa é uma boa ação) se e somente se existe algum mundo possível no qual ela viva esta vida e outro mundo possível no qual ela não viva.
É possível ser interna e externamente livre mas logicamente determinado em relação a ser moralmente bondoso. Tal é o caso com Deus, que é livre tanto interna quanto externamente mas que realiza somente boas ações em cada mundo possível no qual existe. A determinação lógica de Deus em relação à bondade moral é implicada por sua essência individual, pois a essência individual de Deus é ser maximamente grande, o que implica ser maximamente excelente em todos os mundos possíveis. A excelência máxima, como notei acima, inclui a propriedade de ser completamente bom.
A inépcia de Plantinga em discutir estes três sentidos de “liberdade” explicitamente tem deixado seus comentadores confusos. Wesley Morrison, por exemplo, identifica determinismo lógico e determinismo interno. Ele apresentou a seguinte crítica à defesa de Plantinga:
Como Plantinga a define, liberdade significativa (liberdade relativa a ações moralmente relevantes) não é compatível com o determinismo. A razão para insistir neste ponto no contexto de uma defesa do livre-arbítrio deveria ser óbvia. Se uma análise compatibilista da liberdade e da responsabilidade fosse aceitável, estaria aberto para um oponente da defesa do livre-arbítrio argumentar que Deus não tem que permitir o mal moral a fim de criar criaturas significativamente livres que são capazes de bondade moral. Por exemplo, Ele poderia instilar em cada uma de suas criaturas um impulso irresistível para fazer o que é certo e se abster de ações erradas, sem com isso diminuir sua liberdade e responsabilidade. …[ Segundo Plantinga ] a natureza de Deus é tal que é-Lhe logicamente impossível realizar uma ação errada. Ele é determinado — no mais forte sentido possível da palavra “determinado” — a não realizar quaisquer ações erradas. Nestas condições, parece-me que, sob a análise de Plantinga do conceito de liberdade significativa, Deus não é significativamente livre. E como a bondade moral pressupõe a liberdade significativa, também resulta que Deus não é moralmente bom [o que contradiz a definição de Plantinga de Deus como maximamente grande].
Mas o argumento de Morrison baseia-se numa falácia de equívoco em relação ao termo “determinado”. De acordo com a teoria compatibilista do livre-arbítrio, os humanos são externamente livres mas internamente determinados; nada externo ao agente causa suas ações, mas seus estados físicos e psicológicos anteriores causam suas ações. Se os humanos fossem internamente determinados, então Deus poderia te-los feito de modo que eles sempre fizessem o que é certo neste sentido: Ele poderia tê-los feito com um “impulso irresistível para fazer o que é certo” que determinasse causalmente todas as suas ações moralmente relevantes. Mas, pace Morrison, este não é o sentido no qual Deus é determinado a fazer somente o que é certo. Deus é perfeitamente livre e não está sujeito a quaisquer impulsos, desejos, paixões, e assim por diante, que determine causalmente suas ações. Deus é internamente livre mas logicamente determinado a fazer o que é certo. Em cada mundo possível no qual existe, Ele é externa e internamente livre para escolher o que é errado, mas escolhe fazer apenas o que é certo.
Morrison escreve que “Deus tem o poder de realizar ações erradas — caso em que existirão mundos possíveis nos quais ele as realiza” (262). Isto é falso porque a posse do poder para fazer algo não implica que o possuidor o exercerá em algum mundo possível. É possível que alguém seja capaz de de fazer A (isto é, que seja externa e internamente livre para realizar A) mas escolha não exercer esse poder em cada mundo possível no qual exista.
A distinção entre estes três sentidos de “determinismo” nos autoriza a rejeitar a conclusão de Morrison de que Deus não é moralmente bom. Uma condição necessária para ser moralmente bom, um adepto da concepção libertária do livre-arbítrio diria, é que uma pessoa não seja interna ou externamente determinada em relação a ações moralmente relevantes.
Mas não é uma condição necessária para ser moralmente bom que uma pessoa não seja logicamente determinada em relação a ações moralmente relevantes; uma pessoa é moralmente boa se ela escolhe livremente (no sentido externo-interno) fazer o que é certo em cada mundo possível no qual ela exista.
Com a distinção entre liberdade interna, externa e lógica em mãos, posso começar minha avaliação da defesa do livre-arbítrio de Plantinga. Considere a suposição que Plantinga faz a princípio:
“Um mundo habitado por criaturas que são, ocasionalmente, significativamente livres (e realizam livremente mais boas do que más ações) é mais valioso, tudo o mais sendo igual, do que um mundo que não contenha, afinal de contas, nenhuma criatura livre.”
Agora, o que “livre” significa nesta citação? Presumivelmente, significa liberdade interna+externa+lógica. Mas alguém pode indagar, “Uma pessoa que possui somente liberdade interna e externa tem menos valor metafísico do que uma pessoa que é livre nestes dois aspectos e também possui liberdade lógica? A resposta implicada pela premissas de Plantinga deve ser “não”, pois Deus possui liberdade interna-externa mas não a liberdade lógica, e Deus detém o maior grau possível de valor metafísico. Deus não possui liberdade lógica porque Deus possui o atributo da grandeza máxima, o que inclui a propriedade de ser totalmente bom em cada mundo no qual existe. Assim, temos aqui uma prova de que ser livre interna e externamente mas logicamente determinado possui uma valor metafísico maior do que ser livre em todos os três aspectos:
1. Deus possui a combinação consistente maximamente valorável de propriedades constituintes da excelência.
2. Se fosse intrinsecamente melhor ser logicamente livre, em relação a uma vida moralmente boa, do que logicamente determinado, e esta liberdade lógica fosse consistente com a onipotência e a onisciência de Deus, então Deus possuiria esta liberdade lógica.
3. A liberdade lógica em relação a uma vida moralmente boa é consistente com a onipotência e a onisciência.
4. Deus é logicamente determinado em relação a uma vida moralmente boa.
Portanto
5. É falso que é intrinsecamente melhor ser logicamente livre em relação a uma vida moralmente boa do que ser logicamente determinado.
A premissa (3) é verdadeira porque “x conhece todas as verdades” não implica “Não é logicamente possível para x realizar uma ação moralmente errada”, e “x é todo-poderoso” não implica “Não é logicamente possível para x realizar uma ação moralmente errada. Nem a conjunção de onisciência e onipotência implica isso.
Segue-se que um mundo possível W1 contendo um número N de pessoas que sempre fazem o que é certo e que são logicamente determinadas em relação a bondade moral é (tudo o mais sendo igual) um mundo de maior valor metafísico do que um mundo W2 contendo um número N de pessoas que são logicamente livres em relação a um estilo de vida moralmente bom. E isso sugere que Deus, se existisse, teria criado W1 em vez de W2.
Conquanto Plantinga aborde essa questão, uma suposição não-declarada de seu argumento é que não existem criaturas possíveis que sejam interna e externamente livres em relação a uma vida moralmente boa mas sejam logicamente determinadas. Esta suposição é falsa, pois “x é uma criatura interna e externamente livre em relação a uma vida moralmente boa” não implica “x é logicamente livre em relação a uma vida moralmente boa”. Se implicasse, existiria alguma diferença relevante entre Deus e criaturas que garantiria a implicação funcionasse no caso das criaturas mas não de Deus. Mas que diferença seria esta? Como sugeri, nenhum dos outros atributos divinos (além da bondade necessária) implica a bondade necessária. Nem a conjunção de dois ou mais dos atributos divinos a implicam. Além disso, os atributos não-divinos relevantes não implicam liberdade lógica em relação a uma vida moralmente boa. Por exemplo, “x conhece várias mas não todas as verdades” não implica “x escolhe livremente fazer algo errado em ao menos um mundo possível no qual x existe”. Isso também não é implicado por “x tem o poder de fazer várias mas não todas as coisas”.
Muito pouco a título de argumentação pode ser encontrado na literatura que sustente a alegação de que somente Deus é necessariamente bom. Morris tenta deduzir esta tese da tese de que os atributos divinos são necessariamente coextensivos, isto é, que os atributos da onipotência, onisciência, perfeita bondade, e assim vai, são exemplificados por Deus e somente Deus em cada mundo possível. Mas então a questão reverte para se existe qualquer razão para acreditar na tese da coextensividade necessária. Morris oferece a justificação de que ele possui uma “intuição” desta coextensividade necessária e que esta intuição é justificada porque pode ser rastreada até um mecanismo de formação de crenças confiável, a saber, que se existisse um deus desse tipo, ele teria implantado tal intuição em nós. Mas também já vimos que este tipo de argumento fracassa porque o mesmo tipo de argumento pode ser utilizado para justificar a intuição de que existe um deus cujos atributos não são necessariamente coextensivos.
Swinburne apresenta um tipo de argumento diferente em “The coherence of theism”, a saber, que a conjunção de onisciência e perfeita liberdade implica bondade necessária. Este argumento, entretanto, ainda que sólido, não faz nada para mostrar que se qualquer ser não é ao mesmo tempo onisciente e perfeitamente livre, também não é necessariamente bom. Swinburne argumenta que uma pessoa perfeitamente livre ” não pode fazer o que não considere, de alguma forma, uma coisa boa” porque a única restrição sobre a realização do que alguém acredita ser certo é uma influência causal sobre as escolhas de alguém, e uma pessoa perfeitamente livre não é causalmente influenciada (bem como é causalmente indeterminada). Uma outra pessoa que não Deus pode ser perfeitamente livre no sentido que Swinburne atribui ao termo porque podem existir mentes incorpóreas finitas, por exemplo, um anjo, que não é causalmente influenciada por seus estados psicológicos prévios ou qualquer outra coisa. Além disso, uma pessoa não-onisciente pode ter somente crenças morais verdadeiras, no mínimo pela razão de que é possível conhecer todas as verdades morais e não conhecer todas as verdades matemáticas. Tal pessoa seria moralmente boa necessariamente, dadas as premissas do próprio Swinburne. De fato, lançando mão das premissas de Swinburne uma pessoa pode provar a possibilidade de outras pessoas moralmente boas além de Deus:
6. É possível que exista uma mente não onisciente x tal que: para cada mundo possível W na qual x exista, e para cada circunstância na qual x se vê diante de uma escolha moral, x conhece todas as verdades concretas e morais cujo conhecimento é necessário para fazer uma escolha correta.
7. Esta mente x não é nem causalmente determinada nem causalmente influenciada por quaisquer fatores externos ou internos.
8. Necessariamente, se uma mente perfeitamente livre conhece todas as verdades concretas e morais necessárias à realização de uma escolha moralmente correta em qualquer circunstância moralmente significativa na qual se encontre, então esta mente fará a escolha certa.
Se tais pessoas são possíveis, mundos contendo apenas tais pessoas e Deus e nenhuma natureza (um domínio físico, material) são possíveis; em todos estes mundos o mal natural e o mal moral não existem. O argumento contrafatual de que é possível que se Deus criasse estas pessoas em determinadas circunstâncias elas fariam algo errado falha porque estas pessoas são necessariamente boas. Portanto, a defesa do livre-arbítrio de Plantinga não pode ser usada para mostrar que um mundo contendo estas pessoas não é criável.
A idéia de que existem criaturas possíveis que são necessariamente boas e que Deus poderia ter criado um mundo contendo somente tais criaturas não depende da veracidade da teoria dos contrafatuais da liberdade de Plantinga. A primeira vista, pode parecer que há uma dependência porque presumivelmente Deus, se existisse, logicamente teria conhecido, anteriormente à criação, os contrafatuais acerca destas criaturas e decidido criar um mundo com elas baseado neste conhecimento. Por exemplo, Deus conheceria anteriormente à criação
9. Se as essências individuais de algumas criaturas necessariamente boas fossem instanciadas, as instanciações destas essências sempre fariam o que é certo.
A proposição (9) é logicamente verdadeira de forma anterior à criação mesmo que a teoria de Plantinga seja falsa, pois (9) é analiticamente verdadeira e assim não requer relações de similaridade entre mundos possíveis que a tornem verdadeira. A proposição (9) é verdadeira porque o antecedente implica o consequente. Portanto, se a teoria dos contrafatuais de Stalnaker-Lewis é verdadeira, não existem contrafatuais de liberdade logicamente contingentes que sejam logicamente verdadeiros antes da criação, mas existem contrafatuais da liberdade logicamente necessários que são logicamente verdadeiros antes da criação, e os últimos são tudo o que Deus precisa para saber qual mundo criar.
O fato de que criaturas necessariamente boas são possíveis suplementa a proposição ausente (p’) que permitirá que a conjunção de (G), (E) e (p’) produza uma contradição explícita. As proposições (G) e (E), relembremos, são
G. Deus existe e é perfeitamente bom, onipotente e onisciente.
E. O mal existe.
Existem várias maneiras de formular (p’), uma delas baseada numa proposição da primeira discussão da defesa do livre-arbítrio de Plantinga em seu artigo “A defesa do livre-arbítrio” (1965), registrada da seguinte maneira:
10. Se Deus é totalmente bom e a proposição Deus cria seres humanos livres e os seres humanos livres que ele cria sempre fazem o que é certo é consistente, então quaisquer humanos livres criados por Deus sempre fazem o que é certo.
Se a negação de (E) deve ser deduzida de (10) e (G), então (10) precisa ser uma verdade necessária. Mas precisamos de premissas adicionais. Uma delas é
11. É consistente que Deus cria seres humanos livres e os seres humanos livres que ele cria sempre fazem o que é certo.
Outra é
12. É possível que seres humanos livres que sempre fazem o que é certo existam sem que exista qualquer mal natural, e se Deus criar estes seres humanos, ele não criará o mal natural.
Se (10), (11) e (12) são todas verdades necessárias, , então a proposição (p’) é a conjunção de (10), (11) e (12) porque a conjunção destas três proposições com (G) implica
~E. O mal não existe.
Isto produziria um argumento lógico do mal sólido, pois mostraria que o teísta está comprometido duas proposições cuja conjunção é o mal existe e o mal não existe.
No artigo “A defesa do livre-arbítrio” Plantinga ataca (10). Ele escreve
“Parece não haver razão para supor que (10) é absolutamente verdadeira, muito menos necessariamente verdadeira. Se os seres humanos livres criados por Deus sempre fizessem o que é certo seria, presumivelmente, responsabilidade deles; por tudo o que sabemos eles podem ocasionalmente exercer sua liberdade para fazwer o que é errado.”
Num sentido Plantinga está certo, pois os humanos são logicamente livres em relação a uma vida moralmente boa e ser logicamente livre e ser logicamente determinado são plausivelmente pensadas como propriedades essenciais. Não existe nenhum mundo possível no qual humanos são logicamente determinados em relação a uma vida moralmente boa. Mas Plantinga negligencia a possibilidade de que existam criaturas racionais possíveis que são externa e internamente livres mas logicamente determinadas, e se tomarmos o termo “humanos” em (10) num sentido amplo como se referindo a qualquer criatura racional, então a pretensa refutação de Plantinga de (10) fracassa. Assim, o argumento lógico do mal sobrevive incólume à crítica de Plantinga.
A solidez do argumento lógico do mal pode ser vista mais claramente se considerarmos uma proposição relevante da obra de Plantinga “God, Freedom and Evil”, uma proposição que ele admite “a título de argumentação” ser uma verdade necessária (ainda que ele não faça nenhuma tentativa subsequente para mostrar que ela não é uma verdade necessária). A proposição é
13. Um ser onipotente, onisciente e (completamente) bom elimina todos os males que podem ser convenientemente eliminados.
Um ser elimina convenientemente um estado de coisas perverso se elimina essa perversidade sem eliminar um bem que a ultrapasse ou provocar uma perversidade ainda maior. Um bom estado de coisas g ultrapassa um estado de coisas ruim e se a conjunção dos estados de coisas g e e é um bom estado de coisas. Dadas estas definições, é plausível pensar que (13) é uma verdade necessária. Se um estado de coisas é eliminado pelo impedimento de sua efetivação, e se um mundo possível é um estado de coisas (um estado de coisas máximo), então (13) implica
14. Deus impede a efetivação de qualquer mundo W1 que contém o mal se existe outro mundo criável W2 contendo no mínimo tanto bem quanto W1 e nenhum mal.
Não existe nenhum mundo contendo o mal que contém mais bem do que um mundo criável W2 que não contém nenhum mal e que consiste de Deus e um número infinito de criaturas racionais necessariamente boas externa e internamente livres que realizam um número infinito de boas ações. Isto é verdade em virtude da matemática do infinito, pois o acréscimo de mais criaturas ou ações a um mundo contendo um número infinito delas não aumenta a quantidade de bem, pois “infinito” mais “N”, para qualquer número finito N, é igual a “infinito”. Dessa maneira não podemos dizer que existe um mundo possível contendo o mal e infinito+N boas ações e que este mundo contém mais bem do que um mundo contendo contendo um número infinito de boas ações e nenhum mal. Obviamente, podemos obter mais boas ações se adicionarmos a um mundo com aleph-zero boas ações um aleph-um adicional de atos, onde aleph-zero é o número de todos os inteiros finitos e alpeh-um é (pela hipótese do continuum) o número de todos os números reais. Mas este tipo de argumento pode ser bloqueado sustentando que existe outro mundo sem mal algum mas com aleph-um boas ações. Os mesmo vale para qualquer outro cardinal transfinito maior do que aleph-zero.
Os argumentos acima acerca das criaturas racionais livres necessariamente boas mostram que
15. Existe algum mundo possível criável W2 contendo somente Deus e um número infinito de criaturas racionais livres necessariamente boas que realizam um número infinito de boas ações.
Isto nos dá nossa contradição explícita, a saber, a conjunção das seguintes proposições:
G. Deus existe e é totalmente bom, onipotente, e onisciente.
E. O mal existe.
14. Deus impede a efetivação qualquer mundo W1 que contém o mal se existe outro mundo criável W2 contendo no mínimo tanto bem quanto W1 e nenhum mal.
15. Para cada mundo possível criável W1 contendo o mal e um número infinito de criaturas racionais livres que realizam um número infinito de boas ações, existe outro mundo possível criável W2 que não contém nenhum mal e um número infinito de criaturas racionais livres necessariamente boas que realizam um número infinito de boas ações.
~E. O mal não existe. [a partir de G, (14) e (15)]
O argumento lógico do mal, então, parece ser bem-sucedido, ou ao menos Plantinga ou ninguém mais que eu conheça ofereceu uma boa razão para pensar que não. Consequentemente, devemos renunciar, ao menos no presente, à alegação de que a vida humana possui um significado objetivo dado pelas religiões monoteístas. Parece razoável acreditar, baseando-nos nas considerações apresentadas neste capítulo, que a presença do mal torna a vida humana desprovida de significado religioso no sentido monoteísta.
Observe que este argumento lógico do mal não é o argumento formulado por Mackie, cuja refutação costuma ser creditada a Plantinga. O argumento de Mackie é
“Se Deus fez os homens de tal forma que em suas livres escolhas eles as vezes preferem o que é bom e as vezes preferem o que é mal, por que ele não poderia tê-los feito de tal forma que eles sempre escolhessem livremente o bem? Se não existe nenhuma impossibilidade lógica no fato de uma pessoa escolher livremente o bem em uma, ou em várias ocasiões, não pode haver uma impossibilidade lógica no fato de ele escolher o bem em todas as ocasiões.”
Numa formulação de mundos possíveis, isto pode ser interpretado como a afirmação de que existe um mundo logicamente possível no qual os humanos sempre escolhem o que é certo. Mas Plantinga enfrenta esta alegação observando que a existência de um mundo possível não significa que Deus poderia efetiva-lo, pois é possível que se Deus tivesse criado as pessoas neste mundo e as tivesse colocado nas circunstâncias relevantes, elas teriam feito escolhas erradas. Resumindo, o argumento de Mackie falha porque ele supõe que o mundo logicamente possível no qual criaturas livres sempre fazem o que é certo contém humanos que são logicamente livres em relação a uma vida moralmente boa. O argumento de Mackie é que existe um mundo possível no qual os seres humanos são criados por Deus e sempre fazem o que é certo; ele não demonstra a alegação mais forte de que existe um tipo diferente de criatura, pessoas racionais que são interna e externamente livres mas logicamente determinadas a fazer o que é certo, e que existe um mundo possível contendo somente Deus e criaturas deste tipo. Esta afirmação mais forte é necessária para fazer oposição ao criticismo de Plantinga segundo o qual é possível que se Deus tivesse criados as pessoas em questão, elas escolheriam fazer algumas ações erradas, ainda que fosse possível a elas não escolhe-las.
Argumentos diferentes contra a defesa do livre arbítrio de Plantinga são propostos por Gale. Ele não faz distinção entre liberdade interna e externa e assume tacitamente com Plantinga que criaturas finitas racionais são logicamente livres.
O argumento básico de Gale é que seres humanos não possuem de fato livre arbítrio (interno e externo) se eles são criados por Deus. Ele apela a um princípio a respeito dos seres humanos, a saber, de que se as ações e escolhas de uma pessoa A resultam de condições psicológicas que são intencionalmente determinadas por outra pessoa B, então as escolhas e ações de A não são livres. Gale sustenta este princípio com o exemplo de um engenheiro cibernético submetendo sua esposa a uma cirurgia na qual seu cérebro é substituído por um computador pre-programado análogo, que imprime em sua esposa a configuração psicológica desejada, abrangendo desejos, disposições, inclinações e similares. Esta configuração psicológica pode direcionar ou tornar mais previsíveis certas escolhas feitas por sua esposa, mas estas escolhas não são livres porque sua esposa não possui uma mente própria. Gale observa que, segundo Plantinga, Deus intencionalmente causa a posse de todas as propriedades da liberdade indeterminada de uma pessoa criada, que incluem seu perfil psicológico. Isto implica, de acordo com Gale, que esta pessoa criada “deixa de ser livre por não possuir uma mente própria.”
Gale assinala que seu argumento não é conclusivo porque ” faz uso dos mesmos princípios supressores da liberdade aplicáveis nas situações humano-humano ao caso Deus-humano”, e a analogia pode não ser suficientemente forte. Mesmo assim, Gale pensa que seu argumento possui alguma força contra a defesa do livre-arbítrio de Plantinga. Mas será que realmente possui? Acredito que as diferenças prevalecem sobre as semelhanças entre as duas situações. Especificamente, o caso humano-humano envolve o marido alterando a configuração psicológica original, natural, de sua esposa e a substituindo por uma nova, artificial. Mas no caso Deus-humano, Deus não altera a configuração psicológica original da pessoa; em vez disso, a configuração psicológica original da pessoa é exatamente o que é criado por Deus. Assim, penso que a defesa do livre-arbítrio de Plantinga pode sobreviver a este ataque.
Gale diz muito mais sobre os problemas com a defesa do livre-arbítrio de Plantinga, nenhum dos quais ele acreditar refuta-la de maneira conclusiva. Acredito que a distinção que fiz entre os três tipos de liberdade _ interna, externa e lógica _ e o argumento que construí sobre esta distinção refutam conclusivamente a defesa do livre-arbítrio de Plantinga, de maneira que não precisamos nos valer dos vários argumentos de Gale para ver que esta defesa não é bem-sucedida. Mas a crítica da defesa do livre-arbítrio feita por Gale é aplicável a outras versões além da de Plantinga, por exemplo, a deg Adams, e Gale levanta várias objeções plausíveis em sua abraangente discussão das várias versões da defesa.
Notas
Plantinga, The Nature of Necessity, 166-67.
Wesley Morrison, "Is God 'Significantly Free'?" Faith and Philosophy 2 (1985): 257-64, esp. 57-58.
Plantinga, The Nature of Necessity, 166.
Richard Swinburne, The Coherence of Theism (Clarendon Press: Oxford, 1977), 146.
Plantinga, "The Free Will Defence" em Philosophy of Religion, ed. S. Cahn (Nova York: Harper and Row, 1970), 56-57. (10) é de Plantinga (6 '). Este artigo foi publicado originalmente em Max Black, ed., Philosophy in America (Ithaca: Cornell University Press, 1965).
John Mackie, "Evil and Onipotence", Philosophy of Religion, ed. Cahn, 7-22, esp. 17
Gale, On the Nature and Existence of God. 160
Ibid., 158
Postar um comentário
Fique a vontade para comentar em nosso artigo!
Todos os comentários serão moderados e aprovados, portanto pedimos que tenham paciência caso seu comentário demore para ser aprovado. Seu comentário só será reprovado se for depreciativo ou conter spam.
Você pode comentar usando sua conta do Google ou com nome+URL.